* Por Olga Bagatini
A técnica Pia Sundhage chegou ao comando da seleção brasileira em junho de 2019 e soma 11 jogos à frente da equipe, com seis vitórias, quatro empates e uma derrota. Apesar do retrospecto aparentemente positivo, a nova comandante amarga dois vice-campeonatos, perdidos nos pênaltis contra Chile (4 a 5) e China (4 a 2), além de um empate nos acréscimos contra o Canadá que frustrou a treinadora.
Depois do tropeço diante das chinesas, em novembro, Pia decidiu solicitar à CBF a contratação de uma psicóloga para fortalecer o trabalho com o elenco. Marina Penteado Dusson chegou à delegação no fim do ano passado, na convocação dos amistosos contra o México, e desde então tem sido uma ferramenta importante para aproximar a sueca das atletas brasileiras.
“Teve sim a ver com os torneios perdidos nos pênaltis, a primeira coisa que eu disse para Marina foi que quando estivermos em uma situação de prorrogação ou de pênaltis, precisamos construir um sentimento bom [de confiança] em relação a isso”, contou Pia às dibradoras.
“Mas não é só. Eu quero saber com quem estou trabalhando, se estamos deixando passar alguma coisa, e acho que o trabalho pode ser benéfico para algumas jogadoras. Precisamos criar uma relação, eu preciso criar uma relação com elas, e Marina tem me ajudado nesse sentido.”
Formada na USP Ribeirão Preto, Marina tem 15 anos de experiência com psicologia esportiva, mas esta é sua primeira experiência com futebol feminino. A psicóloga explicou que o trabalho na seleção ainda está em estágio inicial e que tem buscado conhecer melhor as características e individualidades de cada uma das atletas, de modo a fazer intervenções alinhadas com as diretrizes dos outros membros da comissão técnica.
“Recebi orientações para fazer um trabalho alinhado com o da Pia e o jeito dela de liderar. A questão [das derrotas nos pênaltis] foi citada, está no pacote do que vai ser feito, mas não é só isso”, reiterou Marina.
“Atletas de alto rendimento precisam ter um autoconhecimento diferenciado, porque vivem situações de altíssima pressão e precisam gerenciar isso sem ficar à mercê dos sentimentos. Então meu trabalho é justamente ajudá-las a buscar esse autoconhecimento, a ter recursos para resistir, transformar ou mudar intencionalmente o que se passa dentro delas, e da forma mais rápida possível. Quanto mais tempo você faz esse treinamento mental, melhor você fica, assim como em um treinamento físico ou tático.”
Segundo Pia, o trabalho de Marina também tem impacto direto na performance da equipe verde e amarela. “Vou te dar um exemplo: a questão física das atletas. O preparador Fábio Guerreiro conversa com elas, explica que se elas quiserem elevar o nível do jogo, precisam cuidar da parte física. É fácil entender isso no discurso, mas a gente precisa de algumas ações além das palavras para mudar um pouquinho o estilo de vida delas, o cotidiano, mesmo a rotina. Nesse sentido Marina participa porque constrói uma relação com elas e assim ajuda as jogadoras a compreenderem o que precisa ser mudado, como elas podem entrar em forma, e até qual o papel delas dentro de campo.”
A última vez que a seleção brasileira feminina havia contado com o apoio de um psicólogo foi na primeira passagem de Vadão, entre 2014 e 2016, quando o treinador teve ao seu lado João Serapião de Aguiar, que trabalhou com ele no Guarani. Emily Lima assumiu o comando no final de 2016 e trouxe para compor sua comissão a coach esportiva Sandra Santos. Vadão voltou a assumir o cargo em 2017, mas não contou com Serapião em sua segunda passagem pela equipe.
Diante dos impactos causados pela pandemia do coronavírus, Marina precisou adaptar o trabalho e fazer alterações no cronograma, apostando nas reuniões virtuais. “Tivemos que explorar muito mais o contato à distância, que já era uma realidade da seleção que tem atletas em diferentes clubes e países, mas nesse momento isso foi ainda mais forte porque além de aumentar a distância entre encontros presenciais a gente antes tinha um calendário que foi todo modificado por causa da quarentena.”
A psicóloga desenvolveu um questionário que é respondido semanalmente pelas jogadoras para monitorar a situação de cada uma diante das incertezas causadas pela pandemia e pelo adiamento das competições, como a mudança da Olimpíada de Tóquio para 2021.
“Houve uma mudança grande no intervalo de tempo que a gente tem até os Jogos Olímpicos e isso foi trabalhado em conjunto dentro da comissão, cada um na sua área, pensando o que esse novo cenário poderia gerar tanto em termos de dúvida quanto de oportunidade”, disse Marina. “Temos conversado bastante para identificar as questões e fazer intervenções individuais com as atletas de acordo com as demandas.”
Sobre o esforço de manter um grupo que passou meses de quarentena e longe dos gramados motivado, Marina diz que é desafiador. “Elas vêm de uma modalidade coletiva, então a presença, o grupo, o campo e o treino específico são fatores que fazem muita falta nesse momento, assim como a ausência de um calendário. Agora que as coisas estão ficando mais desenhadas, mas por muito tempo a suspensão foi indeterminada, causando muita ansiedade do que estaria por vir, quando e como.”
“Essas inseguranças fazem com que a atleta se sinta muito perdida, o que pode ser muito desanimador e causar ansiedade. Manter a motivação nesse cenário é um enorme desafio, então muito do que tem sido feito é justamente ajudá-las a perceber o que está alcance delas, o que elas podem transformar. Se o calendário não está [ao alcance], como é que elas podem manter uma vida e uma rotina onde o exercício esteja presente para manter viva essa identidade de jogadora? Manter essa chama acesa dentro de cada uma delas é o que tem sido muito importante nesse momento”, completou a psicóloga.