*Aline Pellegrino foi jogadora da seleção brasileira feminina de futebol por oito anos e era a capitã do Brasil na Copa do Mundo de 2007, quando o país disputou a final e ficou com o segundo lugar. Em 2019, como diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol e representante da Conmebol, ela voltou a vivenciar um Mundial de perto e chegou a ter alguns minutos de conversa com as jogadoras da seleção antes da estreia. Aqui, ela descreve às dibradoras como foi essa emoção.
Não posso dizer que sinto falta de estar dentro do campo. Minha função agora é outra, já faz tempo que não estou lá. Mas sinto falta de passar uma energia diferente para elas, um pouco da experiência que acumulei nesses anos todos. O encontro com elas foi algo difícil de descrever.
Todas ali são minhas amigas. Eu, de alguma form,a tive contato com cada uma que estava ali. Seja jogando dentro de campo, algumas atuaram comigo na seleção ou em clubes, seja por amizades em comum, ou pelo convívio do futebol mesmo. O futebol feminino ainda é um universo “pequeno”, vamos dizer assim, todo mundo se conhece.
Até mesmo os profissionais que estavam lá da comissão técnica, eu trabalhei com muitos deles quando era jogadora. O Chef de Cozinha é o mesmo da minha época. Foi fantástico reencontrá-lo ali, ele veio falar comigo todo feliz.
Mas o que pegou mesmo foram os minutos que eu tive com elas. Era pouca coisa, um encontro mais formal da Conmebol, eu como representante da Confederação fui entregar algumas coisas pra elas. Mas nunca dá para ser formal quando você está entre amigas. Muito menos quando você está com amigas que estão prestes a entrar em campo numa Copa do Mundo!
Ali, eu quis tentar passar um pouquinho da minha experiência. Tentar falar o quanto aquele momento significaria na carreira delas. Porque no fundo, é o seguinte: hoje, você está disputando um Mundial, amanhã pode ser que você não tenha mais essa chance. Sabe-se Deus o que elas vão estar fazendo daqui 4 anos, então isso aqui é para jogar como se fosse o maior jogo da sua vida. Não interessa se é a Jamaica ou se é o melhor time do mundo, o empenho tem que ser o mesmo. É como se você nunca mais pudesse viver isso na sua vida. Porque no fundo é isso.
Eu joguei duas Copas do Mundo, cheguei a uma final em uma delas como capitã. Naquele jogo, eu não me arrependo de nada. Confesso que hoje, sabendo a história do futebol feminino, que eu não tinha ideia na época, sabendo que foi algo proibido por tantos anos para as mulheres, talvez só meu discurso de capitã na preleção talvez seria um pouco diferente. Olha o peso que representava aquilo para as mulheres, que foram proibidas de jogar e, naquele dia, estavam disputando uma final de Copa do Mundo. Mas dentro de campo? Eu não me arrependo de nada. Nos entregamos como nunca naquele jogo.
Aí eu joguei em 2011 e até hoje me arrependo daquela m**** de jogo contra os Estados Unidos. Eu lembro daquele jogo e quero morrer. Não consigo entender por que foi assim, daquele jeito. A gente saiu perdendo, empatou, foi para a prorrogação, fizemos 2 a 1 e, nos acréscimos, faltando um minuto para acabar, tomamos aquele fatídico gol da Wambach. Foi para os pênaltis, elas converteram todos, nós perdemos um deles e fomos eliminadas nas quartas. Eu não sei se nós ganharíamos aquela Copa, mas não poderíamos ter perdido aquele jogo.
E é um pouco disso que tentei passar pra elas. Para deixarem tudo dentro de campo, porque não interessa o resultado, o mais importante é você não sair dali com a sensação de que poderia ter feito mais e não fez.
Aí veio a hora do jogo. Eu estava mais nervosa do que costumava ser quando ia entrar em campo. Estreia é sempre estreia, é quase como jogar truco, a primeira mão é a mais importante.
Acho que elas jogaram o jogo da maneira que ele pediu, muita intensidade e vontade no primeiro tempo e começamos da mesma forma o segundo tempo. Só que conseguimos o resultado e a intensidade baixa quase que involuntariamente quando isso acontece, mas ainda assim criamos chances. Daqui pra frente acredito que serão jogos com uma exigência tática maior, precisamos estar atentas.
Mas eu não tive como não extravasar com os gols da Cris. A gente é amiga de verdade, sempre conversamos muito. Ela é um pouco “difícil”, vamos dizer assim, porque se cobra demais, se doa ao máximo, e eu sou uma das pessoas que, independentemente da situação, ela escuta. Eu já tinha mandando uma mensagem pra ela ainda no Brasil dizendo o quanto eu a admirava e o quanto ela era f***. Ela não sabia que eu ia até o hotel, foi uma surpresa. Falamos rápido, mas o suficiente pra eu deixar um pouco da minha chatice com ela. Aí foi fantástico ver os 3 gols…tanto é que eu não aguentei. Quando vi o gol de falta, soltei todos os palavrões que vieram na minha cabeça ao mesmo tempo. P*** que p***, car****, você é f***! Ela precisava demais disso, precisava crescer, chamar o grupo e mostrar que estava ali, que estava de volta. Um dos momentos mais emocionantes, sem dúvida.
A Copa como um todo tem sido muito emocionante, aliás. Para mim, é uma experiência diferente viver isso de fora. Mas o que mais tem me chamado a atenção é o público. As Copas femininas sempre tiveram “padrão FIFA”, rs… muito bem organizadas e e tecnicamente sempre muito fortes.
O público era bom também, mas eu sentia que a maior parte das pessoas que estavam nos estádios, estavam ali meio que como uma obrigação. Nessa Copa isso está totalmente diferente.
Até o momento assisti o jogo de abertura com mais de 45 mil pessoas. Estava frio e elas estavam indo para o estádio com uma alegria, uma empolgação…muitas pessoas tentando conseguir entradas mas estava tudo esgotado.
Não achei que o estádio no jogo contra o Brasil pudesse estar lotado também, mas 17 mil pessoas num estádio de 20 mil é coisa pra caramba. É uma cidade mais longe, onde muitas pessoas não vieram nem de Paris, vieram de outros países para ver o jogo.
Fui também no jogo entre Argentina e Japão, e aí pensei: pronto, agora definitivamente não vai estar cheio. E tinham 25 mil pessoas, torcedores do Japão, da Argentina e muuuitos franceses e outros torcedores pintando os rostos para apadrinhar uma das duas seleções. Isso está sendo realmente incrível, porque mostra o crescimento do futebol feminino e como as pessoas estão abraçando tudo isso.
É só o começo. Essas mudanças vieram para ficar. Não vamos mais retroceder, é olhar pra frente e seguir evoluindo.