Por Renata Mendonça e Roberta Nina
Nesta sexta-feira (28/6) no Parc des Princes, um jogão promete parar a capital francesa – e o resto do mundo. França e Estados Unidos se enfrentarão nas quartas-de-final da Copa do Mundo Feminina e não é exagero dizer que que essa partida tem jeito de final antecipada, afinal estamos falando das donas da casa e das atuais campeãs mundiais.
No duelo das capitãs, a consagrada Megan Rapinoe comanda o time americano e do lado francês, a decisiva Amandine Henry é quem dá o ritmo da equipe dentro de campo. No ataque, Alex Morgan de um lado e Eugenie Le Sommer do outro são as promessas de gol das duas equipes.
Em duelos desse tipo, aspectos físicos e psicológicos precisam estar alinhados. Para analisar a situação de cada equipe, nós falamos com ex-jogadoras da seleção brasileira e que fizeram história atuando nos Estados Unidos e na França. De um lado, Sissi e Marcia Tafarel analisaram a equipe do Tio Sam, do outro, Simone Jatobá fez um resumo sobre como as Le Bleus devem se portar em campo.
Donas da casa em busca de um título inédito
A França é a 4ª colocada no ranking de seleções da Fifa e esta é a quarta participação da equipe em Copas do Mundo (2003, 2011 e 2015). A melhor colocação do país em Mundiais foi em 2011, quando alcançou o quarto lugar.
+ Da proibição ao favoritismo: como a França busca o 1º título da Copa
Com um investimento massivo na modalidade dentro do país, as donas da casa são favoritas ao título não apenas por contar com o apoio da torcida, mas também porque o time é muito talentoso (tanto as titulares quanto as reservas), bem treinado e entrosado. Seis jogadoras titulares da seleção francesa jogam juntas no Lyon, a equipe multicampeã do cenário europeu.
A campanha francesa na Copa do Mundo não conta com derrotas na fase de grupos, mas alguns escorregos da equipe apareceram no percurso. Estrearam com goleada de 4×0 em cima da Coréia do Sul, superaram um gol contra marcado pela experiente zagueira Renard e derrotaram a Noruega por 2×1 e, na última partida, contra a Nigéria, encontraram muitas dificuldades para vencer o time africano.
Diante do Brasil nas oitavas, venceram por 2×1 na prorrogação, mas o jogo não foi fácil. As francesas perderam boas chances de gol e a própria treinadora afirmou que sua equipe encontrou dificuldades para vencer as brasileiras. “Foi difícil, o grupo estava muito tenso. Na verdade, não alinhamos três passes, foi o que eu disse a elas no intervalo. Disse para se libertarem, jogarem simplesmente. Eles colocaram tanta pressão em si mesmas que os fundamentos foram esquecidos. Pedi que fossem um pouco mais pacientes e mais eficientes também. Nós precisávamos de mais controle.”
A ex-lateral da seleção brasileira, Simone Jatobá, vive na França e atuando em alto nível, tem duas importantes passagens pelo país. De 2005 a 2010 defendeu o Lyon e atualmente defende o FC Metz pela quinta temporada. Mesmo encontrando dificuldades em alguns jogos, Simone acredita que a equipe francesa está forte psicologicamente, ainda mais pelo fato de jogarem em casa. “Elas têm investido muito no futebol feminino nos últimos anos, e essa Copa na casa delas só traz pontos positivos. Com isso, a força mental se transforma em ponto de equilíbrio para poder provar que, acima de tudo, elas evoluiram não somente no extra campo mas principalmente dentro de campo”, afirmou às dibradoras.
Para a brasileira, os pontos fortes da seleção francesa passam pelo entrosamento das jogadoras e a presença de seus familiares, o ambiente do grupo e o comando técnico. “A favor delas destaco que a grande maioria das atletas que jogam juntas em clubes e também na seleção, o ambiente favorável do grupo que está vivendo muito bem sem problemas de estrelismo para não dividir e nem estragar o grupo e o fato de a seleção francesa, jogando em casa, tem forças externas muito favoráveis, como a torcida e familiares. Além disso, a treinadora tem muita experiência e visão avançada”, opinou.
Com um meio de campo sólido comandado por Henry e com meias-atacantes que são rápidas, Simone destaca Le Sommer como a jogadora que pode surpreender quando a equipe adversária menos espera, mas também cita as mais jovens como peças que podem desequilibrar. “A camisa 10, Amel Marjri, tem muita técnica misturada com velocidade. É muito boa nas bolas paradas e também entrando pelo meio e chutando. A Diani é muito rápida pelas pontas e foi muito bem no jogo do Brasil”, afirmou.
Derrotar os Estados Unidos é possível? Para Simone – medalhista de prata com a seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Pequim e campeã pan-americana em 2007 – é bem possível. “Na minha opinião, para a França chegar a um resultado positivo, deverá jogar pelo lado esquerdo da seleção americana, aproveitar a Diani com sua velocidade e dribles. Um ponto forte do time francês são as jogadas paradas e escanteios com Wendie, que tem uma presença de cabeça muito forte”, disse.
Mesmo citando a zagueira como um ponto forte da França nas bolas paradas, a jogadora brasileira analisa que Wendie Renard não vem fazendo uma boa Copa no geral. “Talvez alguns erros individuais da Wendie tenha pesado no seu autocontrole. Embora tenha marcado gols de cabeça, não acho que ela esteja bem. Ela teve muita sorte de não ser expulsa contra o Brasil, pois se fosse expulsa mudaria todo o rumo do jogo”.
EUA: o time a ser batido na Copa
Atuais campeões, os Estados Unidos chegaram a essa Copa já mostrando que não estavam para brincadeira. Logo no primeiro jogo, contra a modesta Tailândia, quebraram o recorde da maior goleada da história dos Mundiais fazendo 13 a 0 em cima das adversárias. Depois, contra o Chile, entraram com boa parte do time reserva e ainda assim fizeram 3 a 0 facilmente – e só não marcaram mais porque a goleira chilena, Christiane Endler, não deixou.
+ Copeiras e experientes: como a seleção americana chega ao Mundial da França
Na zona mista naquele dia, um repórter francês perguntou inocentemente para a zagueira Becky Sauerbrunn “qual era o objetivo delas no campeonato”. A americana olhou para ele com descrédito: “Conquistar o título. Você está falando sério? Nós viemos aqui para ser campeãs”, respondeu ela exalando sinceridade, ainda sem acreditar que tinha ouvido essa pergunta. Para elas, não existe outro objetivo possível senão conquistar a taça – e isso parece tão óbvio internamente, que a pergunta do jornalista não fez qualquer sentido para a zagueira.
Esse é o espírito de sempre das americanas. Elas não deixam de acreditar na vitória nem por um segundo. E isso as faz ainda mais forte. A técnica Jill Ellis falou em uma coletiva sobre isso: “Você pode estar muito preparado fisicamente e taticamente. Mas pra mim, o que faz um time campeão é o mindset (mentalidade campeã)”. Por tudo isso, é muito difícil desestabilizá-las.
A seleção brasileira já sofreu muito com elas nesse sentido – em 2004 e 2008 nas duas finais olímpicas e em 2011 nas quartas de final da prorrogação, o Brasil acabou eliminado pelas americanas sempre com gols na prorrogação. Parece que elas sempre acreditam que em algum momento conseguirão virar o jogo. Perguntamos à Megan Rapinoe nesta Copa de onde vem essa força mental que faz com que elas não se abalem nem mesmo diante de um placar adverso.
+ Não é só o hino: a representatividade de Megan Rapinoe vai além do campo
“Eu não sei de onde vem. Eu acho que tem um pouco da arrogância do americano, que acha que é melhor em tudo”, riu Rapinoe. “Tem uma cultura desse time, nós competimos entre a gente mesmo dessa forma. Acho que tem um pouco de insanidade nisso também. Um pensamento de: se tem um segundo apenas, você tem que dar tudo nesse um segundo. E acho que ao longo do tempo a gente foi ganhando confiança, porque nós fizemos tantos gols no fim, Atenas, 2004, 2011. Não só contra o Brasil, mas todos esses momentos que nós conseguimos vencer. Acho que isso nos fez crescer”, afirmou.
Essa é uma das principais dificuldades que a França terá para enfrentar os Estados Unidos: conseguir desestabilizar as adversárias. Com um time muito forte coletivamente, as americanas jogam “fácil” e cometem pouquíssimos erros. Até o jogo contra a Espanha, a goleira Ashlyn Harris mal havia trabalhado nesta Copa. E justamente contra as espanholas, ela errou uma saída de bola e deu a chance do gol para as adversárias.
“Acho que em termos de conjunto, elas já estão acostumadas a jogar sob pressão, mentalmente eu não sei se tem alguma seleção que eu consiga comparar com as americanas. Quando elas estão sob pressão, elas conseguem não se abater. Fisicamente e mentalmente, dá pra notar que elas estão muito bem preparadas. Um ponto fraco é a goleira, que não passa tanta segurança. Acho que vai ser um jogo que quem errar menos taticamente tem chance de conseguir a vitória”, analisou Sissi, a ex-craque brasileira que vive e trabalha com o futebol nos Estados Unidos há mais de 10 anos.
Para ela, a melhor estratégia da França para tentar derrubar as atuais campeãs é jogar justamente como a Espanha jogou, pressionando bem a saída de bola e com uma marcação muito forte em cima das americanas, na tentativa de forçar um erro delas. “A Espanha pressionou e deu pra notar que quando as americanas jogam sob pressão, elas também cometem erros. É um jogo que vai ser decidido na tática. Acho que a França tem jogadoras que podem desequilibrar. Mas quem errar menos sai com a vitória.”
+ ‘Essas americanas são diferentes mesmo. Parecem um time masculino jogando’
Marcia Tafarel, ex-jogadora brasileira que também atua no futebol nos Estados Unidos desde 2004, considera a seleção americana muito forte justamente pelo poder do jogo coletivo delas. E destaca que, no banco, elas têm muitas peças de reposição à altura de quem está em campo. Assim, quando a ténica faz trocas, o time não sente tanto. O ataque delas é mortal, mas a defesa comete alguns erros – e é aí que o adversário pode aproveitar para surpreender.
“Elas não são imbatíveis principalmente se sentem a pressão. Mas a Jill aliou um grupo experiente com jogadoras mais novas dentro da seleção. Acredito que para a França sair vencedora, ela terá que colocar pressão no setor defensivo dos EUA. Não é fácil manter pressão o tempo todo, mas vejo que, quando elas são encurraladas no campo delas, elas tendem a falhar mais”, avaliou Tafarel.
Sem sombras de dúvidas, esse será um dos melhores jogos da Copa, uma final antecipada. De um lado, o time que melhor trabalha o futebol feminino desde a base, com a iniciação das garotas começando muito cedo e uma estrutura de clubes e campeonatos forte desde a infância. Do outro, o time que melhor investiu recentemente, que montou um plano de desenvolvimento nos últimos 10 anos para fazer o futebol feminino decolar no país e está colhendo os resultados disso. Quem mais vai ganhar com esse jogo é o futebol.