Paulo Vinícius Coelho é um dos maiores especialistas de futebol do Brasil. Jornalista esportivo desde 1991, quando começou na Revista Placar, ele coleciona prêmios e é um dos mais respeitados comentaristas da atualidade. E, acima de tudo, o PVC é um ser humano fora de série. Quem convive ou já conviveu com ele, sabe disso.
Tive a honra de trabalhar com ele no início da minha vida no Jornalismo Esportivo, lá em 2011, quando era estagiária do site da ESPN. Um dia, criei coragem e fui até a mesa do PVC tremendo com papel e caneta na mão para pedir uma ajuda com uma matéria. Era uma reportagem sobre a queda do Figueirense e a participação do empresário Eduardo Uram no clube. PVC não só me ouviu, como me passou inúmeros contatos e depois fez questão de ligar na redação do site para falar comigo e perguntar se tinha dado certo, porque se não ele poderia tentar ajudar mais. Desde então, minha idolatria pelo jornalista só aumentou. A humildade de Paulo Vinícius Coelho é do tamanho do seu talento no jornalismo.
Neste ano, reencontrei PVC no Rio de Janeiro e ousei fazer um novo pedido: para gravar um vídeo com ele para as dibradoras. Ele topou e tivemos quase uma hora de um papo muito rico, falando sobre o início da carreira dele, a paixão pelo futebol que ele cultivou desde cedo, a relação de pai para filho e filha com a bola nos pés e as mulheres no Jornalismo Esportivo. Aqui vão alguns dos principais trechos.
Paixão por futebol
“Desde os 5 anos as imagens da minha vida estão todas misturadas com o futebol. O futebol era uma coisa dos homens da família portuguesa, eu, meu tio, meu pai indo ao estádio. Mas em 1982, 1983 e 1984, minha mãe foi muito no estádio com a gente. Tem um jogo Santos e Flamengo em 1983, eu lembro o público, 111.111 pagantes. Eu sei a data, mas é porque eu olhei recentemente, 27 de fevereiro de 1983. A gente estava no clube, na piscina, meu pai olhou e falou: vamos no jogo. O primeiro tempo a gente mal conseguiu ver, mas no intervalo as pessoas desceram para ir ao banheiro e a gente foi. Minha mãe estava junto.
Teve uma vez num São Paulo e Palmeiras que fui eu e minha mãe. Ela ia muito comigo nessa época, depois que meus pais se separaram. Depois, passei a ir sozinho.
Minha mãe dizia que não torcia para time nenhum. Meu pai era santista, eu ia com ele ver o Santos.
O estádio é meu habitat natural. Tem pessoas que dizem que não vão ao estádio porque tem medo de violência. Eu pergunto: você já foi? Não? Então não é medo de violência. É expectativa da violência. Quando você vai sempre, você sabe onde você entra, onde sai, onde você passa. Nunca levei um tapa num jogo de futebol. Eu fui fazer um jogo em Roma, Roma e Lazio, estava Paulo Andrade e Mauro Cezar, eu estava com terno azul e gravata azul clara, quando eu me dei conta o cara estava tentando jogar a cerveja em mim, porque eu estava com gravata azul e era a torcida da Roma.”
Início como jornalista
“Eu queria muito trabalhar com Jornalismo Esportivo desde que eu tinha 14 anos de idade. Mas as pessoas falavam que eu era muito tímido e que não iria ganhar dinheiro. Eu falava pouco o que eu queria fazer, cheguei a falar que eu queria fazer Direito. Ciências Sociais. Até um dia que eu estava conversando com a minha mãe, eu lembro que foi na decisão do terceiro e quarto lugar da Copa do Mundo de 1986, e eu decidi que eu queria viver sete dias por semana trabalhando em vez de morrer cinco pra viver dois. Aí eu fui fazer Jornalismo em 1987. No mesmo ano eu fiz um frila no dia 15 de setembro de 1987 uma matéria sobre Alfaiates, o dia que eu publiquei minha matéria e é o dia que eu comemoro meu aniversário de casamento.
(Você sempre lembra todas as datas, né?) Eu esqueço que dia é hoje às vezes.
Eu li Placar dos 10 aos 21 e escrevi pra Placar dos 21 aos 27 e depois dos 29 aos 30. A redação antes tinha tido repórter mulher. Aí depois em 1995 o projeto mudou para ser aquele projeto maluco de futebol, sexo e rock’n roll, era para ser uma revista de futebol e outras coisas, mas acabou sendo uma revista de outras coisas com futebol. E a Luiza Oliveira foi contratada pra fazer outras coisas. Ela fazia matéria de comportamento, universo feminino.
Mulheres no Jornalismo Esportivo
“A repórter mulher é uma coisa que o futebol convive há muito tempo, desde a década de 1970, antes até. Tinha a Semíramis que era repórter de campo em São Paulo, a Marilene Dabus que trabalhou muito no Flamengo. Esse preconceito com a mulher repórter, se não foi vencido, houve um convívio muito grande. Não é como o Jorge Jesus que chega aqui, tem uma menina bonita fazendo uma pergunta e ele arregala o olho. Isso é geracional. Mas acho que o preconceito com a mulher repórter foi, de certa forma, vencido.
O preconceito que eu acho maior é com a mulher de opinião. Nenhum preconceito tem razão. Nenhum preconceito tem justificativa. O que eu estou dizendo é que quando você anda pelos bares e compara a quantidade de mulheres e de homens falando de futebol, tem mais homens que mulheres falando de futebol. Quando você leva para a redação, de fato tem uma desproporção também. Não estou tentando justificar, estou tentando fazer uma reflexão. Tem uma resistência, principalmente das pessoas mais velhas. O cara mais velho olha com um olhar estranho.
Acho que no caso das narradoras ainda tem uma coisa de tentar se narrar como sempre se narrou. E talvez o x da questão esteja nisso. Estou aqui fazendo um filhote de pensamento. Se mulheres jogam diferente dos homens, a narração feminina também pode ser que tenha que ser diferente. Talvez o grito de gol tenha que ser outro. Mas isso alguém vai descobrir, se é que tem que ser.
Acho que tem que ter espaço, percepção e atenção para o talento. O principal é isso. Não acho que tem que ter um programa com uma menina comentando porque eu preciso ter uma menina comentando, mas se você tiver atenção para a sua redação, você vai descobrir talento.
Você pode se obrigar a olhar com total abertura e entender o que está acontecendo. Opinião, você vai ter o olhar feminino, sensibilidade feminina e a opinião sobre o que está acontecendo. Informação é a coisa mais moderna que existe nesse mundo. É sempre melhor quando você consegue basear o que você pensa em fatos, isso vale para homem e mulher.”
Relação com futebol e filhos
“O João Pedro foi para a escolinha de futebol quando ele tinha 4 anos. A Bruna foi quando ela tinha dois. Só que ela foi pra ver o irmão dela jogar. Por outro lado eu tenho orgulho desgraçado de saber que minha filha é destra de mão e canhota de pé. E eu só sei disso porque eu jogava bola com ela. Tinha menina que jogava na escolinha, poucas, mas tinha. Ela nunca pediu pra jogar lá, eu nunca forcei ela a jogar. Depois ela jogou bola na escola. Até que ela começou a ficar mais velha e resolveu parar porque as meninas pararam. Isso é geracional, vai demorar décadas para se transformar isso.
A Bruna foi para o estádio a primeira vez antes do João Pedro. Tinha Palmeiras de 1999 contra Palmeiras atual. Eu meti uma blusa nos dois e fui. Ela foi com 2 anos a primeira vez. Ela foi muito no estádio comigo. Ela não é a mais fanática de ver jogo todo dia em casa, mas ela adora ir para o estádio, ela vai com os amigos dela.”
Futebol feminino
“Essa questão do futebol feminino é muito marcante também porque a gente vive nesse dilema: não tem exposição porque as pessoas não querem, ou as pessoas não querem porque não tem exposição? É um dilema muito parecido com o do esporte olímpico. O cara sai da Olimpíada mais fissurado. A gente passou os últimos 5 anos dizendo que estádios da Copa eram elefantes brancos e aí um belo dia um dos maiores públicos da história do futebol feminino acontece em Manaus. Acho que o desafio é conseguir criar mais grandes eventos que façam sair dali mais público. Porque esse público é o que vai fazer o dia a dia ficar mais forte. A Fifa está olhando para isso e colocando dinheiro para desenvolver o futebol feminino e isso está forçando muitas federações a tentarem expandir essa cultura que é muito forte nos países nórdicos, anglo-saxões e asiáticos e sempre foi muito mais difícil expandir o futebol feminino nos países latinos. Porque os países latinos são machistas e aprenderam que futebol era coisa para homem.”