Ex-capitã da seleção brasileira e até então diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol, Aline Pellegrino aceitou o convite da CBF para ocupar o cargo de Coordenadora de Competições femininas na confederação. Desde a saída de Marco Aurélio Cunha em junho, a entidade não tinha ninguém para ocupar o posto de coordenador de seleções femininas. Na semana passada, a CBF fez o convite para Pellegrino, que aceitou nesta quarta-feira com uma função um pouco mais completa: a de ajudar a desenvolver a modalidade em nível nacional.
O anúncio foi feito pelo presidente da entidade, Rogério Caboclo, durante a coletiva de imprensa da técnica Pia Sundhage, que convocou a seleção brasileira para uma série de treinos em setembro na Granja Comary.
Essa imagem significa CONQUISTA. Pela primeira vez, o futebol feminino está nas mãos das mulheres. E de mulheres que têm história e competência para geri-lo. pic.twitter.com/QP1n3S9CwH — dibradoras (@dibradoras) September 2, 2020
Além da contratação de Aline, a ex-jogadora e até então coordenadora de futebol feminino no Internacional, Duda Luizelli também compõe esse departamento voltado ao futebol feminino assumindo o cargo de Coordenadora de Seleções Femininas.
Durante a apresentação das duas novas dirigentes, Caboclo classificou esse momento como memorável e afirmou que o pagamento de diárias às atletas durante as convocações passam a ter o mesmo valor para as equipes masculinas e femininas. Isso se aplica também às premiações em grandes eventos como os Jogos Olímpicos – na Copa, Caboclo explicou que as mulheres receberão a mesma premiação dos homens no proporcional ao repasse da Fifa para a entidade.
Caboclo afirma que a CBF igualou as diárias do futebol feminino e do masculino. “O que elas recebem por convocação diária, de premiação, inclusive em Copas do Mundo, será igual ao dos homens. NÃO HAVERÁ MAIS DIFERENÇA DE GÊNERO!”, declarou. pic.twitter.com/j8WNx1IZuL — dibradoras (@dibradoras) September 2, 2020
Por que a CBF acerta com Aline Pellegrino?
Trabalhando na FPF desde 2016, Pellegrino reúne a experiência como ex-jogadora de futebol (foi capitã da seleção brasileira na campanha do vice-campeonato Mundial em 2007) com uma bagagem de quatro anos atuando como dirigente. Além disso, ela é Consultora do Departamento de Desenvolvimento de futebol feminino da Conmebol, representante do Fifa Legends, e foi a representante sul-americana do Women in Football Leadership Program, da FIFA, UEFA e IMD Business School.
Se o discurso da CBF, muitas vezes repetido por Marco Aurélio Cunha, sempre foi o de que “era preciso ter mulheres capacitadas” para ocuparem algum cargo na entidade, Aline Pellegrino tem um currículo melhor do que muitos homens que têm postos de comando por lá – inclusive do que todos os que já passaram pela função de “coordenador de seleções”. Experiência no campo e fora dele, cursos de gestão (inclusive o da própria CBF), pós-graduação em Gestão do Esporte, trabalhos na Fifa e na Conmebol (sempre relacionados ao futebol feminino), além do amadurecimento lidando com a “política” esportiva dentro da federação.
Mas para conseguir trazer a Pelle, como é conhecida, o convite feito a ela precisou ir além do que apenas coordenar as seleções femininas. Até para acertar uma dívida dos anos de atraso e de oportunidades perdidas da CBF com a modalidade, seria preciso que a CBF aproveitasse o momento para ter uma estrutura mais sólida para desenvolvimento do futebol feminino na entidade – e isso incluiria a criação de um departamento exclusivo para ele. E para chefiá-lo, não existe ninguém mais capacitado do que Aline Pellegrino.
Avanços
Em quatro anos na FPF, Pelle conseguiu um salto impressionante no desenvolvimento do futebol feminino em São Paulo. O Campeonato Paulista ganhou transmissões de jogos pela internet (e das fases finais pela TV), bateu recorde de audiência (em 2019, as finais superaram até audiência de jogos da Premier League e Bundesliga) e também recorde de público. Em uma iniciativa inédita comandada pela diretora da federação, Corinthians e São Paulo levaram as finais femininas para seus estádios principais (Morumbi e Arena Corinthians) e, em Itaquera, foi registrado o maior público de uma partida de clubes femininos (quase 29 mil pessoas).
A ex-atleta também teve uma iniciativa interessante na criação do prêmio das melhores jogadoras do Campeonato Paulista. Antes, somente os homens tinham eleição de melhores para cada posição e seleção do campeonato e recebiam os troféus por isso. Desde 2017, porém, isso acontece também com as jogadoras – a festa costuma acontecer no Museu do Futebol. Uma valorização que a modalidade precisava há tempos.
Na base, Pellegrino criou a primeira competição estadual sub-17 há três anos, também organizou os festivais sub-14 e, em 2019, fez sair do papel uma ideia “revolucionária” de uma peneira de jogadoras sub-17 reunindo 336 atletas de todos os lugares do país para serem selecionadas pelos 20 clubes paulistas. Tudo isso fazia parte dos planos dela quando assumiu o cargo ainda em 2016. Seu objetivo principal era fazer com que o futebol se tornasse um sonho possível também para meninas – hoje, após os avanços que conseguiu tanto nas categorias de base como na principal, Pelle já pode dizer que tem parte do dever cumprido (ao menos no estado de São Paulo).
A evolução também se deu pelo “produto principal” entregue pela FPF no futebol feminino. O Campeonato Paulista agora tem a participação dos quatro clubes de camisa do estado, tem jogos de alto nível e algumas das principais jogadoras do Brasil – a maior artilheira dos Jogos Olímpicos, Cristiane, joga no Santos; a meio-campista da seleção, Andressinha, joga no Corinthians; a medalhista olímpica em 2004 e 2008, Rosana, joga no Palmeiras; tudo isso contribui para engrandecer o “produto” do futebol feminino paulista, e Pellegrino tem tido boas estratégias para vendê-lo no mercado – tanto conseguindo mais patrocínio, quanto atraindo mais visibilidade da mídia.
“Às vezes, quando a gente vai para o mercado, a gente vai tentar vender o modelo de negócio do masculino. A gente precisa entender esse modelo de negócio próprio do feminino pra poder levar pras marcas a nossa verdade. Não é pra vender a mesma coisa que o masculino vende. A gente se acostumou com o modelo do futebol masculino e parece que é só isso que vale”, pontuou Pellegrino em entrevista ao podcast Passion Cast.
“O que a gente tem de melhor? Por exemplo, a nossa verdade é ter a Cristiane, jogadora reconhecida no mundo inteiro, vestindo a camisa do São Paulo, jogando a final contra o maior rival, e sendo abraçada pela torcida corintiana, sendo idolatrada por crianças que torcem para o time rival. Isso é uma verdade que o futebol feminino tem, e o masculino não tem. Uma final na Arena Corinthians que tinham torcedores de outros times, não só do Corinthians. O São Paulo subindo pra receber a medalha de vice sendo aplaudido pela torcida adversária. Isso não tem no masculino. Que marca pode se interessar por isso?”
Por essa visão e pela vontade de fazer acontecer (além, é claro, da capacitação que já mencionamos aqui), não há pessoa mais adequada para comandar o futebol feminino na CBF do que Aline Pellegrino. Com ela assumindo um papel de protagonista no desenvolvimento da modalidade, é possível sonhar com uma evolução muito maior nos próximos anos.