Melhor notícia da estreia da seleção feminina na Copa é Cristiane de volta

Foto: Reuters

A seleção brasileira feminina finalmente voltou a vencer. Após nove derrotas consecutivas, o Brasil estreou na Copa do Mundo da França com o pé direito – ou melhor, com o esquerdo de Cristiane. A camisa 11 voltou a jogar com a camisa amarela neste domingo após bastante tempo fora – entre idas e vindas por conta das lesões – e teve uma exibição de gala, com três gols marcados, sendo um deles uma pintura de falta.

Era disso que a seleção brasileira estava precisando. Uma jogadora decisiva na frente, com calma para pensar e tomar as decisões corretas na hora H. A atuação brasileira diante da modesta Jamaica, estreante da Copa do Mundo que figura na 53ª posição no ranking da Fifa não foi primorosa, mas foi suficiente para o Brasil vencer bem e recuperar a confiança. E não dá para negar que Cristiane teve um papel fundamental nisso. A melhor notícia da seleção brasileira neste domingo nem foi a vitória: foi a volta da artilheira.

Cris estava sem vestir essa camisa há quase um ano, esteve na Copa América, mas não pode jogar os torneios amistosos até o fim do ano passado por conta da sequência de lesões que enfrentou. Ainda em 2019, sofreu um problema na panturrilha e ficou fora da She Believes Cup e também dos últimos dois amistosos contra Espanha e Escócia. Ela não esteve em campo em nenhuma dessas 9 derrotas e, como podemos ver, fez bastante falta.

 

Sem Marta nessa estreia e com uma sequência de cortes na seleção brasileira por lesão – a meia-atacante Adriana, a lateral-direita Fabi e a zagueira Erika -, o Brasil precisava de uma líder em campo que diminuísse a afobação das jogadoras pela estreia e tivesse a calma necessária para as finalizações. Foi isso que ela demonstrou o tempo todo no jogo. A maior artilheira da história dos Jogos Olímpicos com 14 gols hoje brilhou também na Copa do Mundo sendo a responsável pelos 3 gols brasileiros. Agora, ela é a vice-artilheira do Brasil no Mundial, com 10 gols marcados (Marta tem 15).

Depressão e dificuldades

Cristiane, acima de tudo, merece demais viver esse momento com a seleção brasileira. A camisa 11 disputa sua última Copa do Mundo – foram quatro antes dessa – e há tempos carrega nas costas o peso de um estigma que muita gente colocou na seleção feminina: aquela “amarelona”. Com certeza, quem repete isso não tem ideia da história dessas mulheres no futebol e não imagina que tudo o que elas conquistaram até aqui está muito acima do que deveria ser exigido delas com tão pouco investimento, quase nenhum incentivo e muito preconceito. É verdade que essa história está começando a mudar agora, mas foram décadas e décadas que essas atletas jogaram bola e foram ignoradas, negligenciadas, esquecidas.

Foto: Reuters

Cristiane fez parte de gerações que sofreram demais com isso. Em 2003, esteve em seu primeiro Mundial ainda muito nova. Em 2004, foi o destaque na campanha da histórica medalha de prata olímpica. Em 2007, de novo viu a equipe brasileira bater na trave, ficando com o vice-campeonato mundial. E esteve em 2008, em mais uma medalha de prata. São conquistas que vieram sem que ela e todas as outras jogadoras tivessem sequer um Campeonato Brasileiro feminino pra jogar – e isso no país do futebol.

A competição só veio a existir em 2013. Cristiane, assim como suas principais colegas de futebol, precisaram sair do Brasil para conseguir sustento com a bola nos pés.

Em 2016, ela foi mais uma vez brilhante na Olimpíada, até que se machucou na goleada do Brasil diante da Suécia na primeira fase. Isso foi um baque para a jogadora, que sonhava com o ouro inédito conquistado em casa. Ela chegou a voltar antes da lesão ter sido totalmente curada, porque queria ajudar o time nas semifinais. Não conseguiu, saiu de campo chorando muito pelo pênalti perdido e achando que ali o futebol tinha acabado.

Perdeu a avó nesse meio tempo e, mergulhada em uma depressão na cidade de Paris, onde representava o PSG, ficou decidida a largar o futebol. Conversando com amigos próximos, ex-técnicos e com o próprio treinador do PSG, ela mudou de ideia. Que bom para todos nós.

O trio Formiga-Cristiane e Marta (Foto: AFP)

Cristiane ainda foi jogar no futebol chinês e teve uma péssima experiência, sofrendo com as lesões e a falta de estrutura na preparação física do time por lá. Voltou ao Brasil para jogar no São Paulo e ficar perto da família – abrindo mão de propostas bem maiores, como do Barcelona e do Lyon – e agora voltou também a ser feliz jogando bola.

Foi ela que articulou o ataque brasileiro hoje, sendo responsável pelas principais chances e também por trazer a tranquilidade do time abrindo o placar no primeiro tempo – perfeito o posicionamento e a cabeçada. Depois, pegou a bola para bater o pênalti, mas também incentivou Andressa Alves a fazê-lo, quando a camisa 7 pediu a bola. Fez mais um gol de artilheira, acreditando na bola e empurrando pra rede. E finalizou com categoria numa cobrança de falta perfeita.

Não poderia ser melhor a volta de Cristiane à seleção. O Brasil ainda apresenta muitos erros defensivos, mas ganhou uma melhora gigantesca no ataque, com menos passes longos, mais bola no chão e movimentação do meio pra frente. Ainda precisa corrigir bastante coisa, mas o principal já veio: a camisa 11 está de volta.

Que contra a Austrália, possamos ter de volta o trio que tanto nos encantou – Marta, Cristiane e Formiga – e também menos erros defensivos para passar menos sufoco. A vitória por um placar elástico era crucial, não só para garantir o saldo, mas também para recuperar a confiança das brasileiras. Indepentendemente dos erros da comissão técnica, a seleção brasileira é forte individualmente e pode chegar longe se acreditarem umas nas outras.

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