Não existia campeões mundiais juvenis, nem adultos e nem medalhistas olímpicos no taekwondo antes de Natália Falavigna abrir esse caminho. Aliás, a modalidade nem era olímpica quando ela começou a dar seus primeiros golpes em uma academia perto de sua casa e que ficava nos fundos de uma ótica.
Natural de Maringá, Natália afirma que ser atleta sempre fez parte de seus sonhos e, com essa certeza, ela partiu em busca do esporte que praticaria.”Fiz o caminho contrário. Sabia que queria ser atleta e só depois é que fui descobrir a modalidade. Falava desde os 4 anos pra minha mãe que eu queria ir para uma Olimpíada e ser campeã do mundo. E comecei a pensar como é que eu iria fazer para conseguir tudo isso”, revelou em entrevista às dibradoras.
Além de praticar todo tipo de esporte na escola, foi assistindo as conquistas olímpicas de vencedores como Aurélio Miguel, Paula, Hortência e Ana Moser que Natália foi projetando seu início de carreira. “Fui conhecendo diversas modalidades na escola e percebi que eu tinha uma predileção por modalidades individuais porque, pra mim, qualquer disputa era uma ‘final de copa do mundo’. As crianças estavam lá só pra brincar, mas eu levava muito a sério.”
Individual e mundialmente conhecida
Foi levada por uma amiga em uma aula que ela conheceu o taekwondo e, na terceira visita, seu primeiro professor viu que ela levava jeito pra coisa. “Ele me disse: ‘treina aqui comigo que daqui dois anos você vai ser campeã do mundo’. E eu respondi: ‘opa, isso aqui pode me levar pra uma Olimpíada?'” E foi com a resposta positiva do treinador que ela começou a praticar o esporte com 14 anos. E como o treinador havia previsto, dois anos depois Natália se tornou a primeira atleta a ser campeã mundial juvenil de taekwondo aos 16 anos.
Em casa, o apoio da família foi irrestrito, mas a mãe de Natália exigiu dela um diploma universitário. “Eles sempre me deram asas pra sonhar, mas o estudo era algo que eu tinha que levar junto com o esporte. Agradeço muito a eles por isso. Mais do que a medalha olímpica, a minha mãe deve ter ficado mais feliz com o meu diploma da faculdade”, relembra.
Depois de conseguir um enorme feito com a conquista do Mundial na Irlanda, em 2000, ela concretizou seu maior objetivo com seis anos de treinamento e se classificou para os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Vale ressaltar que o taekwondo entrou no ciclo olímpico apenas quatro anos antes, em Sydney.
“Fui para os Jogos Olímpicos com meu primeiro treinador e foi tudo muito rápido. Estava muito certa de que isso iria acontecer. Tinha dentro de mim aquele ímpeto dos mais jovens de que eu poderia conseguir (a medalha de ouro), apesar da imprensa não conhecer e não saber muito sobre a modalidade e atletas”, recordou.
A geração do início dos anos 2000 foi, sem dúvidas, uma das mais importantes para o taekwondo. Natália sabia que poderia chegar longe e projetava somente a conquista do 1º lugar. Mas a medalha não veio, ela caiu na semifinal diante da lutadora chinesa, Chen Zhong, que seria a então campeã olímpica. Depois foi para a repescagem e também foi derrotada pela venezuelana, Adriana Carmona, que na época tinha 37 anos e disputava sua última Olimpíada.
“Pra mim foi muito difícil encarar essa repescagem depois de perder a chance da medalha de ouro e ver meu sonho ir embora. Essa maturidade pesou a favor da venezuelana, ela acabou se saindo melhor e eu acabei voltando pra casa sem medalha.”
Em busca da medalha de ouro
O ano de 2004 deixou marcas em Natália e a obsessão em busca do lugar mais alto do pódio aumentou. “Nunca fui uma atleta de querer uma medalha olímpica ou mundial, eu sempre foquei e coloquei na minha mente que eu queria o ouro. Na minha entrevista pós-luta (em 2004, nos Jogos de Atenas), eu estava muito frustrada. Eu lembro de dizer que eu tinha sentido o cordão da medalha no pescoço e ela tinha ido embora. Aquilo mexeu comigo e quando eu voltei, mudei tudo. Mexi nos meus treinos, não tirei férias, foquei totalmente, coloquei toda aquela raiva e frustração por não ter conseguido a medalha nos meus treinamentos.”
No ano seguinte, ela finalmente sentiu o cordão da medalha de ouro em seu pescoço ao vencer o Campeonato Mundial de Taekwondo em Madrid. Além disso, no final da temporada, ela foi eleita como a melhor atleta brasileira do ano, ganhando o Prêmio Brasil Olímpico na categoria feminina.
Hoje, analisando sua primeira participação olímpica, Natália entende que, em 2004, ela ainda precisava se desenvolver melhor tecnicamente e também amadurecer como atleta. “Levei 10 anos para alcançar tudo isso. Para lutar contra as grandes potências, eu precisava criar artimanhas e soluções. Então, eu treinava com os meninos, buscava ver treinos diferentes e seguir o que os grandes atletas faziam. Fui agregando pessoas ao meu redor e tentando fazer coisas diferentes. Não tinha um caminho traçado, a gente não era potência, não tinha muitas referências aqui, então eu fui tentando criar um caminho diferente daquilo que todo mundo fazia”, contou.
E foi em Pequim que uma nova chance de conquistar a medalha olímpica apareceu. “Cheguei na semi contra a Nina Solheim, da Noruega. Sabia que ela era perigosíssima, perdi o combate na interpretação do árbitro (após empate no tempo normal e no golden score, a arbitragem decidiu a favor na norueguesa). Mas o que me marcou foi que, conforme a coisa não tinha acontecido como eu queria mais uma vez, eu já tinha experimentado o que era voltar pra casa de mãos vazias. Então, eu tive aquela uma hora antes da disputa do bronze para me recompor, voltar para fazer a melhor luta da minha vida e não deixar a medalha escapar.”
Natália derrotou a sueca Karolina Kedzierska por de 5 a 2 e conquistou uma medalha inédita para o taekwondo brasileiro. “Não foi a de ouro, mas foi conquistada com muito êxito. Agradeço, comemoro e tenho orgulho desse bronze porque eu deixei tudo de mim dentro da quadra”, afirmou. Ver essa foto no Instagram
Uma publicação compartilhada por Natália Falavigna (@nataliafalavigna) em 23 de Ago, 2018 às 2:08 PDT
Em 2009, Natália chegou a ser a 1ª colocada do ranking da modalidade e conquistou mais um título internacional inédito para o Brasil: medalha de ouro na Universíada de Belgrado. Em 2012, fechou sua participação olímpica em Londres e nos anos seguintes enfrentou uma série de lesões. Era então o momento de pensar na transição de carreira.
Da quadra para a gestão
Natália é formada em Educação Física, fez mestrado focado em Exercício Físico e depois concluiu um MBA em Gestão de Pessoas. Durante a Rio-2016, ela recebeu um convite da Confederação Brasileira de Taekwondo (CBTkd) para atuar como um apoio aos atletas e passar sua experiência aos lutadores. O ano preparatório para os Jogos do Rio não havia sido bom e a Confederação enfrentava uma série de problemas administrativos.
Em 2017, recebeu o convite do então presidente eleito, Alberto Maciel Junior, para fazer parte do departamento técnico da modalidade. “As experiências que vivi na pele me fizeram entender como é importante dar suporte e fazer com que os atletas só se preocupem em treinar. Cheguei na Confederação e a nossa prioridade foi fazer uma força tarefa para sanar as prestações de contas pendentes que o Taekwondo tinha. Tínhamos muitos projetos com problemas com o Ministério do Esporte e com o COB, na época. Depois disso, a gente começou a traçar o plano com as seleções adulta e juvenil para chegar bem no ciclo olímpico de 2020 e 2024.”
Hoje, ela consegue visualizar a diferença e os avanços que a modalidade conseguiu alcançar em comparação à época em que era atleta. “Me lembro que as pessoas não imaginavam que seria possível chegar a uma conquista. Ninguém falava em ganhar um Mundial, não tinha atletas que pensavam dessa forma. Quando conquisto o Mundial juvenil, o Mundial adulto e depois a medalha olímpica, aí passa a real para as pessoas que praticavam a modalidade que era possível. Não pra mim, porque isso já era real na minha cabeça. A principal contribuição (para que a modalidade avançasse) foi essa mudança de paradigma, de entender que dava pra fazer e chegar.”
As mulheres no taekwondo
Para Tóquio-2020, apenas Milena Titonelli – a caçula da delegação – garantiu a classificação. Já Talisca Reis ficou pelo caminho. Natália vê com bons olhos a participação feminina na modalidade, mesmo com muitas transições entre as categorias.
“A gente tem essa geração mais experiente que é a da Talisca, que lutou muito bem e ficou próxima de alcançar a vaga olímpica. Mas também temos atletas com pouca idade e que também são experientes como a Milena, que já foi pra Jogos Olímpicos da Juventude, é campeã Pan-americana, é medalhista em Mundial, participa de todos os circuitos. Então, com seus 21 anos, ela é bem experiente.”
A gestora também cita novos nomes que estão sendo trabalhados para o ciclo de 2024 e 2028. “Vejo outras surgindo como a Sandy (categoria júnior, – 55kg), que foi medalhista em Jogos da Juventude, tem duas boas atletas no pesado, a Gabriele e a Raiany, a Carolina que está na mesma categoria que a Milena e vem numa crescente. Mas também dependemos dos clubes e academias para massificar a modalidade. Essa é uma das vertentes para aumentar o número de atletas participantes na CBTkd”, revelou.
Depois das mulheres quebrarem paradigmas e alcançarem resultados expressivos na modalidade, Natália entende que essa barreira precisa ser quebrada na gestão. “Vejo que a gente necessita disso. Quando fui atleta, éramos de uma geração que começou a ganhar medalhas, a ter o mesmo nível em quantidade, atuação e importância que os homens. Agora eu vejo que isso precisa ser feito nos cargos gerenciais e administrativos de alta gestão, que ainda é um ambiente predominantemente masculino. É importante ter essa representatividade feminina e acredito que a mescla (entre homens e mulheres) é que faz o sucesso dentro de uma instituição. Precisamos de mais trainadoras também. Temos muitas mulheres na Confederação na parte administrativa, mas falta nos comandos técnicos.”
Novos marcos
A nova luta de Natália tem como objetivo fazer com que o taekwondo brasileiro vire uma potência da modalidade. Uma vez por ano, a CBTkd promove um camping de integração entre os atletas da base, juvenil e adulto para trocas de experiências e palestras.
Diferente da época em que ela começou, os atletas hoje têm referências e são os marcos do passado que eles precisam ultrapassar. “A geração em que eu lutei foi considerada como a melhor e esse é um desafio que tenho com eles. Eu falo: ‘olha, vocês precisam deixar o sarrafo mais alto para que sejam a melhor geração que o taekwondo já teve’. E os mais novos vêm com esse objetivo de superar esses resultados também. É assim que o taekwondo se fortalece. Quero permitir que os atletas que estão em atividades e que sonham em buscar uma medalha, tenham todo suporte possível e que a Confederação seja parceira desses atletas e que os impulsione nessas conquistas.”
Com o apoio de uma multicampeã que desbravou esses caminhos, a luta parece ganha.