Em sua primeira reunião com a seleção brasileira, Pia Sundhage pensou qual seria a melhor maneira de prender a atenção das jogadoras mesmo sem falar a língua delas. É costume da sueca traçar estratégias para um primeiro dia de trabalho, talvez seguindo aquela máxima de que “a primeira impressão é a que fica” – e ela não quer, de maneira alguma, desperdiçar essa primeira impressão.
Na sala do hotel onde as atletas brasileiras se apresentaram, Pia começou com uma canção sueca. É claro que ninguém entendia o que ela estava cantando, mas aquilo despertou curiosidade. Depois, a treinadora puxou uma caneta e começou a escrever no papel frases em português. “Jogue com o seu melhor pé”; “Trazer o melhor desempenho”; “Uns aos outros”; essas foram algumas das coisas que ela escreveu, enquanto as jogadoras olhavam atentamente o quadro. Depois, a sueca entregou cada um dos papéis (eram cinco) a grupos de jogadoras e fez questão de incluir todas na conversa.
“Comecei a cantar uma canção sueca. Uma música sobre prestar atenção uns nos outros. Aí comecei a escrever palavras em português e fui distribuindo para elas. Eu queria incluir todas. E queria passar a mensagem que dizia a música: ‘eu não estou sozinha, tem pessoas ao meu redor’. Foi interessante que depois elas vieram falar: ‘boa aquela música que você cantou'”, relatou a treinadora.
Cada seleção que Pia treinou teve um início diferente. É característica da técnica observar cada lugar que está indo e pensar em como agir com aquele grupo diferente de pessoas. É assim que ela entende que poderá tirar o melhor de cada uma.
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“Nós temos grandes jogadoras aqui, eu acho importante olhar ao redor e ver quem eu tenho perto. Não vou treinar o Brasil da mesma forma que treinei a Suécia ou os Estados Unidos. Treinar um time é sempre sobre relacionamento e performance. Eu não sei ainda como tenho que falar com Debinha para tirar o melhor dela. Ou com Formiga. Tenho que ter coragem de ter paciência para entender tudo isso”, afirmou.
Pia esteve com a seleção brasileira apenas por uma semana até aqui, mas já foi possível notar nas falas de algumas jogadoras que o grupo está empolgado com a presença dela. “Sua paixão pelo futebol é contagiosa”, essa é uma frase que a sueca ouviu há alguns anos e que levou para o seu dia a dia. Se suas atletas puderem sentir essa paixão, então todas estarão alinhadas no mesmo objetivo.
Aqui, elencamos alguns elementos e características de Pia para fazer o Brasil chegar ao topo do futebol feminino.
– Organização sueca e coragem americana
Pia Sundhage foi bem-sucedida em todas as seleções pelas quais passou. Nos Estados Unidos, foi a primeira técnica estrangeira a comandar a equipe e conquistou o bicampeonato olímpico em 2008 e 2012. Na Suécia, surpreendeu o mundo chegando à final olímpica em 2016 eliminando Estados Unidos e Brasil nas quartas e semifinal e ficando com a medalha de prata. De cada um desses trabalhos, ela tira uma lição que quer aplicar na seleção brasileira.
“Eu venho com a cultura sueca de organização e trabalho em equipe, acho que somos muito bons nisso. Times precisam ser organizados pra todo mundo saber o que tem que fazer. Já as americanas, elas têm menos aplicação tática, mas têm iniciativa de mudar a característica de um jogo quando entendem que é necessário. Elas têm coragem para quebrar a regra e fazer o que tem que fazer, algo diferente para surpreender o adversário”, explicou a treinadora.
“O Brasil é um time muito técnico, coisa que eu nunca vi igual. No primeiro treino, eu fiquei muito impressionada em um exercício simples com a técnica delas. Mas quando tentamos colocar um pouco de estrutura de jogo no exercício, já não sobressaiu tanto essa técnica. Quando elas fazem o que querem, são as melhores do mundo. Quando jogam em um time, aí ainda precisamos adicionar uma organização melhor”, pontuou a sueca. “Se você juntar isso com a técnica de vocês, esse time poderá ser muito vitorioso”.
Esses conceitos já começaram a ser passados para as jogadoras ao longo da semana de treinos e, alguns deles, já ficaram visíveis no primeiro jogo da seleção contra a Argentina. Pelo discurso das atletas na saída do torneio, elas compraram a ideia da treinadora e acreditam que ela pode adicionar o que falta para fazer a seleção vitoriosa nos próximos anos.
“Nós recebemos muitos elogios da Pia. Ela acha que acertando algumas coisas na parte ofensiva e na organização defensiva, a gente pode ser imbatível, foi essa a palavra que ela usou. E é muito legal ouvir isso de uma pessoa que trabalhou com as melhores do mundo, dar esse feedback de que a gente está no caminho certo”, afirmou a goleira Aline Reis.
– ‘Dar o seu melhor’
Essa é uma frase que Pia fala muito para suas jogadoras. Ela entende que seu maior objetivo como técnica é fazer com que todas as atletas deem o seu melhor em campo – e as vitórias serão uma consequência disso.
Essa foi, inclusive, uma das coisas que a sueca escreveu no quadro no primeiro dia: “trazer a melhor performance”. Isso implica que todas as jogadoras devem jogar seu melhor futebol para conseguir o objetivo. Um dos questionamentos que Pia já fez para suas atletas é justamente esse: “Você acha que esse é o melhor que você pode fazer pra ganhar uma medalha?”.
E às vezes o seu melhor não será o ouro, será a prata. Como ela disse que viu acontecer na final olímpica em 2016. “A Alemanha era melhor e jogou melhor, então mereceu conquistar o ouro. Você não pode fazer mais do que o seu melhor e, naquele dia, aquele foi o nosso melhor”, afirmou.
– Construir um time
Parece óbvio, mas esse conceito também traz um diferencial considerando a maneira como a seleção brasileira jogou nos últimos anos. Sempre trazendo muitos talentos individuais diferenciados, o Brasil muitas vezes dependeu dos lampejos de genialidade das craques para conseguir fazer bons jogos. O comportamento em campo não era de um time, de um jogo coletivo, e ficava refém da individualidade de seus talentos.
Esse é um dos pontos mais trabalhados por Pia, ainda mais na insistência de repórteres em questionarem a treinadora sobre a falta que Marta ou Cristiane fazem em campo. “Marta é muito importante. Mas ela não vai ganhar nada sozinha. Ela precisa de um time”, reforça.
A sueca conta situações que vivenciou em outras seleções quando via muito o individual sobressair sobre o todo. As jogadoras olhando para si mesmas e tentando ao máximo melhorar sua própria performance. E é aí que ela questiona: “As atletas muitas vezes pensam como podem ser melhores para si mesmas. Mas eu pergunto: olhe para a jogadora da sua direita e para a jogadora da sua esquerda. O que você pode fazer para ser melhor para ela. Você precisa olhar para o lado para ser melhor para o time”, observou.
São detalhes assim que formam um time vencedor para Pia. Se ela precisa também de um pouco de sorte? “Acho que você cria sua própria sorte”, finalizou.