Mulheres de 54 países se reúnem para jogar e bater recorde no país da Copa

Foto: Divulgação Equal Playing Field

Quem chega no Centro de Treinamento do Olympique Lyonnais nesta semana deve estranhar um pouco a presença de tanta gente diferente. Não são os craques e as craques da equipe de Lyon que estão em campo. São mulheres de todas as idades, das mais diferentes nacionalidades, com véu na cabeça, com tatuagem no corpo, de cabelos coloridos, de todos os tipos, enfim, reunidos dentro das quatro linhas para bater um recorde mundial.

“Fazia muito tempo que eu não me divertia tanto”, disse Ann, de 60 anos, que saiu de campo após jogar uma hora de futebol sem parar, muito orgulhosa do que viveu ali ao lado dos filhos e de colegas de trabalho que estavam no seu time.

Medalha distribuída para todos que jogaram (Foto: Dibradoras)

Essa é a iniciativa do Equal Playing Field (na tradução livre “Campo de Jogo Igual”), que organizou o Festival de Futebol em Lyon, sede das semifinais e final da Copa do Mundo, com o objetivo de entrar para o Guinnes Book como o jogo mais longo de futebol do mundo. São mais de 800 pessoas – a imensa maioria mulheres – de pelo menos 54 nacionalidades distintas e de todas as idades que irão a campo em três dias de futebol sem parar. O lema do projeto é “Any girl, anywhere” (na tradução: qualquer menina em qualquer lugar), que funciona como um incentivo para que mais e mais mulheres tenham a oportunidade de jogar bola.

O pontapé inicial do jogo se deu em 28 de junho às 17h e o apito final virá nesta segunda-feira, primeiro de julho, neste horário. A previsão do tempo foi uma das adversidades para que esse projeto fosse colocado em prática, porque uma onda de calor que atingiu a França nos últimos dias elevou as temperaturas em Lyon para cerca de 40 graus. Isso fez com que o início do festival atrasasse um pouco e que as jogadoras tomassem um cuidado extra com a hidratação. Teve até quem tenha visto a trava da chuteira derreter de tão quente que estava o gramado – sintético na área onde acontecia o jogo.

Ann, de 60 anos, jogou 56 minutos (Foto: Dibradoras)

As regras eram um pouco diferentes do futebol tradicional: Eram cinco para cada lado (quatro na linha e um no gol) em campo reduzido; o goleiro não poderia sair da área e nenhum dos atletas (nem de defesa, nem de ataque) poderiam entrar nela; os atletas só poderiam entrar uma vez em campo, o tempo mínimo era 10 minutos em campo, e o máximo era o atleta que determinava; ninguém poderia chutar a bola mais alto do que o maior jogador em campo; essas eram algumas das determinações visando também um maior fair-play em campo. A ideia era que o jogo fosse para divertir mais do que para competir.

O melhor do jogo

O melhor do futebol sempre vai além da bola rolando. São as amizades que você faz, as histórias que você vive, as experiências que ficam para sempre. Já imaginou entrar em campo com um companheiro do Iraque, outra dos Estados Unidos, outra da Austrália, e outra do Egito, tudo junto e misturado, falando a mesma língua – a do futebol – em campo? A troca de vivências e de cultura acontece o tempo todo.

O time de Lesoto que se chama “Cozinha” (Foto: Divulgação Equal Playing Field)

Um time chamou a atenção tirando foto com uma espécie de toalha enrolada no corpo, com desenhos de comidas e utensílios domésticos. A explicação é simples: elas são do Lesoto, um pequeno país africano de pouco mais de 2 milhões de habitantes, e escolheram o nome da equipe de “Motseeo FC”, que na língua de lá significa “Cozinha”. Ou seja, toda vez que alguém as manda para a cozinha, elas vão jogar bola – nada mais justo, não?

Tanaswa, de 4 anos, o mais jovem a entrar em campo (Foto: Divulgação Equal PLaying Field)

Teve também o Tanaswa, de apenas 4 anos de idade, que entrou em campo para jogar futebol pela primeira vez, o jogador mais jovem de todo o festival, e sua companheira de equipe Ruvarashe, de 8, que deixou o gol dela para a história do recorde. E a paquistanesa Farwa Haider, que não cansou de ouvir durante a vida toda que futebol não era coisa para ela. “As pessoas me diziam: o que você vai ganhar com o futebol? Mas não é sobre isso, é sobre a paixão. Eu amo jogar futebol do fundo do meu coração. Desde muito pequena, eu sempre disse para a minha família que eu queria ser conhecida por fazer algo extraordinário representando minha fé, minha comunidade e meu país. É muito legal mostrar o lado mais bonito que conecta o mundo”, disse.

Já quando o futebol invadia a madrugada, conhecemos Natasha Hill, uma australiana de origens muçulmanas que só começou a jogar futebol aos 18 anos. “Eu sempre quis jogar futebol, mas na minha família havia uma cultura que mulheres não podiam jogar por causa do uniforme, do contato, da força física e etc. Aí com 18 anos eu já podia dirigir e me levar para os treinos, então me inscrevi em um clube e comecei a jogar”, contou ela.

Natasha e Assmaah (Foto: Dibradoras)

“Acho que uma iniciativa assim é importante para conscientizar as pessoas do benefício que o futebol pode trazer e que há muitas formas para atingirmos a igualdade de gênero, não precisa ser só uma posição política, pode ser uma coisa tão simples quanto jogar uma partida de futebol. Mostra que todo mundo pode ser parte disso, não importa a idade, o gênero, a cultura”, afirmou.

Asmaah Helal, de família egípcia, mora na Austrália e também jogou ao lado de Natasha na madrugada. O futebol entrou na vida dela cedo pelo irmão mais velho, mas aos 8 anos ela parou porque “não se sentia bem-vinda”. “Eu não era muito confiante, era muito tímida, então parei porque não me sentia à vontade. Não tinham meninas que jogavam. Quando eu tinha 12 anos, eu voltei, aí consegui jogar com as meninas. Joguei a vida toda, sofri com lesões no joelho, mas atuei nos clubes da Austrália, fui capitã do time”, contou.

Farwa Haider, a paquistanesa que esteve em campo (Foto: Dana Roesiger / Divulgação Equal PLaying Field)

Helal fez parte do movimento que lutou pelo fim do banimento do hijab nos jogos oficiais de futebol. A Fifa proibia que mulheres jogassem com ele alegando que era algo que atrapalhava a partida. “As pessoas pensam que o Hijab é algo opressivo, quando na verdade elas não entendem o que está por trás disso. Acho que alguns sistemas políticos abusam do poder, mas quando você fala com mulheres muçulmanas, é uma escolha. É uma cultura, é uma parte significativa da nossa identidade, uma representação da nossa conexão espiritual com Deus. Então nos deixem jogar e nos deixem jogar assim”, afirmou a jogadora.

 

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A mistura de culturas teve seu ápice no jogo quando as brasileiras ligaram a caixa de som com o samba, o funk e o hino dessa Copa, a música “Jogadeira”, que fala justamente sobre o preconceito que as meninas enfrentam para jogar. Todo mundo parou para dançar junto, filmar o momento e dar boas risadas em plena madrugada com muito futebol e uma ótima energia.

A bola serve, afinal, para isso. Para unir as pessoas, mesmo em todas as suas diferenças culturais, de gênero, de raça, de cor, de orientação sexual. Dentro de campo, tudo isso fica de lado e prevalece a diversão e o amor pelo futebol. O festival “Equal Playing Field” está mostrando isso: não importa se você tem 4 anos de idade como o pequeno Tanasawa, ou 60, como a Ann; não importa se começou a jogar ontem, ou se é profissional; se é mulher ou homem, brasileira ou paquistanesa, seu direito de jogar é o mesmo. Para além do recorde, a maior conquista de todas essas pessoas em Lyon é celebrar o futebol como um esporte de todos.

 

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