Do telemarketing ao motorhome na Copa, o caminho de Bárbara Coelho até a TV

Foto: Divulgação

Quem vê Bárbara Coelho hoje confiante e plena apresentando o Esporte Espetacular, principal programa de esportes do país em rede nacional, dificilmente vai imaginar que esse sonho começou na vida dela da maneira mais genuína possível. Foi numa tarde de futebol no lendário Maracanã quando, ainda na infância, ela olhou para o campo e viu repórteres trabalhando – e viu mulheres nessa função também. O lampejo veio na hora: “tá aí, é isso que eu quero fazer”.

O sonho começou na infância, porque é nessa fase da vida que a gente não tem medo de ousar. De desejar o que parece “impossível” e acreditar que vai acontecer. Ser jornalista esportiva ainda era uma profissão bem distante da realidade das mulheres – mais ainda em Vitória, onde Bárbara cresceu. Lá, a principal rádio da cidade não tinha sequer uma mulher trabalhando no departamento de esportes. E identificando todas essas dificuldades, ela foi traçando seu caminho por uma rota que poderia parecer meio doida, mas para ela fazia sentido.

“Minha história não é melhor ou pior que a de ninguém. Mas eu a respeito muito porque mantém meus pés no chão”, contou a hoje apresentadora, em entrevista ao podcast das dibradoras.

Começou com um “emprego” aos 14 anos porque Bárbara cismou que queria fazer um curso de teatro e os pais não poderiam pagar. Ela, então, se ofereceu para trabalhar em troca das aulas. “Eu sabia que eles precisariam de uma pessoa para responder emails, fazer cadastros, e fui ká pedir emprego”.

Depois, passou por um estágio em um banco como atendente de telemarketing, onde ouviu as maiores grosserias da vida e também de onde tirou muito aprendizado. “Eu trabalhava num 0800 de um banco. Era telemarketing. É engraçado, eu aproveitei muito essa experiência. Porque olhei e falei: isso aqui vai me ajudar a saber lidar com as pessoas. Porque aquilo é tão difícil, tão grosseiro, que eu falei: vai me ajudar a ter paciência, a lidar com pessoas, ver as dificuldades de uma forma diferente”, disse.

Mas tudo isso fazia parte de um roteiro que Bárbara estava seguindo à risca. Ela tinha um objetivo claro na cabeça: ser jornalista esportiva. E os empregos fora dessa área eram apenas alguns desvios para se preparar para o que realmente estava por vir.

 

Sua primeira chance de trabalhar com aquilo que realmente sonhava veio na faculdade, quando bateu, literalmente, com a cara e a coragem, na porta da Rádio Espírito Santo, aquela que não contratava mulheres no esporte, para pedir um emprego. Pediu a vaga, disse que não tinha experiência, ouviu ‘não’. Pediu de novo, disse que sabia que havia vaga porque um conhecido havia saído, ouviu de novo: ‘não’. Insistiu: “Só me deixem vir aqui todo dia. Eu aprendo, faço o trabalho que vocês precisam. Se vocês gostarem, aí vocês me deixam ficar”. Quem adivinha o que aconteceu?

Foi lá na rádio que Bárbara começou a cobrir o dia a dia do futebol local, jogos do campeonato Capixaba e foi tomando ainda mais gosto pela coisa. Foi convidada para estagiar na afiliada da TV Bandeirantes de lá e seguia firme no sonho, mas já sabendo que em breve viria um passo ainda mais ousado rumo a ele: uma Copa do Mundo.

Motorhome na Copa

Considerando que Bárbara tinha 21 anos, mal tinha se formado e sequer tinha emprego garantido, viajar para “cobrir” o Mundial na África do Sul era algo impensável. Ou não. Surgiu a chance de viajar num motorhome com os amigos, sem dinheiro, sem lenço, mas com documento, e ela foi em busca da cobertura esportiva que sonhava.

“Eram só homens indo pra África. Aí fui junto, por conta própria. Vendi meu carro, fiz um projeto de patrocínio, olha que loucura. Visitei as marcas de Vitória para ver se as pessoas me patrocinavam. Só que é óbvio que ninguém quis, só uma marca de colchões. Aí eu entrava ao vivo na rádio e fazia um ‘oferecimento: colchões tal’ e eles me pagavam um dinheirinho, não era nada. Fui na cara e na coragem. Eu era tida de doida, lunática pela galera da faculdade”, explicou.

Foto: Arquivo pessoal

Bárbara voltou da África com aquilo que precisava: história para contar. E com isso ela embarcou em outra viagem, desta vez de ônibus, de Vitória para o Rio de Janeiro, com uma mala e um ventilador, para morar numa república sem ter muito dinheiro para se sustentar. A mãe mal teve coragem de se despedir, tinha medo que a filha nunca conseguisse realizar seu sonho. Mas algo lá no íntimo de Bárbara dava a ela a certeza de que esse era o caminho.

“Eu sempre quis ir trabalhar numa cidade grande. Aí fui para o Rio porque Fluminense e Vasco tinham feito pré-temporada em Vitória e eu tinha conhecido alguns jornalistas e peguei o telefone.  Achava que, por conhecê-los, de repente seria mais fácil ir nos lugares pra pedir emprego”, explicou a apresentadora.

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“Eu almoçava miojo para conseguir jantar um arroz e feijão ou uma carne. Aí um conhecido falou que a Rádio em Caxias estava procurando alguém de esporte, mas não tinha como pagar. O que eu queria daquilo: conseguir carteirinha Acerj pra ir ao Maracanã e conhecer mais pessoas da área. Eu queria poder contar para as pessoas pessoalmente quem eu era e o que eu queria. Depois de um tempo, consegui contato com alguém do Esporte Interativo. Pedi pra fazer um teste, e eles gostaram, mas disseram que não tinha vaga. Aí na semana seguinte eu estava contratada. Eu liguei para casa chorando tanto, de soluçar”, contou.

Mulher no Jornalismo Esportivo

Já trabalhando na área, o caminho foi clareando para Bárbara, que foi acumulando experiências nas emissoras até chegar ao SporTV em 2013. Num intervalo desses de emprego, ela até chegou a atuar no mercado financeiro, mas foi passageiro. Estava na cara e no coração dela que não haveria outro lugar para estar senão no esporte.

Mas foi também no esporte que experimentou algumas das piores coisas da carreira no jornalismo. “A gente sabe que nós, mulheres, temos que nos provar quinhentas vezes. Conseguir trabalhar com esporte é um desafio diário. As pessoas estão sempre desconfiando do seu potencial, da sua capacidade, elas vão sempre desconfiar do porquê você está ali, porque você é loira de olho claro”, afirmou a jornalista.

Foto: Divulgação

O estereótipo da loira de olhos azuis sempre acompanhou Bárbara, que muitas vezes se deixava abalar pela desconfiança dos outros e se cobrava além da conta por um trabalho perfeito, que não seria passível de erros. Nós, mulheres, sabemos que nosso erro pesa mais. E por muito tempo ela carregou esse “peso”. Até decidir deixá-lo para trás e caminhar com muito mais leveza, consciente da sua competência e de que não precisa provar nada para ninguém.

“Não dá para você pagar uma conta porque você é considerada uma pessoa bonita. Eu acho que você não tem que ser classificado como bonito ou feio, preto ou branco, azul ou amarelo, tem que ser classificado como profissional, é isso que eu busco.”

“A gente é desencorajada a dar nossa opinião. Quando você está falando de esporte, se o homem erra, ele se confundiu. Se eu errei, eu sou burra. A gente é ignorante, é burra. Eu passei uma parte grande da minha vida me pressionando muito para acertar. Hoje não, eu trato isso com um pouco mais de naturalidade. Não me pressiono mais, tenho tranquilidade para aceitar erros, porque todo mundo erra, afinal”, observou. 

Integrante do movimento “Deixa Ela Trabalhar” que teve origem em 2018, Bárbara ressalta que tem sentido a mudança no ambiente de trabalho. “Eu tenho trabalhado o feminismo com muita empatia. Porque é tão cultural, está tão enraizado, que as pessoas não percebem essas atitudes. A sociedade foi criada para ser machista, então tenho tentado conversar, trazer assuntos com leveza, para que as pessoas entendam com carinho o nosso lado”, disse.

De tantas andanças até finalmente realizar seu sonho no Jornalismo Esportivo, Bárbara aprendeu que, por maior que fosse o desafio, ele nunca poderia ser intransponível. “Acho que o que mais aprendi foi a ter paciência e ser resiliente. Nem sempre as coisas acontecem no tempo que a gente quer”, pontuou.

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