A revista France Football divulgou nesta semana o ranking das cinco jogadoras de futebol mais bem pagas do mundo. Premiada seis vezes como melhor jogadora do mundo pela Fifa, Marta ocupa somente a quinta posição na lista, com ganhos de 1,45 milhão por ano. Um ganho considerável para os padrões financeiros do futebol feminino. E ínfimo para um mercado que já rompeu todos os padrões possíveis, como é o do futebol masculino.
O ganho de Marta no ano representa três meses de trabalho de Borja no Palmeiras. Uma comparação que você pode considerar esdrúxula em absolutamente todos os sentidos. Primeiro porque o que o Palmeiras movimenta no ano (faturamento de mais de R$688,5 milhões no ano passado) é muito mais do que qualquer clube de futebol feminino do mundo sonha em movimentar no mesmo período. E segundo (e não menos importante) porque a qualidade da melhor jogadora de todos os tempos é absolutamente impossível de ser comparada com a do colombiano.
E esse, na verdade, é o ponto que levou a esse texto. Porque é óbvio que a realidade do futebol feminino ainda é muito diferente da do futebol masculino. E que os ganhos de Marta, como a única jogadora detentora de seis prêmios da Fifa de melhor do mundo, não chegariam nem perto dos de Lionel Messi, cinco vezes melhor do mundo – segundo a mesma revista, ele chega a faturar 130 milhões de euros por ano (mais de R$ 563 milhões). Mas é de se espantar que a melhor jogadora do mundo ganhe uma quantia ínfima quando comparada com jogadores que podemos considerar “medianos”, que mal titulares são em suas equipes, como é o caso de Borja.
Para tentar explicar as diferenças de mercado e as disparidades financeiras entre os jogadores e as jogadoras, procuramos Erich Beting, uma referência quando o assunto é marketing esportivo e fundador do maior site do país nesse tema, a Máquina do Esporte, há 14 anos.
“A primeira ressalva a se fazer é que a gente está pegando um negócio centenário (futebol masculino) com algo que está começando agora a crescer. Acho que finalmente a gente está tendo um entendimento, até por força da Fifa, do futebol feminino como um negócio. A gente está vendo que tem público querendo consumir. Quando a gente olha marcas como a Nike e a Visa entrando no futebol feminino da Uefa porque as suas concorrentes estão no masculino da Uefa, isso mostra que tem um caminho. A gente vai começar a ver agora o início da transformação do mercado do futebol feminino”, observou o especialista.
Quando se compara a lista das 5 jogadoras mais bem pagas do mundo – que tem Ada Hegerberg, a primeira mulher a ganhar a Bola de Ouro no ano passado, Amandine Henry, e Wendy Renard do Lyon, além da americana Carli Lloyd, que joga no Sky Blue FC -, as diferenças são muito pequenas de uma para a outra. A líder do ranking recebe 400 mil euros no ano, enquanto a segunda colocada fatura 360 mil euros no mesmo período. No masculino, as cifras se diferenciam de milhões em milhões – até dezenas de milhões, aliás.
Mas o que Beting ressalta é que o futebol feminino é hoje um mercado em ascensão. E que Marta, em termos financeiros, provavelmente representará mais ou menos o que foram Leônidas da Silva (chamado “o Diamante Negro” nas décadas de 1930 e 1940) e Arthur Friedenreich (craque absoluto das décadas de 1920 e 1930) para a história do futebol. São fundamentais, mas não colheram tantos louros (financeiramente falando) quanto os que vieram depois deles.
“Em termos financeiros, ela vai ser mais como um Leônidas ou um Friedenreich, e não como o Pelé, que conseguiu sustentar gerações inteiras com o que ganhou no futebol. Marta consegue viver tranquilamente com o que ganha, mas não terá o suficiente para manter gerações. Esse salto provavelmente vai vir daqui uma década”, projetou.
“Se você olhar hoje, a demanda reprimida do futebol feminino é maior do que a do masculino, em todos os aspectos. De querer consumir, querer assistir. A gente está vendo as marcas se mexendo. A gente tem uma década pra começar a ser algo um pouco mais justo. É difícil ser o futebol masculino, porque esse é o esporte mais popular no mundo inteiro, mas dá pra chegar mais perto.”
Negócio do presente e do futuro
Erich Beting cita os exemplos dos grandes públicos que o futebol feminino conseguiu nos últimos meses com clubes da Europa – como os mais de 60 mil torcedores no estádio para um jogo das mulheres do Atlético de Madri, e os 40 mil que foram prestigiar a Juventus – e o investimento recente de grandes clubes e de grandes marcas lá fora para mostrar a transformação que está acontecendo no mercado.
“É um esporte super popular, as pessoas conhecem, e o nível do jogo está cada vez melhor, você tem praticante no mundo todo. Se a gente for pensar, faz só 20, 30 anos que o futebol feminino existe oficialmente, e olha o quanto evoluiu nesse tempo. As marcas já abraçaram em nível global. E o potencial é enorme, porque é um investimento barato que você faz hoje com grande potencial de retorno. Hoje, se eu fosse uma marca, eu iria patrocinar o campeonato de futebol feminino”, observou o especialista em marketing esportivo.
Considerando o mercado atual, é possível ver indícios dessa transformação. As televisões passaram a transmitir jogos femininos na Inglaterra e na Espanha, por exemplo. Na Inglaterra, o banco Barclays já está investindo milhões para patrocinar a Women’s Super League (campeonato inglês de futebol feminino). A Uefa ganhou dois patrocinadores específicos para as competições das mulheres. As duas principais marcas de fornecedoras esportivas do mundo, Nike e Adidas, aproveitaram o ano de Copa do Mundo para lançar pela primeira vez uniformes exclusivamente pensados para as seleções femininas que patrocinam. Os públicos têm se multiplicado em jogos no México, na Espanha, na Itália.
“Para mim, é uma coisa natural, você vai criando engajamento, porque tem torcida e demanda para isso. Aconteceu com as categorias de base, que hoje as pessoas param para assistir, vão aos jogos. E além disso tem uma coisa que a gente tem que entender que é a mudança de geração. A geração está mudando e está pedindo cada vez mais isso”.
Como bom exemplo para “engajar” a torcida, Beting citou os jogos preliminares, como já foi feito no passado com alguns times femininos jogando na prévia das partidas do masculino. Tentamos fazer uma campanha para que o Palmeiras fizesse esse teste no domingo, 7 de abril, levando as jogadoras para jogar no Allianz o clássico contra o São Paulo, programado para acontecer pelo Paulista feminino, antes da semifinal do masculino, contra o mesmo adversário. No entanto, o time alviverde optou por colocar a partida das mulheres em Guarulhos acontecendo no mesmo horário que os homens estarão em campo decidindo a vaga na final. O mesmo clube, dois times, dois clássicos, e o torcedor terá que escolher um para poder ir/acompanhar.
“É muito burro do Palmeiras fazer isso. Seria muito simples fazer no Allianz. Mas eu vejo o Palmeiras como a exceção nesse movimento, porque outros clubes como Corinthians e Santos já têm enxergado o futebol feminino de outra maneira. O Palmeiras vai ficar pra trás. Se você esconder o produto, não tem como vender”, finalizou.