A tradicional estátua de Pelé na cidade de Santos amanheceu nesta quinta-feira um pouco diferente. O monumento estava vestido com uma camisa da seleção brasileira – mas não era a tradicional 10, muito utilizada pelo Rei do Futebol nas décadas de 1960 e 1970. O número estampado nela era o 24.
+Por que os gritos homofóbicos no futebol precisam ser punidos
Há uma semana, veio à tona uma “polêmica” com esse número durante a apresentação do meio-campista Victor Cantillo no Corinthians. O jogador costumava vestir a camisa 24 no Junior Barranquilla (COL), mas ao chegar ao clube paulista, recebeu a 8 com direito a um comentário lamentável por parte do diretor de futebol, Duílio Monteiro Alves. “Vinte e quatro aqui não”.
É comum que clubes do futebol brasileiro não tenham a camisa 24 na numeração do seu elenco. Isso porque o 24 está associado ao veado no jogo do bicho, o que levou a uma rejeição homofóbica a esse número no meio esportivo. Uma “piada” de muito mal gosto que tomou proporções tão grandes a ponto de um clube excluir essa numeração das suas camisas.
O dirigente acabou tendo que se explicar no dia seguinte, já que a declaração repercutiu muito mal. “Quero me desculpar pela brincadeira infeliz e informal que fiz antes da apresentação do atleta Victor Cantillo. O Corinthians é o time do povo, é o time das minorias, é o time de todos, e sempre usa sua marca em favor de campanhas contra qualquer tipo de preconceito. Não temos nenhum problema com o número 24”, afirmou Duílio.
A ação com a camisa na estátua de Pelé ainda teve os autores revelados. Trata-se de uma intervenção urbana criada por pessoas ligadas ao segmento de comunicação com o intuito de reforçar a campanha #futebolsempreconceito – eles preferem não se identificar por questões de segurança.
A homossexualidade ainda é um dos maiores tabus do futebol. Até hoje, no Brasil, não há nenhum jogador que tenha assumido publicamente um relacionamento homossexual. E considerando que o futebol brasileiro tem centenas de clubes e dezenas de milhares de jogadores, é até ingênuo imaginar que entre eles não haveria um único atleta gay. O medo do assunto é tamanho, que ninguém sequer fala sobre isso.
A questão é tão “grave” que quando Emerson Sheik ainda jogava no Corinthians e postou uma foto dando um selinho em um amigo, houve protesto no CT do clube no dia seguinte. Casais gays relatam que, no estádio, evitam ao máximo demonstrar qualquer tipo de afeto com medo de serem agredidos. E alguns dos principais gritos de torcida entoados nas arquibancadas também fazem menção a frases homofóbicas.
É o caso do péssimo costume importado dos mexicanos na Copa do Mundo. O grito de “ô bicha” quando um goleiro vai bater tiro de meta é quase regra nos estádios paulistas, por exemplo. Felizmente, nos últimos tempos tem havido uma conscientização maior sobre essa causa e alguns jogos chegaram a ser paralisados por conta dessas manifestações homofóbicas na arquibancada – foi o que aconteceu em Vasco x São Paulo no ano passado e também do jogo entre Audax x Sport neste ano pela Copinha.
Alguns clubes começam a lançar campanhas ainda discretas em combate à homofobia no futebol, mas as ações ainda costumam ser pequenas. Falta talvez um engajamento maior das equipes para lutar contra esse problema que discrimina um grande público dos estádios. A ideia de “excluir” a camisa 24 da numeração de uma equipe mostra o quão atrasados estamos na discussão sobre isso. Que a ação com a estátua do Rei do Futebol em Santos sirva para clubes, federações e os próprios torcedores refletirem sobre seus papéis no combate à homofobia.