*Por Juliana Arreguy e Renata Mendonça
Faltam 50 dias para começar a 8ª edição da Copa do Mundo Feminina que acontecerá na França. O Brasil estreará na competição dia 09 de junho contra a Jamaica e na sequência, enfrentará a Austrália no dia 13 e a Itália no dia 18 de junho.
O futebol feminino tem uma história muito recente, que começou oficialmente há apenas três décadas. Veio primeiro com um Mundial não oficial que a Fifa usou de teste para entender se haveria um interesse por uma competição desse tipo. Isso aconteceu depois de um discurso inflamado de uma corajosa norueguesa que tomou a palavra diante dos 150 homens que comandavam o futebol à época.
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Ellen Wille era representante do Comitê das Mulheres da Noruega na reunião de executivos da Fifa, realizada às vésperas da Copa de 1986, no México, e reivindicou atenção ao futebol feminino.
“Eu tive que lutar para tornar o futebol feminino reconhecido na Noruega e eu queria continuar a fazer isso em nível internacional. Então subi no palco do Congresso e falei que o futebol feminino não tinha sido mencionado em nenhum dos documentos apresentados ali. E disse que já era hora das mulheres terem sua própria Copa do Mundo e participarem da Olimpíada no futebol”, disse ela em entrevista ao site da Fifa em 2011.
O pedido refletia décadas de sonhos: o futebol feminino foi, durante anos, proibido no Reino Unido, na Holanda, na Alemanha e no Brasil. Em outros lugares, como a França, elas até podiam jogar, mas eram vetadas de se filiarem à federação local. Já passava da hora de apostar na modalidade e Wille ajudou a alçá-la a um novo patamar.
Fato é que o discurso dela pressionou o brasileiro João Havelange, que comandava a entidade na época, e veio daí o Mundial experimental em 1988 na China, com 12 equipes. Houve um sucesso de público naquela ocasião, e a Fifa definiu então que faria a primeira Copa do Mundo oficial em 1991, no mesmo país em que realizou o teste três anos antes.
Só que ela ainda estava receosa de dar o nome consagrado do torneio masculino para a competição feminina. Então optou por usar a marca do principal patrocinador para batizar o campeonato: estava criada a “M&M’s Cup”, a Copa do Chocolate, para fazermos jus ao nome.
Nada poderia ser mais simbólico – e útil – do que esse patrocínio à época. A iguaria se fez presente na dieta de muitas das jogadoras, que, desacostumadas com o tempero da comida chinesa, recorreram aos chocolates na alimentação. Outras seleções foram mais prepaadas, como a dos Estados Unidos, que se precaveu e levou junto um cozinheiro para preparar as refeições das jogadoras. O curioso é que houve até generosidade por parte delas com as adversárias. As suecas estavam hospedadas no mesmo hotel e acabaram desfrutando dos talentos do chef americano nas refeições.
Os jogos
Mas o mais curioso de tudo nesta primeira Copa foi que a Fifa decidiu fazer algumas mudanças no jogo que ela – ou melhor, eles, homens que comandavam a entidade – julgava necessárias para a adaptação das mulheres. Sendo assim, as partidas não duravam 90 minutos, como as dos homens, e sim 80. A capitã dos Estados Unidos à época, April Heinreichs, ironizou a alteração.
“Eles tinham receio que nossos ovários caíssem se jogássemos 90 minutos”, afirmou ela.
A Fifa reconheceu a imprecisão depois daquele torneio e, a partir de 1995, todas as Copas do Mundo femininas tiveram as mesmas regras das masculinas, com o tempo de jogo em 90 minutos, divididos em dois tempos de 45.
Presente na China em 1991, Pelé ficou tão impressionado com a atuação das mulheres que declarou ao Jornal do Brasil: “Ninguém deve ter vergonha de dar uma bola de futebol a uma menina”.
Seleção brasileira
Enquanto as americanas fizeram uma preparação perfeita para aquele torneio com pelo menos 20 amistosos contra equipes estrangeiras, o Brasil havia passado os últimos três anos sem reunir sua seleção e, durante os meses que antecederam o torneio, só fez dois jogos contra as modestas equipes de Venezuela e Chile. Só essa diferença já dava mostras do que estaria por vir. Mas o começo não foi tão desanimador.
A seleção entrou em campo no seu primeiro Mundial oficial no dia 17 de novembro de 1991 com a presença de 14 mil torcedores – a maioria apoiando as adversárias japonesas. Foi um jogo sofrido, e o Brasil conseguiu marcar seu primeiro e único gol naquela Copa do Mundo com Elane, uma volante que aproveitou o bate-rebate na área para empurrar para o gol. “Um gol chorado”, como descreve Marcia Tafarel, outra representante daquele esquadrão. O time se segurou demais para não tomar o empate, e Meg, a goleira importada da seleção de handebol fechou o gol. Ao final do jogo, as atletas saíram chorando, emocionadas com a vitória.
Só que a partida seguinte era contra os Estados Unidos e aí não houve o que a seleção pudesse fazer em campo para barrar a superioridade das americanas. O exemplo mais simbólico disso talvez tenha sido a cena da lateral Nalvinha, com 1,46m de altura, tentando marcar jogadora americana de quase 1,90m. O jogo terminou 5 a 0 para elas, e a tensão foi tamanha que Rosilene Gomes, chefe de delegação, teve alta na pressão e precisou ser atendida por médicos dentro do Estádio de Punyu.
O Brasil se despediu melancolicamente desse Mundial com a derrota para a Suécia por 2 a 0 no último jogo.
As palavras do repórter Oldenário Touguinho, enviado do Jornal do Brasil à China, resumiram a participação da seleção naquela Copa. “A eliminação do I Campeonato Mundial na China foi apenas o reflexo do atraso do futebol feminino no Brasil. Diante das bem preparadas profissionais norte-americanas e europeias, a seleção brasileira nada mais pode fazer do que lutar muito.”
Final com grande público
Na final entre EUA e Noruega, transmitida só na China, 65 mil pessoas compareceram ao estádio. Vitoriosas por 2 a 1, as americanas conquistaram o primeiro título e encararam outra realidade quando voltaram para casa: foram recepcionadas por apenas três pessoas no aeroporto.
O êxito do torneio tirou os M&M’s da jogada e incluiu um pedido para que o futebol feminino fosse incluído na Olimpíada.
Em campo, além das jogadoras, seis mulheres tiveram seu debut como árbitras e assistentes em Mundiais. A brasileira Claudia de Vasconcelos compôs o primeiro trio de arbitragem feminino e apitou a disputa pelo 3º lugar.