Há um ano, Copa do Mundo na França quebrava ‘mitos’ do futebol feminino

Foto: CBF

No dia 9 de junho de 2019, a seleção brasileira feminina estreava na Copa do Mundo da França para vencer a Jamaica por 3 a 0 em Grenoble, com um ‘hat trick’ inesquecível da atacante Cristiane. Aquele foi o começo “oficial” do Mundial no Brasil, porque foi o primeiro jogo que a TV Globo transmitiu em rede nacional. Dali em diante, as mulheres fariam história em um torneio que quebraria todos os “mitos” já inventados sobre o futebol feminino.

Aqui, uma retrospectiva deles:

– Futebol feminino não dá audiência

Essa máxima sempre foi muito repetida, não só pelos preconceituosos que não suportam a ideia de ver o futebol feminino em evidência, como também por muitos jornalistas esportivos, que tinham certeza de que ninguém ligaria a televisão ou clicaria em uma matéria para ver mulheres em campo. E acreditando piamente nisso, nenhuma TV ou jornal cobria a Copa do Mundo feminina da forma como faziam com a Copa masculina. Os jogos até eram transmitidos (às vezes em TV aberta, na Band, e em fechada no SporTV), mas pouco se falava deles ao longo da programação. Sem saber que havia um Mundial acontecendo, era impossível ter gente interessada em assistir às partidas.

Isso mudou em 2019. Com o anúncio da cobertura completa da Copa feminina na Globo pela primeira vez, o assunto povoou os principais programas da emissora nos meses que antecederam o torneio e, logo na estreia da seleção brasileira – com direito a narração de Galvão Bueno e comentários de Ana Thais Matos e Caio Ribeiro -, uma prova de que o futebol das mulheres tinha um enorme potencial com a audiência.

Foto: Reuters

Os dados oficiais da Fifa mostram que 19,7 milhões de brasileiros acompanharam Brasil x Jamaica no dia 9 de junho de 2019. Esse número já era a segunda maior audiência da história da Copa do Mundo feminina, mas só cresceria daí em diante. A partida contra Itália (terceira da fase de grupos) em plena terça-feira num horário útil para os brasileiros somou 22,6 milhões de espectadores na audiência. E para fechar, o Brasil finalmente emplacou um novo recorde para o Mundial das mulheres: 35 milhões assistiram ao jogo entre a seleção brasileira e a França nas oitavas de final, maior audiência da história do torneio em todo o planeta.

Sem falar que até mesmo a final entre Estados Unidos e Holanda (ou seja, sem Brasil em campo), registrou mais de 19 milhões de brasileiros assistindo, uma audiência maior do que a registrada nos dois países que disputavam o título. No mundo todo, mais de 1 bilhão de pessoas acompanharam o Mundial na França pela TV.

Com números tão expressivos como esses, já não dá mais para dizer que “futebol feminino não dá audiência”.

Foto: Reprodução TV Globo

– Ninguém liga para futebol feminino

Essa é outra frase clássica. Da mesma leva do pessoal que repetia que futebol feminino não dava audiência. Mas além dos números expressivos da TV, outros dados de redes sociais mostram o interesse elevado do público em saber mais sobre futebol feminino.

A começar pelas buscas do Google. Após a estreia do Brasil contra a Jamaica, a procura pelo nome de Cristiane no site aumentou 7.800%. As pessoas também buscaram informações sobre a seleção feminina e a história do futebol das mulheres, como “quantas Copas tem a Seleção feminina de futebol?” ou “quando começou o futebol feminino no Brasil?” e “quando surgiu o futebol feminino no Brasil?”.

Foto: CBF

Além disso, palavras relacionadas ao jogo do Brasil figuraram no trending topics ao longo do dia da estreia da seleção e o assunto teve um alcance superior a 92 milhões de pessoas na partida contra a Itália.

Como algo sobre o qual “ninguém liga” vai conseguir atingir tanta gente, reunir tantas pessoas em frente à TV e despertar tantas conversas nas redes sociais? Imagina se ligassem, né…

– Mulher não sabe jogar futebol

Esse é outro clássico que toda menina que já ousou jogar bola nessa vida já ouviu. A Copa do Mundo da França comprovou que craques entre as mulheres não faltam. Foram 30 dias vendo em ação algumas das melhores jogadoras do mundo. Teve golaço de falta (como o da Cris contra a Jamaica, ou da Megan Rapinoe contra a França), tabelas bonitas daquelas de levantar a arquibancada (como foi a jogada do segundo gol do Brasil contra a Austrália), “dibres” para ninguém botar defeito (vide as canetas que Tamires distribuiu principalmente contra as australianas).

E para fechar com chave de ouro, ainda teve uma mulher quebrando um recorde muito significativo. No jogo contra a Itália, Marta marcou o gol da vitória por 1 a 0, o seu 17º gol em Mundiais. Com isso, ela se tornou a maior artilheira da história das Copas do Mundo, ultrapassando o alemão Miroslav Klose, que tem 16.

Foto: Reuters

Na saída do campo, a camisa 10 fez questão de dividir essa conquista com todas as mulheres. “Esse recorde é nosso, é de todas as mulheres que estão lutando por melhorias em todos os setores. Divido com todas vocês que lutam, batalham e ainda têm que provar que são capazes de desempenhar qualquer tipo de atividade. É nosso esse recorde”, afirmou.

Tem muita gente que prefere diminuir o feito de uma brasileira, considerada por muitos a maior jogadora de futebol de todos os tempos, e defender um jogador alemão mediano afirmando que os gols que Marta fez teriam menos relevância ou qualidade que os de Klose por ela jogar com mulheres. Deixa que digam, que pensem, que falem, o fato continua sendo um só: Marta tem 17 gols em Copas, Klose tem 16, Ronaldo tem 15.

– Mulher não entende de futebol

Mais uma frase que toda mulher que gosta de futebol já ouviu. A essa altura da humanidade, essa máxima já deveria estar morta e enterrada, eventualmente ressuscitada em forma de piada nível “tio do pavê” para todo mundo rir da tolice que isso um dia representou. Infelizmente, ainda tem quem insista nessa ideia sem nexo.

 

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Nas coberturas esportivas, ainda é raro encontrar tantas mulheres. A gente costuma se sentir “estranhas no ninho” com as salas de imprensa lotadas de homens, as coletivas, as zonas mistas. Quantas de nós já não recebemos cantadas ou respostas grosseiras, tentativas de nos diminuir porque “somos mulheres, não jogamos bola, não entendemos de futebol”. Deixa que digam, que pensem, que falem. Nós seguiremos ~dibrando todos eles e ocupando nossos espaços. Aqui uma parte das mulheres desta cobertura de Copa do Mundo feminina. Podem ter certeza que nós, brasileiras, estamos bem representadas (faltaram nas fotos @anacarolina_etc , Tatiana Furtado, @elasnoataque.cb e @jogamiga ). Sem falar naquelas que estão dando show nos comentários (@nadjapm @anathaismatos @alline.calandrini , @milenedomingues ), nas narrações (@narradoraelaine @natalialaragc ) e nas reportagens lá do Brasil ( @juarreguy , @olgabagatini , @cintiabarlem , @jogadelas , @donasdoplacar , @mamilospod , @camila_carelli , @mayrasiqueira9 ) e tantas outras. Who run the World? #copadomundofeminina #futebol #futebolfeminino #mulheresnojornalismo #selecaofeminina #seleçãobrasileira #jornalistas #copadomundo #mulheresfortes #mulheresnopoder #girlpower #deixaelatrabalhar #visibilidadeparaofutebolfeminino #dibrasnacopa

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Então a Copa do Mundo da França respondeu com uma cobertura amplamente feminina da mídia brasileira. Se normalmente o ambiente de cobertura de um Mundial é majoritariamente dominado por homens, no ano passado, ao menos entre os veículos brasileiros, as mulheres eram absolutas. Globo, ESPN, Uol, Correio Brasiliense, jornal O Globo, todos eles tinham representantes femininas na cobertura. Em determinado momento, conseguimos juntar 10 mulheres da mídia brasileira na sala de imprensa do estádio, fora as que não estavam ali na hora. No Brasil, elas também tiveram protagonismo, com Ana Thais Matos e Nadja Mauad comandando os comentários dos principais jogos na Globo e SporTV, e Alline Calandrini fazendo o mesmo na Band.

Tudo isso não pra dizer que “mulheres devem cobrir futebol feminino e homens devem cobrir futebol masculino”. O futebol é o mesmo, e a qualidade da Copa do ano passado (em campo e nas transmissões) comprovou isso. Mas foi importante ver a representatividade feminina na cobertura do Mundial na França – apesar de que, no quesito representatividade negra, ainda precisamos avançar muito no Jornalismo Esportivo. Que essa voz feminina na cobertura do futebol chegue também à Copa do Catar em 2022, porque mulher competente não falta nas redações de esporte no Brasil.

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