Por Laís Malek, do Rio de Janeiro para as dibradoras
Deu a lógica. Em jogo bastante movimentado, o Flamengo/Marinha derrotou o Fluminense por 3 a 1, agregando um placar total de 4 a 1 para o time da Gávea após a vitória no jogo de ida, e se consagrou pentacampeão carioca, consecutivamente, no Estádio Luso Brasileiro, na Ilha do Governador.
Desde 2015, quando o clube fechou parceria com a Marinha, a equipe dominou a cena do futebol feminino do Rio, vencendo todos os estaduais desde então e conseguiu se estabelecer como potência nacional. Dentro de campo, o investimento e a estrutura proporcionadas pela instituição militar mostrou o resultado: as experientes atletas rubro-negras não encontraram dificuldades e mostraram que o investimento dá certo. Resta agora saber quando o Flamengo vai, de fato, ouvir o grito da arquibancada e assumir o time feminino.
O jogo
O Fluminense entrou em campo com um objetivo: reverter a desvantagem sofrida na partida de ida e começar o jogo em pé de igualdade. E a meta foi alcançada: com apenas trinta segundos no relógio, a equipe Tricolor pressionou a saída de bola do time da casa e a goleira Kaká até tentou defender, mas no terceiro chute a gol no mesmo lance, Rivena conseguiu jogar a bola por cima da goleira e fez a rede balançar. Foi o troco perfeito: depois de um gol sofrido nos acréscimos do jogo de ida, o time das Laranjeiras conseguiu zerar a desvantagem e botar os dois times em pé de igualdade.
Mas a resposta do Flamengo não demorou: aos 13 minutos, Gaby fez belo cruzamento e colocou a bola na cabeça de Ana Carla, que empurrou para dentro do gol Tricolor. Com 1 a 1 no placar do jogo e a vantagem do jogo de ida, o Flamengo finalmente foi capaz de impor a soberania técnica em campo. Durante o restante do primeiro tempo, a equipe dominou o jogo e teve boas chances, com as mesmas protagonistas, aos 22 com Gaby e aos 47 com Ana Carla.
A volta do intervalo aumentou a pressão de ambos os lados, e a equipe Tricolor voltou a campo com mais intensidade, cometendo faltas mais duras. Com 11 minutos de jogo, a zaga do Flu se atrapalhou e a bola sobrou para Raiza, que deu um toque perfeito para Larissa e deixou a companheira na cara do gol de Luana. Ela foi derrubada na área e a juíza marcou a penalidade.
Quem bateu foi a própria Larissa, conhecida como “Larigol” pela torcida, e botou as meninas da Gávea a frente do placar mais uma vez. Vinte minutos depois, de novo ela, em uma jogada que parecia ser o replay da anterior: ela levou a bola até a pequena área, pelo lado direito, mas foi derrubada antes que pudesse finalizar. Dessa vez, quem cobrou foi Gaby, e com um chute no canto superior direito, ampliou a vantagem do Flamengo para 3×1.
A partir daí, foi só esperar a hora do apito final. Com muita festa, a torcida Rubro-negra marcou presença na arquibancada e incentivou o time do começo ao fim. Quando a marca dos 40 minutos chegou, os gritos de “é campeão” já eram ouvidos no estádio. Diversas torcidas organizadas marcaram presença: Urubuzada, Fla Maru, Fla Olaria e Fla Manguaça levaram bateria, bandeiras e faixas, inclusive uma que pedia o já clichê apelo dos fanáticos: “assumam o time feminino”.
Comemora, Nação!
A festa no gramado foi tão empolgante quanto a da arquibancada. E, como sempre fazem no final de suas partidas como mandante, a equipe do Flamengo comemorou a vitória com os torcedores. Para Ana Carla, autora de um dos gols da partida e responsável pela assistência que levou ao gol de Raiza no primeiro jogo da final, a presença da torcida é fundamental. “Nós começamos perdendo, mas conseguimos nos recompor dentro da partida. Quando o cansaço bate e a perna não responde, o grito da torcida é um fôlego a mais para a gente que está dentro do campo”, contou.
Eleita a “Rainha da Partida” – nome do prêmio da FERJ para a melhor atleta em campo -, Larissa comemorou o pentacampeonato. “Estou muito feliz, esse prêmio significa a conclusão do meu trabalho. A gente rala muito todos dias, sabemos das dificuldades e estamos sempre buscando o melhor para todas”, afirmou a atacante.
Apesar da derrota, o Fluminense comemorou bastante a medalha de prata, que garante a classificação para disputar a série A-1 do Brasileirão no próximo ano. Este ano, a equipe conseguiu chegar até as oitavas de final da série A-2, e terá desafios pela frente na nova temporada. Para a treinadora Thaissan Passos, o desempenho de suas atletas foi sensacional. “Fiquei muito satisfeita com aquilo que a gente apresentou. Elas foram muito guerreiras, e saímos com o placar na frente, que era o nosso objetivo. Estou muito orgulhosa do que elas apresentaram em campo, elas merecem muito”, comemorou a professora.
O que o Rio pode aprender com São Paulo
Mas nem tudo são flores. O Carioca este ano pela primeira vez contou com os quatro times grandes do Rio, porém o trabalho de fortalecimento da modalidade no estado está apenas começando. Nota-se a clara diferença em relação ao campeonato do ano passado, mas nem sempre isso é positivo.
Com o novo regulamento, que ampliou de 20 para 30 o número de equipes participantes, diversos times amadores foram colocados para disputar jogos com clubes que tem atletas profissionais. O exemplo mais claro dessa discrepância foi a partida disputada entre Flamengo x Greminho, que terminou com um surreal placar de 56 a 0. Criticada nas redes sociais, a Ferj se defendeu através de uma nota que dizia que que “O aspecto técnico vem em segundo estágio, no momento. (…) Qual o critério para se limitar o número de competidores ou ser excludente na primeira edição cujo objetivo principal tem por foco gerar oportunidades, atrair interesses, materializar sonhos e colher subsídios para os devidos ajustes para delinear o futuro?”.
Comparar as duas competições – paulista e carioca -, cujas finais estavam sendo disputadas no mesmo momento, prova que cabe à Federação de fato abraçar a camisa da modalidade, como faz a Federação Paulista de Futebol. Além de apenas cumprir o regulamento, a FPF vai além: na partida de hoje, quando o Timão marcou seu 1º gol, o placar do jogo durante a transmissão mostrou “0,8” ao invés de 1: era um protesto contra a desigualdade salarial entre homens e mulheres.
As atletas também sentem a disparidade do cenário da modalidade no Brasil, e tem esperanças para o futuro do esporte no Rio. “Sabemos da importância de ser pentacampeão, tanto para o futebol feminino quanto para o Flamengo. Demos um passo à frente, mas ainda precisamos caminhar. Se isso acontecer gradativamente, como vem acontecendo, com as pessoas apoiando e a mídia mostrando, temos mais chances de evoluir mais rápido e melhor”, opina a lateral Bia Menezes.
A torcedora Camila Santos da Silva reforça que a visibilidade é importante, mas precisa ser acompanhada de um trabalho das instituições responsáveis. “Nossas jogadoras são de excelente qualidade, mas precisamos de peças de reposição e de novas pessoas para agregar ao elenco. Queremos que o Flamengo assuma e dê qualidade e ajude a crescer o futebol feminino cada dia mais, porque somos parte importante dessa onda de crescimento. Nós começamos essa retomada aqui, depois vieram Vasco, Fluminense, Botafogo…Ainda não é o que elas precisam e merecem, mas já está bem melhor”, desabafa Camila, que também é uma das diretoras da organizada “Raça Rubro Negro – Feminino”, pioneira torcida feminina do futebol carioca e a principal força do movimento para pedir o apoio do Flamengo à modalidade. Em agosto, quando o time optou por disputar os Jogos Mundiais Militares ao invés da Libertadores Feminina, a torcida se posicionou contra a decisão em suas redes sociais.
Hoje é dia de comemorar o histórico pentacampeonato consecutivo do Flamengo/Marinha, de comemorar o rápido crescimento do Fluminense e, também, do futebol feminino carioca. Ainda assim, fica a torcida para que a evolução cresça a passos de Formiga — a jogadora, que abriu espaço para toda essa geração e que a base possa vir forte e reconhecida.