Com a saída de Marco Aurélio Cunha há exatamente um mês, a CBF ainda não tem um substituto para “comandar” o futebol feminino na entidade. O cargo de coordenador de seleções femininas ficou vago em 2 de junho, e a confederação deixou claro seu interesse em trazer uma mulher pela primeira vez para ocupá-lo. Nesse ponto, o nome escolhido não poderia ser mais óbvio: Aline Pellegrino, atual diretora de futebol feminino na Federação Paulista de Futebol.
Trabalhando na FPF desde 2016, ela reúne a experiência como ex-jogadora de futebol (foi capitã da seleção brasileira na campanha do vice-campeonato Mundial em 2007) com uma bagagem de quatro anos atuando como dirigente. Além disso, Pellegrino é Consultora do Departamento de Desenvolvimento de futebol feminino da Conmebol, representante do Fifa Legends, e foi a representante sul-americana do Women in Football Leadership Program, da FIFA, UEFA e IMD Business School.
Se o discurso da CBF, muitas vezes repetido por Marco Aurélio Cunha, sempre foi o de que “era preciso ter mulheres capacitadas” para ocuparem algum cargo na entidade, Aline Pellegrino tem um currículo melhor do que muitos homens que têm postos de comando por lá – inclusive do que todos os que já passaram pela função de “coordenador de seleções”. Experiência no campo e fora dele, cursos de gestão (inclusive o da própria CBF), pós-graduação em Gestão do Esporte, trabalhos na Fifa e na Conmebol (sempre relacionados ao futebol feminino), além do amadurecimento lidando com a “política” esportiva dentro da federação.
Mesmo antes de Marco Aurélio ter deixado o cargo, já se falava no nome dela como o mais cotado (e mais bem preparado) para trabalhar com o futebol feminino na CBF. Mas quando era questionada sobre isso, ela dizia que tinha ainda muita coisa a ser feita dentro da FPF para pensar em sair. “Sou muito de projeto a longo prazo, não gosto de deixar as coisas pela metade. Acho que ainda tenho muito tempo na FPF”, afirmou em entrevista às dibradoras em abril.
Assim que houve o anúncio da saída dele, de novo Pellegrino foi apontada como sucessora natural. E em entrevista ao podcast Donas do Campinho nesta semana, ela negou que tenha recebido o convite, mas deixou no ar a possibilidade de aceitar.
“Não teve esse convite. Fico feliz quando as pessoas citam meu nome. Eu me sinto lisonjeada porque mostra que o trabalho vem sendo bem feito. A Pelle ta pronta? Não, eu to aprendendo ainda muito aqui na Federação. Tem muita coisa que eu acredito na mudança de percepção do brasileiro sobre o que é o futebol feminino, da gente viver uma Copa do Mundo com todo mundo parando pra ver, torcendo, curtindo. Eu tenho muitos sonhos com a modalidade, isso por si só já é muito bom. A gente não sabe o que vem pela frente, mas quero continuar ligada ao futebol feminino. Ainda me sinto com muita vontade de fazer mais coisas pela modalidade”, disse.
O blog apurou que o nome de Aline Pellegrino é bem visto na CBF, mas ainda não há definição de quem viria para o cargo.
Mas para conseguir trazer a Pelle, como é conhecida, o convite feito a ela não deveria ser apenas para coordenar as seleções femininas. Até para acertar uma dívida dos anos de atraso e de oportunidades perdidas da CBF com a modalidade, seria preciso aproveitar o momento para ter uma estrutura mais sólida para desenvolvimento do futebol feminino na entidade – e isso incluiria a criação de um departamento exclusivo para ele. E para chefiá-lo, não existe ninguém mais capacitado do que Aline Pellegrino.
Avanços
Em quatro anos na FPF, Pelle conseguiu um salto impressionante no desenvolvimento do futebol feminino em São Paulo. O Campeonato Paulista ganhou transmissões de jogos pela internet (e das fases finais pela TV), bateu recorde de audiência (em 2019, as finais superaram até audiência de jogos da Premier League e Bundesliga) e também recorde de público. Em uma iniciativa inédita comandada pela diretora da federação, Corinthians e São Paulo levaram as finais femininas para seus estádios principais (Morumbi e Arena Corinthians) e, em Itaquera, foi registrado o maior público de uma partida de clubes femininos (quase 29 mil pessoas).
A ex-atleta também teve uma iniciativa interessante na criação do prêmio das melhores jogadoras do Campeonato Paulista. Antes, somente os homens tinham eleição de melhores para cada posição e seleção do campeonato e recebiam os troféus por isso. Desde 2017, porém, isso acontece também com as jogadoras – a festa costuma acontecer no Museu do Futebol. Uma valorização que a modalidade precisava há tempos.
Na base, Pellegrino criou a primeira competição estadual sub-17 há três anos, também organizou os festivais sub-14 e, em 2019, fez sair do papel uma ideia “revolucionária” de uma peneira de jogadoras sub-17 reunindo 336 atletas de todos os lugares do país para serem selecionadas pelos 20 clubes paulistas. Tudo isso fazia parte dos planos dela quando assumiu o cargo ainda em 2016. Seu objetivo principal era fazer com que o futebol se tornasse um sonho possível também para meninas – hoje, após os avanços que conseguiu tanto nas categorias de base como na principal, Pelle já pode dizer que tem parte do dever cumprido (ao menos no estado de São Paulo).
A evolução também se deu pelo “produto principal” entregue pela FPF no futebol feminino. O Campeonato Paulista agora tem a participação dos quatro clubes de camisa do estado, tem jogos de alto nível e algumas das principais jogadoras do Brasil – a maior artilheira dos Jogos Olímpicos, Cristiane, joga no Santos; a meio-campista da seleção, Andressinha, joga no Corinthians; a medalhista olímpica em 2004 e 2008, Rosana, joga no Palmeiras; tudo isso contribui para engrandecer o “produto” do futebol feminino paulista, e Pellegrino tem tido boas estratégias para vendê-lo no mercado – tanto conseguindo mais patrocínio, quanto atraindo mais visibilidade da mídia.
“Às vezes, quando a gente vai para o mercado, a gente vai tentar vender o modelo de negócio do masculino. A gente precisa entender esse modelo de negócio próprio do feminino pra poder levar pras marcas a nossa verdade. Não é pra vender a mesma coisa que o masculino vende. A gente se acostumou com o modelo do futebol masculino e parece que é só isso que vale”, pontuou Pellegrino em entrevista ao podcast Passion Cast.
“O que a gente tem de melhor? Por exemplo, a nossa verdade é ter a Cristiane, jogadora reconhecida no mundo inteiro, vestindo a camisa do São Paulo, jogando a final contra o maior rival, e sendo abraçada pela torcida corintiana, sendo idolatrada por crianças que torcem para o time rival. Isso é uma verdade que o futebol feminino tem, e o masculino não tem. Uma final na Arena Corinthians que tinham torcedores de outros times, não só do Corinthians. O São Paulo subindo pra receber a medalha de vice sendo aplaudido pela torcida adversária. Isso não tem no masculino. Que marca pode se interessar por isso?”
Por essa visão e pela vontade de fazer acontecer (além, é claro, da capacitação que já mencionamos aqui), não há pessoa mais adequada para comandar o futebol feminino na CBF do que Aline Pellegrino. Se a confederação quer mesmo se redimir dos erros do passado na modalidade – como começou a fazer ao contratar a bicampeã olímpica Pia Sundhage para a seleção feminina e mais mulheres para atuar nas comissões técnicas -, a melhor maneira para isso é trazer quem mais entende para criar o tão necessário departamento de futebol feminino na entidade.