Por que uma das técnicas mais vencedoras do mundo não pode comandar homens?

Pia Sundhage foi eleita a melhor técnica do mundo em 2012 (Foto: Getty/Fifa)

O técnico Oswaldo Alvarez, mais conhecido como Vadão, chegou ao posto máximo do futebol feminino no Brasil – o comando da seleção brasileira – sem nunca ter comandado uma equipe de mulheres na carreira. Como treinador, ele tem como principais conquistas a Série C do Brasileiro em 1995, o Paranaense em 2000, Torneio Rio-São Paulo em 2001, e o Catarinense em 2013. Tudo isso no futebol masculino. Com esse currículo, ganhou a chance de ser técnico da seleção brasileira de futebol feminino duas vezes (e está indo para a França para disputar sua segunda Copa do Mundo no cargo).

Pia Sundhage é uma das técnicas mais vencedoras do mundo. Ela comandou grandes seleções em três Olimpíadas e chegou a três finais. Venceu em duas delas, 2008 e 2012, com os Estados Unidos – e foi eleita a melhor técnica do mundo em 2012. São dois ouros olímpicos e uma prata – aquela conquistada na Rio-2016, quando era treinadora da Suécia, o time responsável por eliminar a própria seleção brasileira de Vadão na semifinal. O mesmo time que havia sido derrotado pelo Brasil por 5 a 1 na primeira fase. Uma equipe que soube se reinventar.

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Pia demonstra, aliás, esse talento como treinadora: a capacidade de reinventar equipes e fazê-las vitoriosas. Chegou também a um vice-campeonato mundial na Copa de 2011. Mas todas essas conquistas não a credenciaram para comandar uma equipe de futebol masculino. Ela nunca recebeu um convite, uma sondagem. Nem na Suécia, seu país de origem, considerado o quinto melhor país do mundo para igualdade de gênero, nem em qualquer outro lugar do mundo.

Esse é só um exemplo para evidenciar algo que ainda é marcante no futebol. Um homem é sempre considerado “mais capacitado” para trabalhar com a modalidade do que uma mulher. Um currículo mediano no futebol masculino já abre as portas do cargo mais alto que alguém pode alcançar no futebol feminino – isso se a pessoa em questão for um homem. No caso de uma mulher, nem o currículo mais vitorioso traz para ela oportunidades de comandar homens nem mesmo em divisões inferiores.

Quem fala disso é a própria Pia Sundhage, a treinadora que levou a Suécia à medalha de prata da Olimpíada de 2016 e que consagrou os Estados Unidos com dois ouros olímpicos em 2008 e 2012 – a seleção americana tem ainda outros dois ouros conquistados em 1996 e 2004. Ela esteve no Rio de Janeiro na última semana para o Seminário “Somos Futebol” organizado pela CBF e falou às dibradoras sobre os caminhos tortuosos para as mulheres que ousam ser treinadoras.

Pia levou a seleção americana a dois ouros olímpicos, em 2008 e 2012 (Foto: Getty)

“É engraçado porque, na Suécia, por exemplo, se você (homem) jogou no alto nível no futebol masculino, e você se torna técnico e vai treinar um time de futebol feminino, todo mundo diz: ‘Ah, isso é maravilhoso. Que legal que você está abraçando a modalidade’. Mas hoje em dia você não pode fazer o oposto, como uma mulher treinando homens. As expectativas são diferentes. E há um desperdício de boas técnicas se você não cuidar dos dois gêneros, homens e mulheres”, afirmou Pia, que hoje é técnica da seleção sueca sub-17 e atua no desenvolvimento do futebol feminino de seu país.

Mesmo sendo referência absoluta no futebol feminino, Pia Sundhage sequer foi cotada para trabalhar no futebol masculino. Ela hoje ri disso e reconhece que há uma barreira grande do preconceito ainda para ser quebrada pelas mulheres nessa área.

“Muitos jornalistas me perguntam se eu alguma vez recebi uma proposta ou uma sondagem de um time masculino. Nunca. Nem uma vez. E as pessoas perguntam: o que está errado com a Suécia? Porque eu já trabalhei em muitos lugares, em outros países, foram três Jogos Olímpicos consecutivos, finais, mas isso não conta quando se fala em futebol masculino”, disse a treinadora. E um homem sem experiência às vezes vai entrar na sua frente, né?, questionamos. “É…a gente precisa rir disso”, ironizou.

Oportunidades

São poucas as mulheres que, como técnicas tiveram a oportunidade de comandar equipes masculinas. Não à toa, as que conseguem chegar lá viram notícia no mundo inteiro, como foi o caso de Patrizia Panico, ex-jogadora da Itália que, em 2017, assumiu o posto de técnica da seleção italiana sub-16 no masculino; a hoje técnica da seleção francesa de futebol feminino, Corinnee Diacre foi a primeira mulher de seu país a treinar uma equipe profissional masculina, quando assumiu em 2014 o Clermont Foot, que estava na segunda divisão na época. No Brasil, o nome mais falado provavelmente é o de Nilmara Alves, técnica do Manthiqueira, que no ano passado disputou a quarta divisão do Campeonato Paulista.

Comandando seu país de origem, Pia eliminou o Brasil na semifinal da Rio-2016 e foi medalha de prata (Foto: Getty)

E diante da falta de oportunidades até para as mulheres mais experientes nesta área, Pia Sundhage ressalta que o peso fica ainda maior sobre aquelas que conseguem chegar lá, ter uma chance que seja, no futebol masculino.

“A parte engraçada sobre isso é que, vamos pensar que eu tenha a oportunidade de treinar homens. E aí vamos dizer que eu não fosse bem-sucedida. As pessoas diriam: mulheres não podem treinar homens. Eles não diriam: Pia não pode treinar homens. Então é como se eu representasse todas as mulheres do mundo. E isso não é justo”, afirmou.

A grande questão que Pia levanta aqui é que, não importa o quão qualificada uma mulher seja, ela parece que nunca será vista como “boa o suficiente” para comandar homens. Enquanto que quando analisamos o contrário, a exigência que se tem com técnicos homens para comandar mulheres é muito menor. Não se exige nem tanta preparação, nem tantos títulos no currículo.

A treinadora é venerada nos Estados Unidos por tudo o que conquistou com a seleção americana (Foto: Fifa)

“As pessoas me perguntam: quando acha que será a hora para você ou alguma outra treinar times masculinos no alto nível? E eu disse: essa pergunta está errada. Você tem que perguntar se os jogadores estão prontos para uma mulher (no comando). As mulheres já são treinadoras há algum tempo, nós somos boas para fazer isso. Então é sobre a estrutura masculina e se eles seriam ousados o suficiente para serem treinados por uma mulher.”

Para finalizar, a sueca respondeu sobre a possibilidade de um dia comandar a seleção brasileira de futebol feminino. E não escondeu sua empolgação com isso. “Se eu tivesse essa oportunidade, eu ficaria muito orgulhosa se eu recebesse esse convite, claro, e você nunca sabe. É alguma coisa…você pode ver meu sorriso, estou sorrindo”, brincou.

 

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