O que você vê quando assiste a esse vídeo de CR7 jogando bola com o filho?

Cristiano Ronaldo postou há alguns dias esse vídeo jogando bola com seu filho Mateo na sala de casa. O garoto nasceu em junho de 2017, tem menos de dois anos de idade, mas já demonstra um apreço pela bola. Não haveria muito como fugir disso, afinal ele é filho de um dos maiores jogadores que o futebol já viu, seis vezes melhor do mundo.

Poderia ser um vídeo como qualquer outro de um pai jogando bola com seu filho na sala. Mas dê o play de novo e tente ver com mais atenção. O que está acontecendo ali, bem atrás de Mateo?

 

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Blessed house ❤️❤️❤️❤️❤️

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A garota que aparece atrás do menino é Eva, irmã gêmea dele e obviamente também filha de Cristiano Ronaldo. Enquanto o pai joga a bola para o filho chutar, a menina espera a bola chegar até o garoto e faz exatamente o mesmo movimento que ele, de chute, só que sem tocar a bola, que está longe dela. Ela faz isso uma, duas, três vezes, enquanto Cristiano incentiva o menino: “Vai, Mateo, força, boa!”.

Sem receber muita atenção, Eva vai para o canto e procura outra coisa para brincar. Pega uma vassourinha e vai se entreter com isso enquanto o atacante da Juventus segue jogando com o filho.

Não parece que Cristiano Ronaldo tenha feito por mal. Ele muito provavelmente nem notou que a filha estava ali imitando o gesto do irmão, dando um sinal de que gostaria também de ter oportunidade de chutar aquela bola para ele. E antes de mais nada, esse texto não é para ser um julgamento, e sim uma reflexão.

Eu poderia fazer uma aposta que todos os homens que estão lendo esse texto tiveram a oportunidade de jogar bola com seus pais na infância. Ou, se não foi com seus pais, provavelmente com seus avôs ou tios. Ou na escola. Mas em algum lugar, vocês homens, quando meninos foram chamados para jogar bola. Mesmo muito, muito cedo, como o menino Mateo, que com menos de 2 anos de idade já está sendo incentivado e ensinado a chutar a bola.

Seguindo a mesma linha, eu apostaria que só uns 10% das mulheres que leem esse texto podem dizer que tiveram a mesma oportunidade na infância. Não há estatísticas oficiais que comprovem isso, mas você pode fazer essa experiência com as pessoas que você conhece. Quantas das mulheres ao seu redor ganharam uma bola ou foram chamadas para brincar com ela pelos pais? E quantos dos homens ao seu redor tiveram essa experiência? Com eles, a porcentagem muito provavelmente será máxima (100%). E com elas, será mínima.

Foto: AFP

Isso não necessariamente acontece por mal. É algo cultural. Futebol é coisa de menino. Isso é o que a gente aprende desde cedo, mesmo que involuntariamente. Menina não gosta de futebol, isso é o que nos repetem todos os dias. E repetem tanto que fazem com que o próprio Cristiano Ronaldo sequer perceba que a filha dele está logo ali, chutando uma bola imaginária, enquanto ele chama apenas o garoto para jogar.

Aconteceu algo similar comigo. Quando eu era criança, mesmo acompanhando todos os jogos de futebol ao lado do meu pai e do meu irmão pela TV, não fui chamada quando eles foram ver uma partida no estádio. Meu pai comprou ingresso para ele e para o meu irmão, só. Saiu de casa e nem me disse para onde estava indo. Quando voltou, ouviu uma bronca enorme. E ele só pode responder: eu não sabia que você iria querer ir. Isso aconteceu apenas por um motivo: porque eu sou menina. E meninas não gostam de futebol, não é isso que a gente ouve o tempo todo?

É interessante perceber que ninguém pergunta para um menino se ele gosta de futebol. Ele nasce e já ganha bola, camisa de time. Quando está aprendendo a andar, o pai já rola a bola para ele chutar. Pode ser que na adolescência ou na juventude ele perca o gosto, pare de jogar, de assistir. Mas é praticamente impossível encontrar um menino de 12, 13 anos de idade que nunca tenha chutado uma bola na vida ou que nunca tenha parado para ver um jogo de futebol na TV.

Com as meninas, acontece o oposto. Porque já se parte do pressuposto que elas não vão gostar de futebol. E aí ninguém apresenta isso para elas. Ninguém rola uma bola para ver se elas querem chutar. Nem mesmo aquele que é seis vezes melhor do mundo. Não passa pela nossa cabeça que uma menina possa, sim, estar esperando uma oportunidade de ser chamada para o jogo.

E mesmo diante de todas essas circunstâncias, ainda há muita menina/mulher que torce e que joga, contrariando a lógica, driblando as adversidades e os “nãos” que encontra pelo caminho.

Hoje, ainda é possível dizer sem medo de errar que as mulheres que se interessam por futebol ainda são minoria. Mas será mesmo que isso se explica por um cromossomo? Por elas serem xx, e não xy como os homens, elas preferem boneca à bola? Para mim, esse vídeo do Cristiano Ronaldo é o melhor exemplo do que separa homens e mulheres nesse interesse: o incentivo; a oportunidade.

Será que se CR7 rolasse a bola para Eva, ela não faria exatamente como irmão? – como, aliás, estava fazendo logo atrás dele?

É sempre tempo de fazer o teste. Ainda podemos todos mudar essa história e chamar a menina para o jogo.

*A reflexão sobre esse vídeo de Cristiano Ronaldo foi proposta numa discussão do III Encontro Internacional sobre Futebol Feminino na América do Sul, que está acontecendo na FGV, no Rio de Janeiro. 

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