Foi só a estreia da técnica Pia Sundhage no comando da seleção brasileira feminina, mas a quantidade de jornalistas presentes no Pacaembu mostravam o que aquele momento representava. Foram mais de 300 pedidos de credenciamento e faltou espaço no estádio mais tradicional da cidade para acomodar tanta gente em busca do registro daquele que promete ser o início de uma nova era para o futebol feminino.
A sueca só está há uma semana efetivamente treinando a seleção, e há exato um mês no cargo, desde que foi apresentada. Mas ela tem plena noção do tamanho de sua representatividade e das mudanças que tem trazido – não só no desempenho de sua equipe dentro de campo, mas também (e talvez principalmente) na mudança de postura que acontece fora de campo desde sua chegada.
A começar pelo básico: a presença de mais mulheres na gestão do futebol feminino na CBF. Pia admite que, na primeira vez que veio ao Brasil para assinar seu contrato, se surpreendeu com o que viu.
“Quando eu cheguei na CBF, tinha apenas uma mulher (Bia Vaz, assistente técnica). E um monte de homens. Eu olhei aquilo e pensei na hora: é, temos que fazer algo sobre isso. Na segunda vez que vim, para a convocação, já tinham mais quatro mulheres nas comissões técnicas do futebol feminino. Então não é sobre mim. É sobre o que eu represento.”, afirmou a treinadora em evento fechado organizado pela SwedCham.
“Agora todo mundo no Brasil sabe que uma treinadora (mulher) pode ganhar da Argentina”, brincou ela, arrancando risos de todo mundo.
A importância de Pia também passa por isso. Porque com a vinda dela, a CBF passou a reformular todas as comissões técnicas do futebol feminino para trazer ex-jogadoras e pessoas que têm experiência na modalidade – ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, em que treinadores que tinham pouco prestígio até mesmo no futebol masculino eram os escolhidos para comandar as mulheres. E não é uma questão apenas de trazer mulheres para os cargos. É de montar comissões experientes e competentes, com mulheres e homens também.
“Eu não acho que tem que ser uma comissão inteira de mulheres. Eu já trabalhei só com mulheres e não achei legal. Acho que é importante ter um grupo misto, que se complemente. Se não é o técnico, que tenha mulheres em outras funções na comissão. É importante ter ex-jogadoras, porque elas são espelhos para as jogadoras. E são também um exemplo para as meninas. Elas podem olhar as treinadoras e pensar: um dia eu também posso estar ali”, disse.
Foto: Mauro Horita / CBF
Nos treinos ao longo da semana, Pia foi bastante participativa. Apesar de não falar português ainda, ela foi a campo e, com a ajuda dos auxiliares, que traduziam suas orientações, a sueca gesticulava e demonstrava as mudanças que queria ver em campo. Houve até mesmo uma mudança na programação com a qual as atletas estavam acostumadas. Durante a Copa, por exemplo, os treinos no dia anterior ao jogo eram sempre mais descontraídos e sem qualquer aplicação tática específica. Com Pia, foi uma hora de trabalhos intensos, conforme descreveu a atacante Bia Zaneratto após a vitória contra a Argentina.
“Um dia antes do jogo, normalmente a gente treinava uma bola parada, algo bem tranquilo. Com ela, não. Foi uma hora de um treino bem intensivo”, disse a jogadora. E após a vitória por 5 a 0, também não houve folga para as atletas, que trabalharam às 11h30 desta sexta-feira junto com a treinadora.
“Meu trabalho é mostrar que eu sou espelho. Se eu sou um bom espelho, isso é positivo para elas. Eu não vou treinar o Brasil da mesma forma que treinei a Suécia ou os Estados Unidos. Mas estou conhecendo o grupo, a forma de lidar com cada uma. O Brasil tem grandes jogadoras, acho importante olhar ao redor e ver quem eu tenho perto”, destacou.
A ideia de jogo de Pia passa muito mais por uma coletividade do que pela individualidade, que era a principal característica da seleção comandada por Vadão. A sueca ressalta sempre a importância do time todo trabalhar junto para construir as vitórias – algo que é parte da cultura sueca, conforme ela explicou.
Nesse contexto, Pia foi bastante perguntada sobre Marta ao longo dos seus primeiros dias no comando da seleção. E é bastante interessante ver como ela enxerga a importância da maior craque brasileira – mas sempre com um time todo funcionando junto com ela.
“Nós temos Marta, e Marta é uma jogadora absolutamente importante. Mas ela não vai ganhar nada para nós sozinha. Você precisa de um time para conseguir títulos”, observou.
O time de Pia em campo contra a Argentina já apresentou mudanças significativas na postura tática e no comportamento dentro das quatro linhas. A goleada por 5 a 0 foi a estreia da sueca com o pé direito. Agora, ela terá pela frente a seleção chilena na disputa pelo título do torneio amistoso. O jogo será neste domingo às 13h30 no Pacaembu. Mas a sueca não gosta de pensar apenas em resultados. Seu foco maior é “aproveitar a jornada”. E para isso, ela não tem dúvidas: “Eu me prometi que essa jornada de 4 anos será a melhor da minha vida”.