A seleção brasileira conseguiu confirmar a vaga nas oitavas de final da Copa do Mundo feminina com a vitória por 1 a 0 sobre a Itália nesta terça-feira, mas a situação foi um pouco diferente do que o normal. Ao menos nos últimos quatro Mundiais, o Brasil havia conseguido a classificação em primeiro lugar e sem precisar fazer contas para saber se isso seria possível na última rodada. A última vez que a seleção terminou a primeira fase com duas vitórias e uma derrota foi em 1999.
O cenário foi diferente desta vez e a justificativa do técnico Vadão para a dificuldade foi o “equilíbrio” do grupo, com Itália e Austrália, duas potências recentes do futebol feminino. É verdade que as duas equipes são boas e têm seu talento dentro de campo, mas é importante também fazer nesse momento uma autocrítica. A seleção brasileira, que já produziu talentos do nível de Sissi, Roseli, Marta, Cristiane, que foi vice-campeã mundial em 2007, conquistou duas medalhas de prata em Olimpíadas e sempre foi vista como favorita nas principais competições do futebol feminino, hoje consegue a classificação somente no terceiro lugar e vendo a Itália, que não participava da Copa havia 20 anos, ficar com a primeira colocação do grupo.
Isso diz muito sobre o trabalho de desenvolvimento do futebol entre as meninas e mulheres que tem sido realizado em países como a Itália e a Austrália – e poderíamos incluir aí outras seleções que se fortaleceram na última década, como Inglaterra e a própria França – e o pouco que foi feito no Brasil para se aproveitar a geração mais vitoriosa que tivemos na modalidade.
A Itália, por exemplo, é um país que começou a investir no futebol feminino muito recentemente, com a profissionalização da liga e a entrada dos clubes de camisa do futebol masculino. Com a Juventus montando um time forte, o Milan também passou a investir, e agora o campeonato por lá já tem as principais equipes do país – e as principais jogadoras atuam por lá também.
Mas se a gente for ver, dois anos atrás, no último confronto entre Brasil e Itália pelas mulheres, a seleção não teve dificuldades de vencer. O placar foi 5 a 3 no Torneio de Manaus, em que a equipe brasileira sequer contava com suas principais jogadoras (Marta e Cristiane, por exemplo, não jogaram essa partida). Desta vez, em tão pouco tempo, percebeu-se que o time italiano evoluiu muito a ponto de fazer frente ao Brasil em uma partida bem equilibrada. No primeiro tempo, ainda se viu uma superioridade da Itália, que teve as melhores chances de abrir o marcador.
“Os outros países estão crescendo, estão se desenvolvendo no futebol feminino. E as meninas estão conseguindo ter uma evolução maior do que a nossa, o que é realmente preocupante”, afirmou Cristiane.
O principal problema dos últimos anos é que o Brasil demorou muito para desenvolver sua liga é uma estrutura no país para o futebol feminino. O Campeonato Brasileiro passou a existir somente em 2013 e ganhou duas divisões somente em 2017.
Na base, a situação é ainda mais agravante. O Brasil não tinha nenhum campeonato nas categorias juniores até 2017, quando foi criado o Paulista sub-17. Só neste ano agora teremos um campeonato nacional dessa categoria, com o Brasileiro sub-18. Sem uma estrutura desenvolvida no país, fica difícil conseguir renovar a seleção e repor as peças que já saíram e as que vão sair à altura.
“Esse ano mesmo a nossa sub-20 está treinando? Então é complicado, você está entendendo? A nossa sub-17 está treinando? Então não adianta você só usar as meninas em ano de Copa pra elas, porque elas vão sentir. E a hora que subir pra adulta vai ter menina que não vai aguentar, não vai conseguir passar. E vai ficar pelo caminho”, alertou Cristiane.
Para se ter ideia, a seleção sub-20 feminina está sem treinador desde setembro do ano passado, quando Doriva Bueno foi demitido após um péssimo desempenho no Mundial. Até agora, não há posicionamento da CBF sobre quem irá assumir os trabalhos nesta categoria – o anúncio será feito após a Copa da França.
Sem trabalho de base, o surgimento de novos talentos fica prejudicado e acaba que quando jogadoras promissoras chegam à principal, muitas vezes ainda precisam de trabalho técnico que deveria ter sido feito antes.
A verdade é que a dificuldade que o Brasil teve para se classificar nesse grupo só reflete o atraso da modalidade no país em comparação com outros lugares do mundo. Isso permitiu que uma Inglaterra, que começou a olhar para o futebol feminino em 2012, já figurasse à frente do Brasil agora. E que a própria Itália, que passou a investir na modalidade há dois anos, já virasse uma ameaça para a seleção nesse cenário.
“Houve mudança radical no mundo todo. De lá pra cá houve grande evolução do futebol italiano. Mas não é só a Itália. A própria a Inglaterra não representava tanto. O Brasil esse ano deu um start interessante, pelo que eu tenho ouvido a repercussão da Copa está sendo muito boa e acho que com as atitudes da CBF e Conmebol, de fazer com que os tines façam o futebol feminino, criando categorias de base e tal, a gente está correndo atrás. Concordo que a gente ficou um pouco pra trás. Mas já aumentou muito o número de atletas em atividade. Campeonatos regionais têm se fortalecido. Está dando um salto esse ano, espero que isso permaneça”, observou Vadão.
A classificação é importante e deve ser comemorada. Mas também precisa servir de alerta para o Brasil abraçar o futebol feminino de vez, criando a estrutura necessária para que as meninas consigam desenvolver o melhor de seu talento. Aliás, como a gente sempre reforça: talento não falta no Brasil, o que falta é estrutura para lapidar isso.