*Por Renata Mendonça e Juliana Arreguy
Sem a presença de nenhum homem ao lado, a sueca Pia Sundhage respondeu a diversas perguntas sobre seus planos à frente da seleção feminina em sua apresentação oficial, nesta terça (30), no auditório da CBF. Explicou que apesar da frieza dos suecos, estava emocionada em trabalhar no Brasil, um país “que respira futebol”. Apontou a necessidade de continuidade em trabalhos e fez uma cobrança: que as promessas feitas antes que assumisse o cargo não se perdessem no ar.
“Desculpem, não consigo falar português, tem que ser em inglês. Mas vou aprender o idioma rápido. Eu acho que para a minha mensagem realmente ser passada, eu preciso falar português, então fiquem de olho, vou aprender bem rápido”, brincou ela, com simpatia.
Chamou a atenção na chegada ao auditório da CBF o nome de Vadão reservado na primeira fileira. Ele esteve acompanhando toda a coletiva ao lado do coordenador de futebol feminino, Marco Aurélio Cunha, do secretário-geral da entidade, Walter Feldman, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e da comissão técnica da seleção masculina, com Tite e Juninho Paulista presentes. Uma plateia inteira de homens na primeira fila, mas nenhum deles dividiu o palco com Pia – o que não deixou de ser curioso, já que em coletivas de apresentação de treinador, é comum ver membros da CBF ao lado dos comandantes. O protagonismo hoje foi todo dela, que logo recebeu um discurso inflado do presidente da confederação, Rogério Caboclo.
Os comandantes das seleções principais do Brasil conversaram hoje durante a apresentação de Pia Sundhage.
Trabalhos unidos em busca dos principais objetivos na temporada. Vamos, Seleção!
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— CBF Futebol (@CBF_Futebol) July 30, 2019
“Esse é um momento histórico de trazer a melhor técnica do mundo para o Brasil. A partir de hoje estaremos definindo o que será o futebol feminino nas próximas décadas. Se alguma vez houve a percepção de que o futebol feminino não era tão prestigiado, hoje não vai mais ter. Eu brinquei com a Pia que eu não sou o gênio da lâmpada, ela tem pedidos a fazer, mas não são limitados a três. Então a gente pode realizar dentro do bom senso e da consciência que ela tem, tudo aquilo que de melhor a CBF pode propor”, afirmou o mandatário da CBF, antes de recebê-la com um abraço e vesti-la com o agasalho da seleção brasileira já com o nome dela.
As primeiras palavras de Pia, para além de pedir desculpas pelo idioma, foram dedicadas ao chamado “próximo passo” para a seleção brasileira.
“Ao invés de falarmos sobre a medalha, temos que falar em primeiro passo, a próxima prática, os próximos passos, e é nisso em que temos que nos concentrar. Ao fazer o dever de casa, as coisas acontecem”, afirmou.
“Meu primeiro passo aqui é entender como as coisas funcionam. Trabalhei com sub-16 e sub-17 por um ano e meio e conheço algo sobre desenvolvimento. Se você quer que a seleção jogue um futebol excelente, não só ano que vem, mas a longo prazo, precisa de um bom trabalho com sub-20 e sub-17”, disse a treinadora, reforçando a importância da base para o trabalho do futebol feminino no país.
O contrato dado a ela agora é de dois anos prorrogáveis por mais dois, e a ideia é que Pia tenha um papel também de coordenar o trabalho feito na base, para que haja uma sintonia entre as categorias mais novas e a seleção principal. Ela fala em escrever uma nova página para o futebol feminino e cobra “ação para além do discurso”.
Esse discurso da CBF, aliás, tem sido bem forte no sentido de “reformular o futebol feminino no Brasil”. Caboclo falou muito sobre isso ao abrir a coletiva, dizendo que ali começava um novo capítulo para a modalidade no país, uma nova era. Mas não dá para negar que essas palavras são bem parecidas com as que foram usadas em 2016, no anúncio de Emily Lima como a primeira mulher a treinar uma seleção brasileira de futebol. E, no entanto, 10 meses depois ela foi demitida do cargo com 56% de aproveitamento e sem ter disputado competições oficial. Perguntamos à Pia o que a fez acreditar que, desta vez, seria diferente.
“Eu olharia para a situação como um todo. O próximo passo, uma nova página. A Confederação tenta fazer algo diferente, então por que não olhar isso por um lado positivo? Acho que está ok cometer erros no campo. E é a mesma coisa aqui. E eu vou tentar fazer o melhor para estarmos preparadas para os Jogos Olímpicos ou para o nosso próximo passo. Tem tanta energia agora, então por que não pegar essa energia e lembrar o que prometemos aqui, os desafios? Eu vou fazer o meu melhor”, afirmou.
“Se nós dissermos: isso é o que nós vamos fazer, vamos garantir que seja feito. Porque uma coisa que é muito perigosa é você dizer algo e não ter atitudes sobre isso. Então agora, quando você diz algo e há atitudes sobre isso, é algo que pode ser muito bom, não só para o futebol feminino no Brasil, mas para o futebol feminino no mundo todo. As coisas não vão acontecer facilmente, você precisa trabalhar duro pra isso.”
Prioridades: posse de bola e cuidado com a parte física
Pia deixou bem claro, em mais de uma ocasião, que não está familiarizada com a realidade do futebol feminino brasileiro e que seus conhecimentos se limitam a observar a seleção. “Não posso responder isso agora, mas voltaremos a essa questão quando eu estiver mais inteirada”, disse quando indagada sobre o que fazer para melhorar a modalidade internamente.
Sobre o modo de jogar da equipe, a treinadora foi elogiosa ao afirmar que as atletas apresentam boa técnica, mas já sinalizou que o estilo em campo deve ser alterado e que sua prioridade será a manutenção da posse de bola.
“Acho que o próximo passo do Brasil é a técnica, ter uma leitura de jogo. Mas para ser técnico e tático por 90 minutos tem que estar em boas condições físicas”, cobrou a sueca.
A questão física foi uma das maiores barreiras do time ao longo da Copa do Mundo deste ano, com seis atletas lesionadas sob os cuidados da CBF. Fabiana e Érika acabaram desconvocadas, isso sem contar a meia Adriana, substituída da lista um dia após a convocação. Andressa Alves virou desfalque nas duas últimas partidas enquanto Marta, Formiga e Luana também passaram pelo Departamento Médico.
A ligação entre os extremos do campo, que abusa de ligações diretas, também entrou na mira de Pia: “Se eu conseguir trazer o melhor dos Estados Unidos e da Suécia para essa equipe fantástica eu diria que vamos ter uma jornada interessante. Vamos ajustar defesa e ataque, é algo que precisamos trabalhar.”
Demanda por mais jogos e continuidade
O novo estilo da treinadora já foi colocado na roda: Pia quer que o Brasil jogue muitos amistosos para melhorar o desempenho da equipe. “Vocês precisam de jogos contra oponentes e adversárias fortes”, observou.
A fala contrasta com o planejamento da seleção às vésperas da Copa. A comissão optou por priorizar treinos a jogos sob a justificativa de que seria melhor para trabalhar a parte física das atletas e melhorar o entrosamento de jogadoras vindas de partes distintas do globo.
“Nos Estados Unidos, as jogadoras têm feedback das atuações, isso ajuda a entender onde precisam melhorar. Mas, para isso, tem que ter situações e jogos. Nós teremos partidas suficientes para isso. Ainda não sei quantas, mas teremos””, acrescentou Sundhage.
Além da cobrança por um calendário movimentado, a técnica também demandou a manutenção de projetos na modalidade. “É bom aqui no Brasil que entendam que a gente deve dar continuidade aos trabalhos. Uma coisa perigosa é quando você diz algo e não cumpre” , afirmou.
Ela utilizou como exemplo a ascensão de seleções europeias como Holanda, Inglaterra e França, fazendo frente ao domínio dos EUA no futebol feminino, como trabalhos de longo prazo a serem observados. “Não é como (nas Copas de) 1991 e 1995, existe muita coisa acontecendo no futebol. Não vai ser uma mudança fácil e não vai vir fácil”, pontuou.
Como forma de garantir que a transição no comando seja a mais tranquila possível, Pia se reuniu com integrantes da comissão técnica de Vadão. Eles apresentaram informações sobre a equipe e relatórios que serão estudados pela treinadora. Alguns, segundo a própria técnica, devem permanecer na CBF. Bia Vaz, auxiliar técnica, é um dos nomes mantidos; ainda não se sabe, no entanto, se continuará no cargo de assistente. Outro que deve continuar é o preparador físico Fabinho. Ele acompanha as atletas há bastante tempo e conhece bem a equipe, além de falar inglês, um diferencial que será útil enquanto a sueca não aprender o português.
Discrição
Quem também se mantém no cargo é o coordenador Marco Aurélio Cunha. Sua ausência no palco durante a coletiva de Pia foi notada nas redes sociais.
Fui atrás da primeira coletiva do Tite como treinador da seleção brasileira masculina em 2016. Olha quanta gente ao lado dele. Ao lado, coletiva da Pia. Falta gente aí, né? pic.twitter.com/a2WoKe0kCt
— Letícia Lázaro (@leticialazaroa) July 30, 2019
Geralmente ativo durante eventos na CBF, com o costume de circular entre os presentes, Marco Aurélio teve participação discreta no anúncio oficial. Chegou quase na hora da coletiva, sentado ao lado de Vadão durante todo o tempo, e se limitou a tirar fotos com a nova técnica junto de outras autoridades. Não deu declarações e nem conversou muito com a imprensa. Segundo a jornalista Gabriela Moreira, a primeira a informar sobre o interesse da confederação em Pia, o coordenador está “em observação”.
No cargo desde 2015, viu de perto a eliminação do Brasil nas oitavas em duas Copas e o desempenho na Olimpíada, em casa, sem medalhas.
Sozinha no palco, cercada de garantias e promessas, Pia deu como cartão de visitas a ideia de que é preciso tempo e paciência para se alcançar bons resultados. Cabe à CBF, agora, cumprir o seu papel.