Crise e Rebaixamento? No feminino, Cruzeiro briga por título brasileiro

Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

O Cruzeiro joga nesta quarta-feira a primeira partida da semifinal da Copa do Brasil em meio a uma crise que se arrasta neste último mês em que o clube ganhou um jogo em oito que fez desde a volta após a Copa América. Isso no masculino, porque no feminino o cenário é completamente diferente. A equipe das “Cabulosas”, como são apelidadas as jogadoras cruzeirenses, ganhou 10 jogos nos últimos 11 que fez, já garantiu vaga na primeira divisão do Brasileiro em  2020 e disputará o título nacional nas próximas semanas.

A equipe mineira começou a montagem do time tardiamente neste ano, ainda com alguma resistência interna sobre a obrigatoriedade de fazer o futebol feminino. A ideia era buscar uma parceria com alguma equipe já pronta, apenas para cumprir o pré-requisito da Conmebol. “Não existe um interesse do clube em fazer futebol feminino. Hoje a postura do clube é de cumprir um pré-requisito para um objetivo final que é o time profissional masculino. Não há uma ideia de desenvolvimento do futebol feminino dentro do clube. Estão querendo desenvolver uma cultura que não existe, forçar o desenvolvimento de modalidade que não mostrou apelo”, disse às dibradoras o gerente de futebol Marcone Barbosa em dezembro de 2018.

Mas a “solução” encontrada pelo Cruzeiro foi bem melhor do que essa. Se Barbosa não era um grande entusiasta do futebol feminino, ele soube contratar o nome certo para coordenar um projeto de sucesso na modalidade. Ex-jogadora e então gestora do América-MG, Bárbara Fonseca, tinha experiência na área e chegou em fevereiro, a pouco mais de um mês da estreia do Cruzeiro na série A2 do Brasileiro feminino. Em tempo recorde, ela conseguiu montar um elenco vitorioso, que chegou à final da competição nacional e sonha com o título inédito.

Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

“A partir do momento que eles me chamaram pra montar o departamento de futebol feminino, me deram total liberdade para montar uma comissão a minha escolha e fazer a montagem da equipe. Acho que o sucesso do projeto também se dá por isso, por terem me deixado trabalhar com liberdade”, afirmou a dirigente às dibradoras.

Os jogos das mulheres são mandados no Sesc Venda Nova, um estádio com capacidade de cerca de 3 mil pessoas em Belo Horizonte. A torcida, nesta fase final do Brasileiro, principalmente, tem apoiado bastante comparecendo às partidas – até mesmo a saudação viking,  comum dos torcedores com a equipe masculina, virou uma tradição também com elas. Mas a ideia para o mando da final da série A2 é tentar levar o jogo para um dos estádios tradicionais da cidade – a decisão será contra Palmeiras ou São Paulo, que definem a vaga no próximo domingo.

“Os dois grandes estádios aqui são muito caros, o Independência e o Mineirão. Então tem que ir com calma, porque isso era inviável pra todos os jogos em termos de orçamento. Na final, a gente ainda está aguardando pra saber se vai jogar o primeiro fora ou em casa.
Se for dia 18/08, a ideia é tentar uma preliminar do jogo do Cruzeiro. Se for o contrário, a gente vai buscar outra opção, que talvez seja o Independência, tem que tentar conciliar o calendário. O que eu posso te garantir é que a diretoria está buscando fazer um espetáculo maior e melhor.”

Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Montagem do elenco

Com Bárbara, veio também a comissão técnica que ela montou no América-MG – que não tinha, até o momento, confirmação se continuaria trabalhando no clube ou não quando ela saiu – e 11 jogadoras que ficaram sem segurança contratual por lá. O resto do elenco, ela montou com base em um acúmulo de dados e informações de atletas do país inteiro que ela acompanhava de perto nos últimos anos que trabalhou com o futebol feminino. São 23 atletas hoje vestindo a camisa do Cruzeiro, todas com carteira assinada e contando com a profissionalização tão desejada para a modalidade.

Barbara Fonseca veio de uma gestão bem-sucedida e com títulos estaduais no América-MG (Foto: Divulgação América-MG)

É verdade que o time feminino não conta com a mesma estrutura que o masculino no clube. Mas isso também foi uma estratégia da coordenadora da modalidade.

“A toca 2, obviamente, sofre uma blindagem maior por ser do profissional. Havia uma possibilidade de colocar na Toca 1, mas seria interessante? Lá já tem 6 categorias. Aí eu propus para o Cruzeiro para buscarmos outra estrutura, porque talvez lá na Toca 1 eu não teria o espaço de 2 turnos pra todos os treinamentos, teríamos que dividir horários e etc. Eu optei pela PUC, que tem uma estrutura legal. O Cruzeiro cobriu esse orçamento”, explicou a dirigente.

Mercado

O orçamento do Cruzeiro destinado ao futebol feminino em 2019 foi de R$ 2 milhões, um valor equivalente ao que os principais times da modalidade costumam investir para estar no topo. Representa “muito” no contexto do futebol das mulheres, mas ainda é irrisório se comparado ao orçamento de um time masculino – para se ter ideia, a folha salarial mensal do Cruzeiro entre os homens é de cerca de R$ 12 milhões, então o valor do feminino representaria menos de 2% do valor anual destinado ao masculino.

Barbara reconhece que os contextos são completamente diferentes e que são muitos distintos os valores de mercado de cada produto. Mas ela reforça que a realidade do feminino hoje tem melhorado bastante. Um exemplo disso foi um patrocinador que veio até o Cruzeiro para apoiar especificamente a equipe das mulheres – legado talvez deixado pelo sucesso da Copa do Mundo da França.

Foto: Divulgação Cruzeiro

“Tenho uma visão muito realista, sei que é uma questão de conquista. O futebol masculino existe há quanto tempo? É valor de mercado, a gente precisa buscar esse valor de mercado. A gente precisa ver o copo meio cheio. Vamos buscar crescer o nosso valor no mercado e em algum momento as coisas vão começar a acontecer de uma forma muito legal. Nunca tivemos um momento tão bom. Recentemente a gente fechou patrocínio master. É uma conquista importante”, pontuou.

Com as vitórias da equipe dentro de campo, o Cruzeiro foi chamando a atenção da própria torcida, que vive um momento muito mais difícil com o time masculino no futebol. O marketing do clube tem trabalhado muito bem com isso para promover os jogos das mulheres e também aproximar o torcedor das jogadoras – um exemplo recente foi a série que criaram no YouTube chamada “As Super Cabulosas” para apresentar cada uma das atletas.

“Foi importante ter esses resultados significativos já nesse início, porque já vem como resposta para essa estranheza que as pessoas têm com o feminino, esse questionamento: será que vale a pena? E aí o resultado está sendo legal”, observou Barbara.

A coordenadora projeta um futuro ainda mais promissor pra equipe, que disputará a primeira divisão em 2020 ao lado de São Paulo, Palmeiras e Grêmio, que subiram neste ano, além de outras equipes de camisa que já estão na elite do feminino. Para ela, a importância disso é que ajuda a criar grandes jogos com uma rivalidade já herdada do masculino.

“A gente sentiu muito isso no jogo contra o Grêmio, as torcidas compareceram, o resultado foi tratado como do masculino. Tem rivalidade que a gente herda deles”, afirmou.

Ela não projeta favoritos para a final deste ano, na A2, e afirma que a crise vivida pelo masculino (tanto no futebol, quanto nos bastidores) não teve respingos no feminino. 

“O feminino não sofreu nenhuma alteração. A crise está muito na estrutura masculina, eu desconheço,  não respinga nada no feminino”, disse.

“Nenhuma outra equipe da segunda divisão trabalha tanto quanto a gente trabalha. A gente respeita muito São Paulo e Palmeiras, mas a gente mostrou que tem uma equipe qualificada, eu não enxergo nenhum favorito.”

 

 

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