Que o futebol feminino tem ganhado espaço e visibilidade por aqui já é sabido. Os campeonatos Paulista e Brasileiro – com série A1 e A2 – cresceram em número de equipes participantes e a divulgação dos jogos e times tem acontecido com frequência, seja nas redes sociais dos clubes, na mídia e até mesmo nas emissoras de televisão.
Tudo começou com uma parceria entre CBF e o Twitter que passou a transmitir um jogo do Brasileirão Feminino por rodada na plataforma. Na sequência, a TV Bandeirantes – canal que historicamente sempre foi apoiador da modalidade – anunciou que transmitirá um jogo do campeonato todo domingo, às 14h. E mais recente, a Rede Vida fechou acordo com a Federação Paulista de Futebol (FPF) para transmitir o Estadual da modalidade.
Mas além do espaço conquistado pelas mulheres em campo, a participação feminina tem ido além das quatro linhas, ocupando cargos que por muito tempo foi negado, como a narração. Tanto o Brasileiro Feminino, quanto o Paulista ganharam transmissões comandadas por mulheres. Na competição nacional, Natália Lara narrou o jogo entre Santos e Flamengo no último sábado, e no estadual, Elaine Trevisan dará voz aos jogos pela Rede Vida.
Importante registrar: teve narração feminina hoje no @BRFeminino no Pacaembu! @natalialaragc arrasando na transmissão da partida entre @SantosFC e @Flamengo pic.twitter.com/j4Vc8Z7ri4
— dibradoras (@dibradoras) May 11, 2019
A voz de uma mulher ao microfone dando o tom das partidas de futebol ainda causa estranhamento em muitas pessoas, mas essa realidade começou a mudar no ano passado quando dois programas incentivaram o aparecimento dessas vozes.
Mulheres ao microfone
Natália Lara e Elaine Trevisan ganharam mais destaque nessa época, participando respectivamente do “Narra quem Sabe” do canal Fox Sports e o “A Narradora Lays” promovido pelo Esporte Interativo. O primeiro, escolheu três nomes para compor a equipe de narradoras da Fox durante a Copa do Mundo na Rússia e o segundo escolheu a voz Vivi Falconi para narrar a semifinal da Champions League entre Real Madrid e Bayern de Munique direto do Santiago Bernabéu.
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Elaine foi finalista do “A Narradora Lays” e, trabalhando na Rede Vida desde 2015, começou a soltar a voz. Em 2017, ela narrou um jogo do Campeonato Brasileiro masculino diretamente do Morumbi pela Rádio Poliesportiva. Na ocasião, jogavam São Paulo x Bahia e, ao lado de Natália Santana e Juliana dos Santos, fez história em uma transmissão 100% feminina – algo que não acontecia desde a década de 70.
Depois de narrar algumas partidas femininas para a FPF que transmitia os jogos via Facebook no ano passado, agora a voz de Elaine poderá ser ouvida pelo público na emissora em que trabalha. A Rede Vida irá transmitir partidas do Paulistão Feminino, aos sábados, a partir das 11h e Elaine enxerga esse momento do futebol feminino com extremo otimismo.
“Acredito que a modalidade passa por um momento de grande visibilidade e que nunca viveu. E não é só isto. O desenvolvimento e atenção das equipes em relação a estrutura física e financeira, formação multidisciplinar, é algo que nunca tinha visto. Acredito que são conquistas que só apontam para um esporte ainda mais sólido”, afirmou ao dibradoras.
Natália Lara tem 25 anos, é formada em Rádio e TV pela Faculdade Cásper Líbero e especializada em Locução e Narração Esportiva pelo SENAC. Entre as mais de 300 inscrições que o programa “Narra quem Sabe” recebeu, seis mulheres foram selecionadas para participar dos treinamentos na emissora. Natália foi uma delas e ao longo de sua trajetória, já narrou o heptacampeonato da Copa América Feminina pela CBF TV e recentemente narrou a final do Paulistão entre Corinthians e São Paulo pela web-rádio Arena Esportes e assim, foi a primeira mulher a realizar esse feito.
No último sábado (11/5), Natália narrou o duelo dos líderes do Brasileirão Feminino, Santos x Flamengo, diretamente do Pacaembu pelo perfil @BRFeminino via Twitter e, para ela, o crescimento do futebol feminino vai continuar acontecendo. “Eu acredito que a tendência é sim continuar crescendo pelo mundo, principalmente pela quantidade de mídias que se mobilizaram pra fazer a cobertura e quantas pessoas temos trabalhando diariamente pra fazer o futebol feminino crescer, coisa que já irreversível, felizmente! Mas acho que todas temos um pouco de medo que aconteça a mesma coisa que nas últimas Olimpíadas, de voltar a ficar em segundo plano após o final da Copa”, afirmou ao blog.
Garimpando informações
Tanto Elaine quanto Natália revelaram que ao fazer narrações de jogos femininos, um fator atrapalha bastante o trabalho delas: a falta de informações sobre as jogadoras. “É muito difícil o acesso (à informação), pois muitos clubes não disponibilizam tantos detalhes como fazem com os elencos masculinos, e por isso precisamos buscar em várias fontes diferentes e tirar o famoso ‘leite de pedra’. Qualquer informação encontrada é importante. Já nas modalidades masculinas, muitas vezes fica até difícil filtrar por conta do excesso”, contou Natália.
Elaine destacou a importância de ter informações extras das jogadoras para compor sua transmissão. “No futebol feminino, algumas atletas ainda estão experimentando as posições. Tem jogadora que atua de atacante ou meia em um time e em outro, com um novo técnico, descobre que é uma boa volante ou ponta. Sem contar que tem jogadora que é mãe, que mora em cidade diferente dos familiares, trabalha em outros ramos fora do futebol. Gosto de conhecer mais a fundo cada história. E em relação a narração, gosto de dar uma temperada com bom humor também, e no feminino rola uma identificação.”
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Outra mulher que marcou presença na transmissão de Santos x Flamengo foi a jornalista Gabriela Nolasco, responsável pela reportagem. “Foi meu primeiro trabalho em campo, e eu fiquei bem nervosa. Já havia feito algumas vezes para algumas rádios mas nada igual falar para a câmera, fiquei bem grata pelo convite e espero que se estenda. O caso da CBF TV com parceria do Twitter é um crescimento entre futebol e jornalismo esportivo feminino, e é maravilhoso ver um investimento amplo de dois seguimentos que se unem”, contou à reportagem.
Gabi também faz parte do Joga Delas, canal esportivo feminino que está no ar há um ano. “O espaço foi criado para produzir conteúdos de qualidade e livremente, uma vez que há perspectivas femininas (dentro e fora de campo), que estão em falta pela baixa inserção desse público no mercado, que agregam para o cenário futebolista, mas passam batidas. Ou seja, unir as mulheres dentro e fora de campo. Estamos aqui para ajudar todas”, afirmou a jornalista que além do conteúdo no site, está fazendo análises dos grupos da Copa do Mundo Feminina por meio de um podcast chamado “A França é Delas”.
Referências e sonhos
Entre as inspirações no jornalismo esportivo, Gabi destaca Glenda Kozlowski e Renata Fan, mas também lembra da norte-americana Doris Burke. “A Glenda é uma inspiração, passa emoção, comecei acompanhar desde a Copa do Mundo 2006, na Alemanha. Ela fala com propriedade e é uma das grandes jornalistas do mundo, comenta desde futebol até o skate. E uma referência mundial é a Doris Burke, primeira mulher a analisar e reportar os jogos de NBA, sem dizer a história fantástica dessa mulher”, revelou.
E assim, mulheres passam a ser influenciadas por mulheres. Natália ainda sonha em narrar os maiores eventos esportivos e revela não ter preferência entre os jogos masculinos e femininos. “Acredito que cada um tem a sua particularidade, e são muito gostosos de se transmitir, mas é sempre extremamente gratificante transmitir futebol feminino e poder exaltar o trabalho das mulheres”, contou.
Elaine também tem objetivos a cumprir que envolvem a modalidade feminina e, quem sabe, possa realizá-los em 2019? “Não é de hoje, não é segredo, e ainda acredito que realizarei esse sonho: narrar a Copa do Mundo de Futebol Feminino. E por que não este ano, né?”
E quando o assunto é referência feminina, Gabi segue o mesmo caminho. “Com tudo, mulheres me inspiram. Ser mulher é batalhar todos os dias por seu direito, por mais que tenha referências, é incrível o espaço que estamos ganhando no meio esportivo. Todas essas pioneiras e referências estão nos dando capacidade de crescimento no jornalismo esportivo feminino e todas são insubstituíveis.”