Pioneira em nova modalidade olímpica, atleta da escalada sonha com Tóquio

Thais em ação no Master de Bouldering The North Face no Chile em 2019 (Foto: Kauhan Teixeira)

Não é uma modalidade exatamente comum. Todo mundo sabe o que é uma escalada em montanhas ou em paredões rochosos ao ar livre. Mas a escalada esportiva indoor é uma novidade no programa olímpico de Tóquio e já desperta curiosidade de muitos brasileiros. O esporte é recente no Brasil e só ganhou uma “associação esportiva” para organizar seus atletas e competições há seis anos. Uma das responsáveis por isso é uma mulher: Thais Makino, uma atleta que ainda sonha com a longínqua vaga olímpica – mas principalmente com a popularização da sua modalidade por aqui.

Neta de japoneses, Thais nasceu em Guarulhos e iniciou na prática esportiva ainda muito cedo, mas as primeiras modalidades não a conquistaram por completo. Aos seis anos, na escola, começou a se aventurar na ginástica olímpica e até treinou pelo time da Prefeitura local. “Achei (a ginástica) super rígida e que não tinha a ver comigo. Eu gostava de me divertir e aquilo era muito pesado”, contou.

Nessa mesma época, ainda garota, foi diagnóstica com um problema no coração que causava arritmia cardíaca. Para melhorar o problema, o médico sugeriu que Thais fizesse uma cirurgia ou que começasse a praticar natação (para melhorar a respiração), aliado a um dose de remédio que ela tomou até os 16 anos. Ela passou a nadar, mas esse esporte também foi um passatempo.

O amor pela escalada surgiu dentro de casa, já que sua irmã mais cinco velha competia na modalidade e, num belo dia, Thais foi acompanhá-la. Na época ela tinha 10 anos, mas foi ali que ela encontrou o seu lugar. “Eu ia junto com minha irmã só para acompanhar, na brincadeira, e assim fui competindo. E era interessante porque o último lugar era garantido pra mim. Era muito pequena, não conseguia fazer muita coisa, mas me divertia e como tempo fui melhorando.”

O hobby que virou paixão e profissão

Thais é formada em Artes Plásticas na UNICAMP, trabalhava como assistente de fotografia, mas com a escalada presente em sua vida, ela sempre deu jeitinho para aliar o trabalho que lhe rendia dinheiro com o hobby que a fazia feliz. “Era um hobby daqueles que você começa a querer fazer mais do que as outras coisas. E com muitos escaladores acontece isso, começam a escalar e ficam obcecados.”

Thais passou a competir desde muito cedo com adultos e, ao lado da irmã (bicampeã brasileira de escalada em 2003 e 2004), passou a explorar um novo universo e conhecer pessoas e inspirações na modalidade. “Quando comecei, me espelhava muito na Paloma Cardoso e na irmã dela, Janine (pioneiras na modalidade). As duas iam bem nas competições, era uma referência e bonito de ver. Lembro de ter 10 anos e ver a Paloma escalando e falar ‘uau, quero ser que nem ela’. E com 13 anos eu cheguei a competir com ela, escalando a mesma via, é muito louco”, recorda.

Em 2014, ao lado de outros atletas, Thais ajudou a fundar a Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE). “Vimos que era necessário criar uma entidade que organizasse um ranking nacional, porque antes a gente dependia muito mais dos ginásios de escalada de fazer um campeonato do que uma entidade organizando tudo”, contou.

(Foto: Marcelo Balestero)

E assim, cada vez mais envolvida com a escalada, Thais passou a se dedicar somente ao esporte em 2018, ano que surgiu a primeira seleção brasileira de escalada. Hoje ela se mantém com o apoio da ABEE, patrocínios, bolsa atleta e alguma premiações em competições. Aos 31 anos, entende que a modalidade ainda está se estruturando e já vive um bom momento.

“Se não fosse a escalada, talvez minha outra carreira pudesse estar mais encaminhada, mas eu entendo que foi isso que eu quis fazer, pelo menos até agora. Com a seleção, a gente começou a receber auxílio para viajar e competir fora do Brasil. Achei que isso não iria acontecer na minha geração. Pra mim foi uma surpresa pegar um pouco dessa onda e só de ter aproveitado e ter viajado para o Japão, já é muito mais do que eu esperava há alguns anos atrás”, revelou a atleta que conheceu o país onde estão suas raízes pela primeira vez graças ao esporte. Foi no Mundial de Escalada em Hachioji, que aconteceu em agosto.

“Nunca tinha ido ao Japão. Meu irmão mora lá e eu não via ele e meu sobrinho há dois anos. Foi muito bom, tentei me concentrar nos treinos e foi muito legal porque eles puderam me assistir competindo”, recorda com felicidade.

Escalada no ciclo olímpico de Tóquio

Ainda há chance de Thais Makino e outros brasileiros se classificarem para os Jogos Olímpicos de Tóquio. A última oportunidade da atleta carimbar seu passaporte rumo à terra de seus descendentes vai acontecer no Pan-Americano de Los Angeles, entre 24 de fevereiro a 01 de Março. Apenas uma vaga está em disputa para cada gênero, portanto, somente os campeões  se classificarão para o maior evento esportivo do mundo.

“Acho que por ser a primeira vez na Olimpíada, as vagas estão super restritas”, afirmou Thais em entrevista às dibradoras direto dos Estados Unidos, onde já treina ao lado de outros atletas para se ambientar ao local e alcançar um resultado positivo na competição.

“Tivemos chances (de se classificar para os Jogos Olímpicos) no Mundial que aconteceu no Japão e nas etapas da Copa do Mundo. O problema era conseguir competir nas etapas, porque eram várias, em diversos lugares, mas aí o dinheiro não dava. E assim íamos somando pontos para tentar ser selecionados para um evento na França, em novembro passado. Mas, nessas duas chances, a gente não conseguiu vaga (eram 6 pra homens e 6 pra mulheres). Agora só nos resta mais essa tentativa”, revelou a atleta que é a primeira colocada no Ranking Brasileiro de Escalada e seis vezes campeã brasileira (em modalidades separadas).

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Ontem participei da entrega do Prêmio Brasil Olímpico no RJ e fiquei muito feliz por ter sido escolhida pelo COB para receber o prêmio na categoria Escalada Esportiva! Foi surreal ver tantos atletas fantásticos que fizeram e fazem história de perto! E poder testemunhar a escalada fazendo parte deste grande movimento foi muito gratificante, ainda mais ao lado da @climberjancardoso e sabendo que isso é fruto da evolução da escalada no Brasil e no mundo, aqui muito bem representada através das iniciativas da @abee_escalada ! Foi mais doido ainda receber o prêmio das mãos da jogadora de vôlei de praia extensamente premiada e grande ícone do esporte @sandrapiresoficial , difícil de cair essa ficha! Eu fiquei tão ansiosa que achei que ia rolar de cima do palco, quebrar um holofote e causar um incêndio de grandes proporções somente com a minha habilidade em fazer coisa errada na hora errada. Mas como dá pra ver, deu tudo certo, já cheguei em casa sã e salva e feliz demais por fechar o ano com esse troféu bem lindo que jamais imaginei que receberia. Agora as energias estão definitivamente renovadas e 2019 vai ser um grande ano. Tenho certeza disso porque farei de tudo para ser uma atleta muito melhor como nunca fui antes, e nas três modalidades. Obrigada à minha família, amigos, apoiadores @fabricaescalada @sbi_outdoor @boltholds , à entidade mais daora @abee_escalada e NATA, formada apenas por profissionais incríveis! Vocês todos são demais, estão sempre comigo nas horas boas e más, então aproveitemos essa onda BOA DEMAIS! 🎆💕 Bom fim de ano a todos, nos vemos em 2019! 🙌😍 Fotos 1 e 2: Wander Roberto / COB Foto 3: Alexandre Loureiro / COB #pbo #timebrasil #cob #escaladaesportiva #sbioutdoor #fabricaescalada #climbing #bouldering #timeabee #abee

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Além de Thais, brigam pela vaga Bianca Castro, Luana Riscado, Hellen Christina e Patrícia Antunes. Entre os homens, disputam Felipe Ho, Cesar Grosso, Pedro Avelar, Renan Denardo e Jean Ouriques

Em 2020, a escalada estreia nos Jogos Olímpicos e terá disputas no masculino e feminino, com os atletas competindo em três estilos: dificuldade (ou lead, onde o atleta escala um paredão de 15 metros com cordas), bloco (boulder, escalada num paredão de 4 metros, sem cordas) e velocidade (vence o atleta que escalar mais rápido um paredão de 15 metros, com cordas). Levam as medalhas de ouro, prata e bronze os melhores de cada gênero no somatório das três provas. Ao todo, serão 40 participantes (20 homens e 20 mulheres). Há um limite de dois representantes por país em cada gênero.

De acordo com Thais, o Brasil ainda fica atrás de alguns países – como França, Alemanha e Eslovênia -, que já investem e desenvolvem a modalidade há mais tempo. Para ela, fomentar a base é fundamental para que a modalidade seja mais praticada e difundida no Brasil. “O Japão, por exemplo, tem muito atleta de alto nível, cada vez vai surgindo mais. Pessoas que você nunca ouviu falar, mas que estão se destacando em competição de alto nível. Tenho certeza que foi um investimento do país há cinco atrás, quando a escalada se tornou uma probabilidade olímpica. É difícil quebrar esse abismo pelo pouco de investimento que tivemos até hoje, acho que para 2024 pode estar melhor”, disse.

Em 2018, Thais viveu mais um sonho graças ao seu esporte. Ela foi homenageada no Prêmio Brasil Olímpico (organizado pelo COB) como a melhor escaladora do ano. “Não tinha caído a ficha, foi muito rápido, vi um monte de atleta incrível e foi um sonho que eu nunca tinha tido, não imaginava que a escalada fosse entrar nesse mainstream. Foi uma coisa muito doida e até hoje eu fico meio assim quando alguém fala do prêmio”, afirmou.

(Foto: Marcelo Balestero)

A menina de 10 nem sonhava que, um dia, pudesse se tornar uma grande atleta de escalada. Mas a mulher de hoje entende que a prática faz parte de sua vida e quer, de alguma maneira, seguir praticando. Entre luxações de cotovelo e torções de tornozelo, a atleta se preocupa com seu corpo porque não quer abrir mão da prática que tanto ama.

“Quero conseguir escalar para o resto da minha vida, não só competindo. Fico muito preocupada em como o meu corpo reage com treinamentos muito fortes. Eu penso nisso porque não quero me quebrar agora e não conseguir escalar pra sempre. Competição impõe muita coisa em cima do atleta.”

Mesmo longe das competições, ela pensa em atuar na área de gestão do esporte. Seja auxiliando no desenvolvimento da ABEE ou ensinando as pessoas a praticarem o esporte. Thais já faz acompanhamento técnico e dá aulas de escaladas no ginásio em que treina. “É uma coisa que eu gosto, me interesso e que não me impede de continuar escalando e de me manter atualizada.”

Thais valoriza tudo que a escalada proporcionou em sua vida: a prática na companhia da família, as pessoas e os países que conheceu graças ao esporte e a possibilidade de estar em contato com a natureza, que também dá muito prazer à ela. “Gosto de fazer trilhas e escalar em meio a natureza. A escalada é um esporte que junta muito as pessoas. Principalmente o boulder, porque você escala ao lado de outras pessoas e eu acho muito bacana.”

Mas agora, Thais ainda precisa ser a melhor escaladora no Pan-Americano de Los Angeles para garantir a vaga em Tóquio. Já pensou disputar a primeira Olimpíada da modalidade na terra de seus familiares? “Aí ia ser…. Nossa, se isso acontecesse, eu ia ficar no chão, chorando em posição fetal e só depois eu iria pensar em treinar. É por isso que eu estou aqui.”

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