Nascida em Santo André, a goleira que atualmente veste a camisa do Santos Futebol Clube, está encabeçando uma luta que há muito tempo precisa ser vencida: a profissionalização das jogadoras de futebol. “Já deveria ser considerado profissional, né? A lei trabalhista não distingue gênero. A jornada e os horários que trabalhamos já deveriam contar como profissional, mas não é. Não podemos mais aceitar que meninas, que se dedicam ao futebol, de segunda a segunda, ainda sejam consideradas amadoras”, declarou Thais às dibradoras.
E essa é a realidade do futebol feminino. São raras as atletas que têm registro profissional pela função que exercem. Com a obrigatoriedade da Conmebol, as coisas tendem a melhorar daqui por diante, mas e os anos que foram perdidos?
“Nem metade do tempo que eu joguei, eu tenho de registro (profissional) de carteira assinada. Por isso, fui instruída a pagar por fora a minha própria contribuição, mas não tenho nem 10 anos pagando. No Brasil, só tive contrato de profissional com dois clubes, o São Paulo e recentemente pelo Santos. Se juntar os anos em que joguei nos times nacionais, não tenho nem quatro anos de registro”, revelou a jogadora que também defendeu a seleção brasileira por mais de 10 anos.
Regulamentação da profissão
Thais sempre foi engajada e brigou pela igualdade de gênero – dentro e fora do esporte. Desde 2012 faz parte do Guerreiras Project, que utiliza o futebol como ferramenta de promoção de justiça de gênero e, no começo deste ano, recebeu um convite da FENAPAF (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol) para ser a voz da modalidade feminina e transformar a realidade de tantas mulheres que atuam como amadoras nos gramados do Brasil.
“Já faço parte do Sindicato dos Atletas de Futebol do Município de São Paulo (SIAFMSP) que é um órgão criado por atletas. E recebi o convite da FENAPAF para levar o projeto de regulamentação da profissão para Brasília. Fui recebida na Câmara Federal pelo deputado Fabio Faria (PSD-RN) e decidimos que seria importante votar pela causa”, disse Thaís.
A atleta expôs toda dificuldade do futebol feminino ao deputado e revelou que ele ficou pasmo ao saber, com detalhes, sobre a realidade da profissão. “Não podemos mais aceitar esse tipo de situação porque a carreira de atleta é muito curta e estamos totalmente desamparadas. O próximo passo, agora é formular um projeto de lei para regulamentar a profissão, pensado exclusivamente no futebol feminino. O Fabio gostou muito da iniciativa e eles vão elaborar o projeto com a gente, em conjunto, discutindo os termos. A gente vai fazer barulho!”, contou. Depois de pronto, o projeto será levado para votação no Congresso Nacional.
Juntamente com o sindicato, Thais tem visitado as jogadoras e os clubes femininos para levar informação às atletas sobre direitos trabalhistas e conscientizá-las da importância do profissionalismo. A goleira afirmou que muitas jogadoras não tem ideia de quais são seus direitos, para que serve uma carteira de trabalho e o que a falta de registro profissional pode implicar na carreira delas.
“Estou brigando por algo que não vou desfrutar, mas não estou fazendo por mim, mas sim porque eu não quero que as meninas passem pelo que eu passei. Quero que elas tenham respaldo e possam viver do futebol, fazer uma carreira de verdade e que possam usufruir do que construíram”, reforçou.
Pós-carreira
O futebol faz parte da vida de Thais desde muito cedo. Ela acompanhava o pai nas peladas de final de semana e, ao lado das irmãs, sempre teve a bola como companheira. Deu seus primeiros chutes em um clube do bairro e viu sua vida se transformar quando passou na primeira peneira, aos 14 anos.
Tudo começou no time feminino de aspirantes do São Paulo em 1997, aos 14 anos. A garota, que inicialmente queria ser atacante, jogou por diversos clubes – nacionais e internacionais – em mais de 20 anos de profissão: Clube Atlético Juventus, Palestra de São Bernardo, no italiano Lazio Calcio Femminile, nos espanhóis Sporting Club de Huelva e Levante Unión Deportiva, Corinthians, Bangu, Vitória de Santo Antão, Flamengo, Centro Olímpico, São José e desde 2017 atua pelas Sereias da Vila.
Integrou a Seleção Brasileira de 2006 a 2014. Esteve à frente das redes quando o Brasil foi vice-campeão dos Jogos Pan-Americanos em Guadalajara (2011), e bicampeão sul-americano em 2010 e 2014 no Equador. Em 2011, Thais também disputou a Copa do Mundo na Alemanha.
A jogadora revelou que este deve ser seu último ano como atleta e, depois disso, quer trabalhar na gestão do esporte. “Já fiz diversos cursos de gestão no esporte, entre eles, na Universidade do Futebol e estou tentando fazer o da CBF, mas é complicado poque é caríssimo e não tem nenhuma bolsa para atletas”, afirmou.
Apesar de admitir que tem perfil para ser treinadora, não tem vontade de atuar nessa área. “Tem bastante treinadoras surgindo, mas muitas coisas acontecem nos bastidores. Primeiro porque existem pessoas na gestão do esporte, mas que não gostam e não conhecem o assunto. Então, temos que começar a participar disso, se não a nossa modalidade vai ficar sempre estagnada. Sinto que precisamos de mulheres preparadas trabalhando na gestão.”
Entre as atletas, Thais cita Aline Pellegrino e Rosana como companheiras de luta e com o perfil parecido com o dela. “Eu, Pelle (Aline) e Rosana começamos a carreira juntas no São Paulo. Fizemos o teste e passamos na peneira juntas. A gente fala que o pessoal daquele ano (1997) tem um perfil diferente e mais consciente. Nós que temos um pouco mais de voz ativa, precisamos usar pra fazer a diferença, mesmo que isso traga alguns problemas”, contou.
Sobre a nova geração de atletas, Thais vê coisas positivas e negativas no comportamento das garotas. “Diferente da minha geração, as jogadoras de hoje tem mais consciência, tem a família por perto, sabem que é necessário estudar e elas fazem isso. Mas também vejo que elas reproduzem alguns comportamentos parecidos com os atletas do masculino. Essa coisa de gravar vídeozinho, postar foto em balada, as tatuagens. Elas precisam saber que a profissão exige uma linha de comportamento. Nós temos direitos, mas também temos deveres a cumprir”, salientou.
Formada em Educação Física, Thais segue ativa dentro e fora dos gramados, sonhando e brigando por dias melhores para o futebol feminino. “Não adianta, esse é o meu perfil, sempre fui assim, de brigar por oportunidades mais justas. Se eu vir meninas com melhores condições de trabalho do que eu tive, já fico feliz em deixar o meu legado.”
Ouça o podcast das dibradoras com Thais Picarte pela Central3.