Elas já foram campeãs mundias e finalistas olímpicas nos anos 90, mas desde o inicio dos anos 2000, o basquete feminino sofre muito com a falta de apoio e visibilidade. Um esporte que arrastou multidões por décadas pelos ginásios do Brasil – especialmente no interior de São Paulo – e revelou craques formando a base da seleção feminina, hoje faz um apelo.
Lançado pela LBF (Liga de Basquete Feminino) nesta quarta-feira, a campanha “Levante a Bola Delas” reuniu campeãs da Liga e personagens históricas da modalidade para pedir por igualdade. E a escolha da data não foi em vão, já que no dia 26 de agosto comemora-se o Dia Internacional da Igualdade Feminina, movimento que originou-se nos Estados Unidos em comemoração à instituição da 19ª emenda da Constituição norte-americana, promulgada em 1920 e que proibia o Estado de negar o direito ao voto aos seus cidadãos de acordo com o gênero, abrindo espaço para a participação feminina na política.
O movimento surgiu de uma necessidade antiga, mas que ganhou força recentemente quando Érika de Souza, multicampeã pela LBF CAIXA, WNBA e Liga Espanhola, se posicionou publicamente exigindo visibilidade, apoio e condições igualitárias ao basquete feminino.
No filme, Érika e outras atletas do atual plantel da seleção feminina – como Rapha Monteiro e Tainá Paixão – passam uma mensagem simples e direta: “Por que meus títulos, minhas conquistas em clubes e seleção, não têm o mesmo valor? Só porque sou mulher?”
Para deixar esse time ainda mais completo, o vídeo conta com a participação de três das principais jogadoras que fizeram parte das maiores conquistas da modalidade até hoje: Magic Paula, Hortência e Janeth Arcain. “Nos últimos 30 anos foram as mulheres que mais conquistas trouxeram para o Brasil”, reforça a Rainha na mensagem.
#ValorizaAsMinas
Depois que a pivô Érika deu uma entrevista forte ao Estadão, cheia de posicionamento e questionamentos em torno das desigualdades na modalidade, outras tantas atletas também começaram a expor suas insatisfações. Rapidamente, a #ValorizaAsMinas começou a ser amplamente citada nas redes sociais.
Esclarecimento:
— Erika de Souza (@erikasouza14) June 21, 2020
Muitas pessoas vieram falar comigo sobre o trecho da entrevista (foto) que dei ao Estadão em que falo sobre a diferença de tratamento entre HOMENS e MULHERES no esporte. Vamos lá então. Segue o fio. 🧶 pic.twitter.com/JJQR5d9kKJ
“Muita coisa me deixava insatisfeita e todas as meninas estavam incomodadas com isso também, porque sentimos na pele todos os dias. A gente precisava de um estalo e a Erika foi a grande responsável por isso. O grupo de meninas da seleção virou um grupo com as meninas dos times também e estamos tentando organizar nossos pensamentos, mostrar nossos posicionamentos com muito respeito, falando de visibilidade, de investimento no feminino, da mídia falando da gente, de valorização por parte dos clubes e de ter uma liga mais forte”, declarou a ala-armadora, Isabela Ramona, em entrevista às dibradoras.
Também pelas redes sociais houve um movimento para que a Liga de Basquete Feminino ganhasse mais seguidores no Twitter. Eram menos de 6.000 e depois de um grande engajamento, a LBF mais do que dobrou seu número de seguidores.
O grande objetivo da atual campanha é atrair as empresas para que elas patrocinem o basquete das mulheres e que ajudem na construção de uma nova consolidação da modalidade feminina no Brasil. “Espero que essa campanha possa chamar a atenção das marcas em relação às mulheres e ao basquete feminino. Estamos num momento delicado, por causa da pandemia, e também preocupadas em relação à patrocínio. O basquete é o nosso trabalho e precisamos de apoio para ter uma Liga forte no ano que vem, com mais equipes, para que possamos continuar jogando no nosso país”, declarou a armadora Tainá Paixão.
Menos visibilidade, equipes e patrocínios
Assim como acontece na maioria dos esportes, a modalidade masculina ganha mais destaque do que a feminina. Mas isso não tem nada a ver com performance, mas sim com apoio, e no basquete não é diferente.
Se compararmos as condições da liga e dos atletas que disputam o basquete no Brasil com o que as mulheres recebem, a desigualdade é gritante. Para começar, o NBB (competição dos homens) nasceu em 2008/2009, enquanto a das mulheres (LBF) foi criada em 2010/2011.
O torneio masculino foi se consolidando ao longo dos anos, mas o feminino ainda não engrenou. E isso acontece porque a competição dos homens conta com o aporte financeiro de grandes patrocinadores, transmissões de partidas em diversos canais, marcas esportivas oferecendo produtos para atletas e claro, um campeonato com maior duração e mais equipes participantes.
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A situação da LBF é bem diferente. O único patrocinador da competição – a Caixa Econômica Federal – deixou de apoiar a competição feminina e, por conta da pandemia da Covid-19, o campeonato das mulheres nem aconteceu neste ano. As jogadoras ficaram sem salários e clubes que sobrevivem às duras penas (muitos deles com apoio de Prefeituras) correm o risco de não se manterem ativos na temporada seguinte.
E é claro que todos esses anos sem fomento e sem um trabalho profissional bem feito refletiu no desempenho da seleção brasileira. No ano passado, as mulheres sagraram-se campeãs Pan-Americanas no Equador depois de 28 anos de espera – a última conquista delas na competição havia sido em 1991.
Este foi o início de uma renovação da seleção brasileira feminina desde a chegada do treinador experiente Jose Neto, às vésperas do Pan de Lima. A esperança em ver uma equipe mais competitiva em quadra se renovaram, mas logo depois veio o balde de água fria quando a equipe não conseguiu a classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, mostrando que ainda é preciso mais trabalho e desenvolvimento na base para que o basquete das mulheres volte a brigar por títulos relevantes.
“Nós, do basquete feminino, queremos mostrar que como mulheres do esporte, a gente também não quer mais aceitar as desigualdades. A gente só quer brigar pelo que é nosso por direito. Já provamos dentro da quadra que a gente tem material humano, que com investimento a gente consegue resultados também. As pessoas investem em times vitoriosos, que conquista resultados. Quem pratica esporte entende isso, só que a gente tem mostrado que somos capazes, então acho que tem que ser uma via de mão-dupla. Não adianta só a gente dar e não receber”, disse Ramona.
Levantar a bola delas é a urgência do momento. Equipes campeãs não nascem – e nem se desenvolvem – sozinhas e sem apoio. Já passou da hora das marcas esportivas e das grandes empresas olharem com mais carinho e respeito para aquelas que mais recentemente colocaram o basquete brasileiro no topo do mundo e que chegaram, pela primeira e única vez, à uma final olímpica.
“São movimentos que cada vez mais se fortalecem e as mulheres estão sim buscando seus lugares ao sol e serem reconhecidas e valorizadas. A mulher pode sim praticar o esporte e tê-lo como profissão. Já caminhamos muito, mas ainda há um longo caminho a trilhar, e movimentos dessa natureza só fortalecem o basquete feminino e as atletas envolvidas nesse processo. Pode ser um start para as outras modalidades estarem juntas neste contexto”, opinou Magic Paula.