A ESPN americana divulgou nesta semana a sua lista de “atletas mais famosos do mundo”. O ranking é feito todos os anos com três critérios levados em conta pela publicação: popularidade no Google, ganhos com publicidade e seguidores nas redes sociais. Entre os 100 nomes incluídos, apenas 3 mulheres.
São elas (todas tenistas) nessa ordem: Serena Williams, dos Estados Unidos (número 17), Maria Sharapova, da Rússia (número 37) e Sania Mirza, da Índia (número 93). Essa última talvez seja a menos conhecida dos brasileiros, mas ela é muito famosa em seu país e, após o anúncio de sua gravidez com o jogador de críquete Shoaib Malik em abril do ano passado, causou um alvoroço na internet com a hashtag #BabyMirzaMalik.
Pode parecer absurda uma lista que traz 100 nomes dos atletas “mais famosos do mundo” conter apenas três representantes do esporte feminino. Mas a verdade é que, infelizmente, isso reflete exatamente a realidade. E a explicação para isso acontecer é bastante lógica.
A mídia esportiva fala muito pouco sobre mulheres. A imensa maioria das notícias que se encontra em sites especializados na cobertura do esporte fala de homens. Futebol, tênis, lutas, automobilismo, basquete, e tantas outras modalidades – mas com uma coisa em comum: as notícias são sempre sobre OS atletas de todas elas, nunca sobre AS atletas. Consequentemente, levando em consideração o primeiro critério da lista da ESPN (busca no Google), é muito fácil imaginar que serão poucas as menções a mulheres nas pesquisas relacionadas a esporte. Se não falam sobre elas nas notícias e na mídia em geral, o Google não tem como encontrar nada sobre elas mesmo.
O segundo critério é ainda mais óbvio (e segue a mesma lógica). As mulheres no esporte têm ganhos muito menores do que os dos homens com publicidade. Porque se elas têm menos visibilidade/espaço na mídia, é claro que serão menos procuradas por marcas – dado que o interesse das marcas é justamente que o atleta lhes traga visibilidade/espaço na mídia. Sendo assim, os ganhos serão bem menores mesmo.
E o último critério é uma consequência de tudo isso. Se as mulheres no esporte são pouco noticiadas e se elas não se fazem presentes nas propagandas, a lógica é que sejam menos conhecidas pelo público. E sendo menos conhecidas pelo público, terão menos seguidores em suas redes sociais. Não é preciso muito raciocínio para entender essa lógica, certo?
A lógica da fama
Vamos usar nosso exemplo mais gritante: Neymar. O jogador brasileiro de futebol mais famoso do mundo. Ele está em quinto na lista internacional divulgada pela ESPN. Se esse ranking fosse somente do Brasil, Neymar certamente lideraria com muita folga. Basta entrar em qualquer site esportivo em qualquer dia da semana. Eu desafio alguém a encontrar um dia em que não exista nenhuma notícia mencionando o nome dele nessas publicações. Seja porque fez golaço, seja porque machucou, porque saiu com os amigos em Paris, porque deixou de seguir alguém no Instagram, porque beijou sei lá quem no carnaval, etc, etc, etc. Neymar é a notícia por si só, não importa o que faça – isso seguindo os critérios das publicações esportivas brasileiras.
É claro que, para além de tudo isso, Neymar é um grande jogador e se tornou famoso por conta disso, primordialmente. Mas aí vieram as inúmeras notícias, os ganhos com publicidade e os seguidores nas redes sociais. Por ser muito conhecido e por ter muita visibilidade na mídia, nosso camisa 10 é o maior garoto propaganda quiçá do país e isso o torna ainda mais conhecido – o que lhe rende muitos seguidores também. A lógica vai sempre se repetir, independentemente da ordem dos fatores. Isso tudo faz de Neymar o quinto esportista mais famoso do mundo.
Serena Williams é a primeira mulher da lista e não tinha mesmo como fugir disso. É a maior tenista de todos os tempos, com 23 Grand Slams conquistados, que passou recentemente por uma gravidez de risco e voltou a jogar no ano passado. E Serena Williams é daquelas mulheres fortes, questionadoras, então seu nome também sai bastante na mídia, seja para o bem ou para o mal. Então faz todo o sentido ela estar nesse posto do ranking.
Mas além dela, quantas atletas conseguem tamanha visibilidade? Nem Marta, seis vezes considerada a melhor jogadora do mundo pela Fifa, consegue chegar perto dessa lista. Mesmo uma atleta que tem tamanhas conquistas na carreira, que se destaca tanto no futebol, nem mesmo ela consegue chegar perto de um ranking como esse. Por quê?
Cobertura esportiva exclui mulheres
Não é à toa que a lista da ESPN traz 3 mulheres em 100 homens. Três porcento é exatamente a proporção de notícias que saem na mídia esportiva sobre mulheres. Isso não é uma estimativa, isso é um fato que ficou comprovado na pesquisa realizada por Alejandro Daniel Gil-Delgado Martínez para seu trabalho final de pós-graduação em Inteligência de Mercado. Estudando os 11 principais sites esportivos do Brasil por 45 dias (entre 2 de janeiro e 20 de fevereiro de 2019), ele constatou que as notícias relacionadas a atletas mulheres ou a esportes femininos correspondem a 2,8% do total de reportagens publicadas nesses sites ao longo desse período.
Entre os veículos pesquisados, estão: Globoesporte, Uol esporte, Fox Sports Brasil, Espn Brasil, Torcedores.com, portal R7 esportes, Esporte Interativo, Estadão Esportes, IG Esporte, Lance!, Terra Esporte e Gazeta Esportiva. O critério (pensando que existem homes esportivas em formatos distintos) foi considerar as primeiras 50 matérias da home de esportes desses sites, nos 45 dias em que a pesquisa se seguiu. Nesse período, a média de todos eles foi dedicar 2,8% das notícias esportivas a esportes femininos/mulheres.
O “melhor” entre eles foi o Estadão, com 7% de representação feminina nas notícias esportivas, e o Torcedores.com com 6,9%. Os piores foram Esporte Interativo (0,2%) e Fox Sports (0% – absolutamente nenhuma notícia relacionada a mulheres no esporte publicada na home nos 45 dias estudados).
Se a mídia não fala de mulheres no esporte, não há como as marcas se interessarem em patrocinarem atletas ou competições femininas e, consequentemente, haverá um investimento menor para elas. E é claro que elas serão menos conhecidas e, portanto, não atrairão tanto público quanto os esportes masculinos. Não dá para se falar em “meritocracia” do esporte masculino quando não se tem o mesmo ponto de partida para homens e mulheres. Não dá para dizer que esportes femininos não atraem público, quando as pessoas sequer conseguem saber que as atletas existem – dado que só 3% das notícias falam sobre elas.
O pesquisador também estudou algumas publicações internacionais para fazer o comparativo. Na Espanha, analisando o Marca.com por 45 dias, Alejandro encontrou a mesma porcentagem, 2,8% de matérias relacionadas a mulheres. Na França, a publicação escolhida foi a editoria de esportes do L’Equipe, que teve 4,5% de matérias dedicadas a elas. Nos Estados Unidos, a ESPN teve 4,8% das notícias voltadas para o esporte feminino. E na Itália veio o melhor resultado: 8,6% na Gazzetta de lo Sport.
De ponto positivo, fica o fato de que, entre essas notícias esportivas, Alejandro não encontrou nenhuma que fosse sobre “as musas do esporte”, algo que por muito tempo foi comum nos sites de esportes em todo o mundo. “Houve variações de assuntos por sazonalidade dos esportes. No Brasil, as notícias relacionadas a mulheres foram sobre tênis, UFC e vôlei, que eram as coisas que mais estavam acontecendo no momento – o Australian Open deu um boom nisso também. Na Itália, havia uma competição de esqui, e as mulheres são muito fortes lá nessa modalidade, então houve uma atenção maior. Mas as notícias de musas não apareceram”, pontuou em entrevista às dibradoras.
Já é possível dizer que há uma mudança em curso, com a mudança do enfoque das publicações esportivas para as mulheres como atletas, e não como musas. Mas ainda assim, os números mostram o quanto ainda precisamos evoluir rumo à igualdade que tanto buscamos.