Se hoje o futebol feminino está em evidência, com jogos batendo recordes de audiência, no passado ele chegou a ser proibido por lei. Um decreto da época da ditadura brasileira em 1941 dizia que “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”
A proibição durou até 1979, mas não impediu as mulheres de jogarem. Elas seguiram desafiando as regras pelo direito de ocupar os campos e as ruas com a bola nos pés. Só que faziam isso de maneira não oficial, o que impossibilitou essa história de ser contada. Os registros da prática do futebol por mulheres entre as décadas de 1940 e 1980 são raros e, por muito tempo, ficaram “em branco”. Não era possível encontrá-los em lugar nenhum – nem mesmo no Google, a maior plataforma de buscas do mundo.
Mas agora muitas dessas informações estão ao alcance de qualquer pessoa por um clique. Nesta segunda-feira, o Google Arts & Culture lançou a exposição virtual “Museu do Impedimento”. Durante mais de um mês, o site convidou as pessoas a ajudarem a escrever a história do futebol feminino em uma plataforma multimídia, contribuindo com fotos, textos, áudios e vídeos e, com a curadoria do Museu do Futebol, o material foi organizado e disponibilizado para o mundo inteiro em inglês com todos os dados coletados.
Fazem parte da coleção 205 fotos, inúmeros arquivos de jornais e documentos que contam como as mulheres continuaram resistindo no futebol mesmo durante os anos de proibição. Para acessar as histórias é só entrar na página do Museu do Impedimento (g.co/museudoimpedimento).
O Mundial da França em 2019 mostrou o tamanho da curiosidade que as pessoas têm de conhecer essa história. Logo após o primeiro jogo do Brasil, algumas das perguntas mais buscadas no Google foram justamente: quando começou o futebol feminino no Brasil?; e quando surgiu o futebol feminino no Brasil? Agora, todas essas informações estão online.
Chama a atenção os jornais exibidos na exposição do Google que destacam o esforço que os órgãos oficiais tinham para impedir os jogos de futebol feminino nas décadas passadas. “Moças defendem o direito de jogar bola”, dizia o título de um texto publicado no jornal O Globo em 1965; “Não levou em piada o CND o futebol de mulheres na Bahia”, noticiou o Correio Paulistano de 1956, falando de uma punição do Conselho Nacional de Desportos à Federação Baiana por ter permitido uma partida de futebol feminino à época da vigência do decreto.
Mas apesar da proibição e da pressão do CND para que ela fosse cumprida, as mulheres continuaram resistindo. A exposição virtual do Google resgata a história de dois times de Pelotas, no Rio Grande do Sul, que organizaram equipes femininas na década de 1950, fazendo treinos e jogos semanais à despeito do decreto. O Corinthians Pelotense e o Vila Hilda se enfrentaram pela primeira vez em 8 de julho daquele ano, e as mulheres chegaram a viajar para outras cidades gaúchas para jogar entre agosto e novembro. Mas no fim daquele ano, o CND apertou a fiscalização e acabou com a diversão delas, exigindo que fosse cumprida a lei. A partir daí, nenhum jornal noticiou mais as atividades das equipes femininas, e a história desses dois clubes ficou esquecida no tempo – agora, porém, está registrado no Google.
São muitos outros times femininos formados nessa época sobre os quais não tínhamos ideia da existência. Desde um dos mais “famosos” pioneiros do futebol feminino, o Araguari em Minas Gerais, até histórias bem desconhecidas envolvendo os clássicos regionais como Comercial x Operário no Mato Grosso do Sul, dois clubes que mantinham equipes femininas apesar da proibição.
Sem falar na partida entre atrizes de teatro realizada no Maracanã em um evento beneficente que quase a acabou impedido de acontecer por causa da proibição. O ano era 1959, e diante das ameaças de cancelar o jogo, a estratégia dos organizadores foi anunciá-lo como um “espetáculo”. A verdade é que foi exatamente isso que aconteceu em campo, com as arquibancadas lotadas e uma renda recorde recolhida para ajudar o Hospital dos Atores em São Paulo.
E para quem se interessa em saber mais sobre algumas das pioneiras que já vestiram a camisa do Brasil no futebol, a exposição também traz a história de Michael Jackson, a artilheira que tem mais de mil gols na carreira e leva o apelido do astro do pop mundial.
Como bem destaca a professora Silvana Goellner, da UFRGS e uma das pioneiras na pesquisa sobre as mulheres no futebol no Brasil, é preciso “conhecer para reconhecer”. Sem o conhecimento de toda essa história de resistência que as jogadoras tiveram ao longo das décadas para poder ocupar os gramados, é impossível entender a luta que as trouxe até aqui. Para isso, fica o convite para que todos aproveitem essa oportunidade e visitem a exposição virtual do “Museu do Impedimento”.
*Esse post foi feito em parceria com o Google Brasil