Na última semana, o atacante do Palmeiras, Dudu, foi acusado pela esposa de violência doméstica. Ele nega o crime e já prestou depoimento na delegacia após o registro do BO. Ainda nessa semana, veio à tona uma entrevista surreal do técnico René Simões pedindo a volta do futebol porque as pessoas “estão enlouquecendo”. “Tenho amigos que já bateram na mulher”, disse. Na mídia esportiva, noticiaram que o treinador “criou polêmica” com tal afirmação.
Nos programas esportivos, vimos pouco debate sobre esses dois acontecimentos. E, vejam, debater não quer dizer julgar. Não é papel da imprensa decidir se Dudu é culpado ou inocente, mas em meio a casos recorrentes de violência contra a mulher envolvendo jogadores, não seria a hora de fazer esse tema virar pauta nas discussões sobre futebol?
Relembrando apenas os mais recentes: o goleiro Jean foi preso em flagrante após agredir a mulher nos EUA em janeiro; o atacante Robinho foi condenado na Itália por estupro em 2017; o goleiro Bruno foi condenado em 2013 como mandante do brutal assassinato da mãe de seu filho, Elisa Samudio. O atacante Dudu foi preso em flagrante por agressão à mulher e à sogra em 2013, pagou fiança e foi liberado.
Isso sem contar as denúncias de jogadores com menos holofotes. A violência doméstica é um problema grave da sociedade que, no futebol, muitas vezes é naturalizado. A ponto de um técnico dizer que tem “amigos que bateram na mulher” e ninguém questiona-lo se ele fez a denúncia do crime que acabou de relatar. A ponto de nenhum jornalista rebater essa afirmação absurda colocando a falta do futebol como “justificativa” para se cometer crimes tão graves como violência doméstica. A ponto de um dia um jogador (o goleiro Bruno, o mesmo condenado pelo assassinato da ex) ter dito “quem nunca brigou ou saiu na mão com a mulher?”, e isso não ter sido tratado com a devida gravidade.
Já passou da hora da imprensa esportiva debater a fundo essa questão urgente. Por que existem tantos casos de violência doméstica no futebol? Por que a maioria deles acaba abafado? Por que as vítimas que denunciam crimes contra a mulher são sempre “oportunistas mentirosas” e “estão querendo aparecer” – será que isso é mesmo “lucrativo” para elas? O que se vê é que nenhum dos jogadores presos em flagrante ou condenados por violência doméstica sai de cena por isso. Estão todos (os citados aqui) muito bem empregados, alguns até fazendo piada de mal gosto (como o goleiro Bruno visitando canil).
Nenhuma dessas discussões condena ou inocenta os acusados, mas ao menos levanta questões importantes sobre um problema real do futebol e da sociedade. O Jornalismo (esportivo ou não) também tem uma responsabilidade social e é papel dele conscientizar as pessoas sobre problemas urgentes. O futebol é uma excelente ferramenta pra isso, porque atinge muita gente e pode ajudar nas mudanças imprescindíveis que precisamos na sociedade – pode ajudar, inclusive, a mudar a realidade de tantas mulheres que vivem uma vida de violência sem saber como sair dela.
Há tanta coisa a ser contextualizada nisso tudo. Mais de 500 mulheres são agredidas por hora no Brasil; um feminicídio a cada sete horas é registrado no país (segundo os dados mais recentes do Fórum de Segurança Pública). Nada disso acontece por causa da falta do futebol ou por causa da presença dele. Não acontece porque os agressores são “monstros”. Acontece porque é reflexo do machismo, da desigualdade de gênero, da ideia enraizada de que homens são superiores, e mulheres devem ser submissas a eles. Essa cultura é tão forte que até mesmo denunciar um crime de violência doméstica é um desafio para as vítimas, porque, em muitos casos, o próprio delegado tenta dissuadi-las disso. “Você vai acabar com a vida dele”, é o que muitas delas já ouviram. Nunca vimos um debate na mídia esportiva mencionar nada disso.
É importante ressaltar que o papel de colocar a violência contra a mulher em pauta no futebol não é só dAS jornalistas e dAS comentaristas. Até porque, infelizmente, elas ainda são poucas na mídia esportiva. Todos deveriam estar preparados para abordar essas questões com responsabilidade. Como bem questionou a jornalista Marília Ruiz, a imprensa esportiva está pronta pra essa conversa?