Com apenas 21 anos, Adriele Rocha já é pioneira de uma seleção que começou a ser tratada como tal a poucos meses. E, mesmo sem conseguir viver da modalidade que pratica – o futebol de areia -, pelo segundo ano consecutivo a atleta aparece como uma das finalistas ao prêmio de melhor jogadora do mundo, organizado pelo Beach Soccer Worldewide, canal especializado na cobertura do futebol de praia.
O anúncio do vencedor será feito em no dia 09 de novembro em uma cerimônia realizada em Dubai. Além de Adriele, outros três brasileiros estão concorrendo ao prêmio: Rodrigo Costa (melhor jogador), Mão (melhor goleiro) e Gilberto da Costa (melhor treinador).
A atacante tem se mobilizado nos últimos dias para tentar um apoio financeiro que arque com os custos de sua viagem para os Emirados Árabes, já que não consegue pagar do próprio bolso e não conta com o apoio da Confederação de Beach Soccer do Brasil (CBSB) e nem da organizadora do evento.
“Como jogadora a gente ganha pouco, mas dá pra ir levando. Mas agora, eu vou pra Dubai (por conta da premiação) e tenho que bancar as passagens aéreas pra ir. Eu não tenho condição de arcar sozinha com as passagens e a Confederação não vai me ajudar. Parece que isso não cabe a eles, é como se fosse um assunto pessoal dos atletas, mas acho que deveria rolar algum apoio. Tô correndo atrás, quero ir porque é muito importante”, afirmou ao dibradoras.
A reportagem entrou em contato com a CBSB para entender como a entidade procede nesses casos, mas não obtivemos retorno até a publicação da matéria.
Para conquistar o prêmio, a jogadora precisará vencer a espanhola Carol Glez e a inglesa Sarah Kempson – que levou o prêmio em 2017 desbancando outra brasileira na ocasião, Lelê Villar.
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Das praias de Tutoia ao frio europeu
Maranhense, nascida em Tutóia (a cerca de 220km de São Luís), Adriele sempre gostou de bola. Aos 13 anos começou a jogar futebol de areia em um clube de sua cidade, o Flamengo, ao lado de seus primos. Ela – como tantas outras atletas – conciliava o futebol de campo com o de areia e sua primeira referência feminina veio dos gramados.
“Meu sonho era ser jogadora de campo, inclusive sou muito fã da Cristiane. Me inspirava muito nela. Tentei ir pro campo, estava indo bem, mas enfrentei alguns problemas e fiquei apenas no futebol de areia. Treinava nos dois, mas depois apostei nas areias porque era o caminho mais fácil pra mim”, contou.
Sempre jogando ao lado dos homens, Adriele não teve um treinador que a ensinou os fundamentos. Ela aprendeu tudo sozinha. “Eu já sabia o que fazer. Olhava os movimentos e as pessoas jogarem e sabia o que fazer com a bola”, disse.
Aos 13 anos ela começou sua trajetória no Juventus de São Luís do Maranhão e defendeu outros clubes da região. Sofreu preconceito, mas não por parte da família que sempre a apoiou. “Já ouvi certas coisas de pessoas mais velhas e de alguns meninos que não gostavam (que ela jogasse) porque eu me saia melhor do que eles e inventavam essas desculpas. Tive apoio da minha família. Meu primo e uma prima sempre iam comigo pro campo para eu treinar sozinha com a bola, ao meio-dia, debaixo de sol muito quente.”
Jogando por amor
“No Brasil a gente joga por amor e não por dinheiro”, afirmou a atleta que conta com apoios pontuais e do Bolsa Atleta. É disputando campeonatos pela Europa que Adriele consegue receber uma quantia razoável para se manter com mais tranquilidade por alguns meses.
Foi no ano passado que a jogadora começou a defender equipes estrangeiras e se tornou campeã defendendo a equipe Lady Grembach da Polônia, onde também foi eleita como a melhor jogadora do campeonato polonês em 2018. Na Itália, jogou pelo Terracina Feminille (em 2018 e em 2019), conquistando o vice-campeonato local.
“Jogar na Polônia foi difícil. Não falava muito bem o inglês, só sabia desenrolar o básico, mas a linguagem do futebol é a mesma, né? Ali no time, eu mostrava o que eu tinha de melhor e seguia. Comunicação assim pra pedir comida era horrível, passei mal, emagreci”, relembrou.
Acostumada a treinar debaixo de 30º, a maranhense sofreu ao enfrentar o frio de 6º. “Mesmo assim amei a experiência de jogar lá. Onde a gente vive do esporte é na Europa, não é no Brasil. Aqui, a gente consegue apoio com uma marca, com um supermercado que coloca logo na camisa, arruma um carro (permuta com transporte) e vai jogar por amor.”
A jogadora não tem ideia de quantos gols marcou ao longo da carreira, mas revela que foram muitos. “As pessoas até falam brincando que fiz mais gols do que o Pelé. Alguns dizem que foi algo em torno de 900 (gols), mas assim, os oficiais eu não contei pra valer. Tô começando a contar agora com a seleção brasileira.
A 1ª seleção brasileira
Em outubro deste ano, Adriele e outras nove jogadoras vestiram a camisa da seleção brasileira de futebol de areia pela primeira vez em uma competição oficial – e somente depois de 30 anos de existência do time masculino. No Qatar, elas conquistaram de maneira histórica a primeira medalha da modalidade no ANOC World Beach Games – ou Jogos Mundiais de Praia.
Adriele, claro, foi uma das destaques do torneio e afirmou que a ficha só caiu quando olhou para a camisa da seleção que estava vestindo. “Além da emoção por fazer parte da primeira seleção brasileira, fazer um gol na estreia foi muito bom e muito importante, não só pra mim, mas para todas e para a modalidade porque agora temos uma seleção e é preciso organizar mais campeonatos no Brasil.”
Com ‘atraso’ de 30 anos, 1ª seleção feminina de futebol de areia é formada
A atacante ficou muito feliz com o incentivo e com a torcida que a equipe recebeu dos fãs, familiares e principalmente das jogadoras de futebol do Brasil durante os Jogos Mundiais de Praia. “O apoio delas é muito importante porque é a mesma causa. Já tivemos a Letícia (Villar) indicada ao prêmio de melhor do mundo em 2017, eu fui indicada em 2018 e neste ano também, temos a Marta vencedora por seis vezes, a Amandinha do futsal, então estamos sempre disputando prêmios”, disse.
Se quando começou a praticar o futebol de areia não encontrava referências femininas, hoje Adriele conta que tem uma inspiração dentro da própria seleção: a defensora Bárbara Colodetti. “Ela é muito boa e acho até que deveria até estar na lista (das melhores do mundo) porque ela é uma jogadora completa. Joguei com ela na Polônia e na Itália. Ela me ajuda muito, me dá dicas de como jogar e, além de ser uma ídola pra mim, é também uma grande amiga”, declarou.
A seleção feminina de futebol de areia já tem um novo desafio. Entre os dias 01 e 03 de novembro, a equipe comandada por Fabrício Santos disputará o torneio sul-americano “Conmebol Festival Evolución de Beach Soccer Feminino” no Paraguai. As equipes participantes são Chile, Argentina e Paraguai e essa é a primeira vez que acontece um campeonato envolvendo seleções do continente.
Adriele viaja com a equipe brasileira para o sul-americano nesta quinta-feira (31) e, de lá, espera conseguir ir à premiação em Dubai e, que quebra, sair com mais uma conquista no currículo.
Quando questionada se imaginaria, um dia, ser eleita como a melhor jogadora do mundo, ela disse sim de forma rápida e contundente. Revelou que os familiares estão muito felizes e orgulhosos do feito que alcançou, especialmente seus primos que a apoiaram desde o começo. “Eles dizem que valeu a pena me acompanhar debaixo do sol para treinar.”