Por Juliana Lisboa, de Salvador, para coluna “~dibres com dendê”
Aos 12 anos, Clara Carmo já acumula cinco de experiência com o futebol. Começou a treinar no projeto social de iniciação esportiva no bairro popular onde mora, Fazenda Grande do Retiro, junto com amigos e o primo Raí, dois anos mais velho que ela. Além dela, só mais uma menina, Mônica, se aventura no esporte.
Clara é uma das várias crianças que sonham que o futebol pode dar uma vida melhor para sua família. Ela vive com a avó e precisa ajudar no sustento da família, que consiste, basicamente, na venda de amendoim cozido nas ruas da capital baiana.
Imagine, então, o tamanho do sorriso dela quando descobriu ser uma das quatro crianças selecionadas na peneira do Esporte Clube Bahia. Veja o recorte: ela ficou no Top 4 entre 596 participantes. E ela foi a única menina. Mas mais que a habilidade em campo, ela precisou de jogo de cintura em casa para conseguir essa façanha e driblar a linha dura da avó, Marinalva Santos.
“Eu fui na peneira mas disse pra minha avó que fui para a escolinha de lá da rua. Porque eu sabia que ela não ia deixar. Peguei o ônibus sozinha e fui pro campo do Tejo. Aí depois minha avó viu minhas fotos nas redes sociais e disse pra mim ‘você mentiu, né?’, e eu falei ‘pô, vó, era minha oportunidade de vir treinar no Bahia e eu consegui’, aí ela entendeu”.
Se ela se arrepende de ter mentido? “Valeu a pena”, disse com um sorrisinho maroto. A própria Marinalva concorda. “Ah, valeu sim. Ela é uma menina esforçada, dedicada. Agora tá no Bahia, né? Pode ajudar a gente a mudar de vida”, disse enxugando os olhos. “Se ela continuar se dedicando ela pode chegar onde quiser”, completou.
E Clara sabe bem onde isso é: em ano de Copa do Mundo de futebol feminino, não é estranho para ela pensar em outra coisa que não seja seleção. “É um sonho, né? Uma meta. Quero chegar lá e representar meu país”.
Questionada sobre qual jogadora ela mais gosta, mais uma vez, Clarinha mostrou personalidade. “Formiga”, disparou. “Ela é metida que nem eu, desarma as jogadoras, rouba a bola. Gosto disso”, explicou. E olha que a posição de volante não é a que o observador do Bahia, Adilton França – responsável por selecionar Clara – imagina para a carreira dela. “Eu a vejo como uma meia armadora. Ela tem muita tranquilidade e habilidade na tomada de decisão. Um dos momentos mais importantes pra mim, na peneira, foi quando ela foi cercada por três garotos maiores que ela, em tamanho e em idade, e ela teve a tranquilidade para proteger o corpo com o braço direito e dar um passe limpo com o pé esquerdo. Isso é algo nobre do atleta”, explicou.
Clara acrescentou algumas posições em que pode jogar: “Zagueira, lateral, volante, meia, meia atacante, atacante… E ponta esquerda”. Só a posição de goleira não a agrada muito. “Mas se chamar… A gente vai”, completou aos risos.
Aos 12 anos, Clara pode fazer parte de uma geração diferente, que vai crescer vivendo o futebol de forma mais natural. Ela faz parte de uma geração de meninas que vai ter base. Que vai crescer no esporte sabendo que a modalidade está se consolidando, pouco a pouco, no país. E é no futebol que ela enxerga, um dia, uma vida melhor para ela e sua família. “É levantar a cabeça e saber que a gente pode sair com a vitória”. Em qualquer situação.