Uma atleta que nunca escondeu suas opiniões fortes e críticas à gestão esportiva no Brasil. Uma ex-atleta que assumiu um cargo de gestão esportiva na sua cidade natal para tentar fazer diferente daqueles que sempre criticou. Joanna Maranhão é uma mulher que não passa despercebida por onde quer que vá. Seja quando conquista um quinto lugar histórico nos 400 metros medley com apenas 17 anos de idade nos Jogos Olímpicos de 2004, ou quando aparece com seu ativismo nas redes sociais chamando a atenção para causas importantes, como feminismo, maternidade, combate ao racismo e, mais recentemente, o combate ao coronavírus.
Diante do isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus, Joanna Maranhão passou a ter uma rotina ainda mais intensa com o homeoffice e a maternidade (Caetano, filho dela, tem 8 meses). Nas suas redes sociais, ela fala muito sobre a culpa que mães sentem em situações assim, quando não conseguem dar conta de tudo.
“Achei que eu sabia o que era chorar por se sentir fracassada. Quantas vezes já chorei com aquele quarto lugar por 19 centésimos, pela medalha de prata nos Jogos Pan Americanos, por ficar fora de uma semifinal olímpica por menos de 10 centésimos. Nada, absolutamente nada disso se compara ao fracasso que uma mãe sente com os próprios julgamentos. Hoje chorei copiosamente: porque estou exausta (mais uma noite acordando muito), por perder a paciência com ele, por cogitar parar de amamentar (mas que monstro de mãe sou eu), por no auge da exaustão esquecer que ele só tem 8 meses, que tá nascendo osso por cima da carne e isso deve doer muito (dente), que ele também está cansado. Desculpa filho, você agora tá cochilando depois de ter sido uma luta para te trocar, escovar seu dente, te dar suas vitaminas, você tava chorando e eu perdi a paciência. Desculpa sua mãe. Espero que você entenda que eu tô tentando fazer meu melhor”, desabafou em um post no Instagram.
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Uma publicação compartilhada por Joanna Maranhão ♀️♀️❣️ (@jujuca1987) em
Essa é uma das dificuldades que Joanna tem tido que lidar durante o isolamento, e não são poucas as mensagens que ela recebe de mães compartilhando das mesmas aflições. A ex-nadadora também usa suas redes sociais para criar essa rede de apoio na maternidade, momento de tanta vulnerabilidade das mulheres. O “aceitar que não vai dar conta de tudo” é uma das lições que ela aprendeu nessa quarentena.
Joanna ressalta seus privilégios, por contar com um pai presente (o ex-judoca Luciano Corrêa) em meio a todas essas dificuldades. Mas a culpa por não conseguir manter a casa limpa, o bebê alimentado e saudável e, ao mesmo tempo, dar conta de todas as demandas de trabalho (ela faz parte da Secretaria de Esportes do Recife) acaba sendo inevitável.
“Hoje, decidi que não vou tentar fazer tudo. Foi a solução que encontrei. Porque não dá para gente dar conta de tudo. Se eu começar a listar as coisas que não vou dar conta de fazer, eu vou pirar. Então, vou simplesmente fazer o possível”, disse.
Não é só a maternidade que tem despertado reflexões na ex-atleta. Nos tempos de quarentena, ela também tem pensado sobre como a sociedade como um todo vai sair desse período tão desafiador.
“Poderia ser uma oportunidade de a gente pensar a maneira com que a gente vive em sociedade. É uma crise que afeta absolutamente todo mundo. A gente tem que pensar na valorização do estado. Numa crise dessas, sem o estado, como seria? E na valorização do SUS também. Não estou falando que o SUS é perfeito, que o estado brasileiro é perfeito e que funciona perfeitamente bem, mas estou dizendo que é hora da gente valorizá-lo, da gente entender o que tem por trás”, afirmou.
“O SUS não é apenas aquele hospital que às vezes é abarrotado e não dá conta de atender todo mundo, ele não é somente isso. É a medicina de saúde da família que chega naquelas pessoas lá longe. E nesse momento eu esperaria e gostaria muito que essa reflexão fosse feita. Mas pelo que eu estou vendo, tem gente que é contra isolamento fazendo buzinaço em frente a um hospital, acho que infelizmente essa reflexão não vai chegar”, afirmou.
Mãe na linha de frente
Filha de uma médica de 60 anos que está na linha de frente trabalhando em hospitais em meio a essa pandemia, a ex-nadadora é bastante crítica da postura do presidente Jair Bolsonaro (que defende o relaxamento da quarentena) e sofre ao ouvir os relatos da própria mãe que lida no dia a dia com casos e mais casos que não param de chegar da Covid-19 nas UTIs do Recife.
“O fato da minha mãe estar na linha de frente, ser uma médica com 60 anos, é algo que me tira o sono constantemente. Ela trabalha com isso a vida toda e jamais iria abrir mão de cumprir com sua missão nesse momento. Mas enquanto filha, é algo que me preocupa bastante. Muitas vezes eu penso que, mais cedo ou mais tarde, minha mãe vai ser contaminada de alguma maneira e eu só rezo para que seja o mais leve possível”, afirmou às dibradoras.
Se a mãe faz sua parte no hospital, Joanna também participa do combate à pandemia na função que ocupa hoje na Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer da prefeitura do Recife. No cargo de Gerência de Rendimento e Projetos Especiais, a ex-nadadora participou da criação de um aplicativo que possibilitasse aos moradores seguirem praticando atividade física em casa durante o isolamento e também participa da distribuição de cestas básicas nas áreas mais periféricas da cidade.
“A nossa principal ação foi a criação de um aplicativo chamado Movimenta Recife. Foi uma forma de fazer com que a política pública de esporte chegasse na casa das pessoas, que elas não parassem de se movimentar, já que nossos equipamentos ficariam fechados e pensando também na saúde física e mental. Porque o que a Ciência preconiza é que se você mantiver exercício físico de leve a moderado, de alguma maneira isso auxilia para que sua imunidade permaneça alta”, contou a ex-atleta. Na primeira semana do aplicativo, ele virou o mais baixado na área de saúde e bem-estar no país e hoje mais de 40 mil pessoas utilizam suas funcionalidades.
“A gente tem um compilado de exercícios pré-gravados, cerca de 25, aí com esses 25 a gente sai montando variedade de treino por repetição, tempo, enfim. A gente sai montando esse cardápio de treinos. Paralelamente a isso, nossa secretaria executiva de esporte está trabalhando junto com outras secretarias que estão no front fazendo distribuição de cesta básica”.
Legado esportivo?
Diante de tantas perdas, Joanna Maranhão vê um ganho importante para o esporte olímpico, principalmente, nesse momento de pandemia. Não pelo adiamento da Olimpíada de Tóquio, mas pela oportunidade que muitos estão tendo de contar suas histórias além da busca por medalha.
“É uma baita oportunidade para ouvir esses atletas. Eu estou vendo muita gente com live, se juntando com outras pessoas fazendo encontros muito bacanas e trocas interessantes, trazendo pras pessoas histórias que estão por trás da vida de cada atleta que, quando você vê o atleta no pódio, você não faz ideia. Acho isso super importante porque é uma maneira de a gente criar um legado, uma memória, fazer com que as pessoas possam olhar para aqueles atletas não apenas como conquistadores de medalhas, mas pessoas com histórias que podem motivá-las de alguma maneira”, disse.
Atleta que disputou quatro edições olímpicas, Joanna só consegue imaginar o baque que os atletas sentiram ao saber que Tóquio 2020 só aconteceria em 2021. Não pela decisão em si, que se fez imprescindível nesse momento, mas pelo impacto que isso tem na preparação deles.
“Olimpíada é uma coisa que você treina por 4 anos e, querendo ou não, o pessoal vai ter um ano ou um ano e pouco pra poder treinar para os Jogos. Em termos de performance, acho que vai ser uma Olimpíada mais fraca, pode-se dizer, do que as outras. Eu fico pensando às vezes como eu estaria. Uma pessoa que vinha o ciclo olímpico inteiro medalhando e indo super bem, faltava alguns meses e de repente é mais um ano daquilo. É muito impactante, às vezes fico refletindo como os atletas receberam isso. Acho que definitivamente ninguém recebeu bem, não teve ter ninguém bem”, finalizou.