Natália, Laura e agora, Maria Clara. Esses são alguns nomes de garotas entre 9 e 12 anos de idade que foram proibidas de jogarem futebol em campeonatos pelo simples fato de serem meninas.
Como já relatamos aqui inúmeras vezes, a saga para uma menina que sonha ser uma jogadora de futebol é tortuosa e desigual. Locais que incentivam a prática feminina para as crianças são quase inexistentes e, por conta disso, as garotas sempre precisam começar a jogar futebol em escolinhas ao lado dos meninos.
A história mais recente de exclusão vem de São Luiz do Maranhão e a garota proibida, desta vez, é Maria Clara, de 10 anos. A garota treina na escolinha Meninos da Vila SLZ (uma franquia do time santista que ensina futebol para crianças) há cerca de um ano e joga ao lado dos meninos. “A Maria Clara é carismática, tem vida, é uma zagueira nata. Fizemos o convite para jogar na escolinha e ela foi a nossa primeira garota. É a pioneira. Depois dela, vieram outras”, afirmou Alex, diretor da escolinha, às dibradoras.
Daqui duas semanas, acontecerá o Campeonato Maranhense de Futebol 7, na categoria sub-11. A inscrição de Maria Clara foi feita, paga e validada pela Federação da categoria. Mas, no ano passado, uma garota passou pela mesma situação que viria acontecer com Maria Clara. Ela se inscreveu no mesmo torneio e, ainda assim, foi proibida pela Federação Maranhense de Futebol 7 de jogar.
“Me falaram desse caso e pediram para que eu me informasse se isso era regra e estava valendo. Não me avisaram nada quando inscrevi a Maria Clara e eu fui falar com o presidente Waldemir Rocha. E ele me disse que era assim mesmo, reforçou que era proibido. Eu não me conformei. Pedi para que ele abrisse uma exceção, que fosse pioneiro, mas ele me mostrou um trecho do regulamento em que proíbe a interação entre meninos e meninas nos campeonatos”, explicou Alex.
O regulamento consta que existem competições femininas para garotas até 15 anos e acima de 18. Porém, na prática, isso não existe, segundo Alex. “Aqui nunca acontecem, não tem nem rastro deles. Por isso, eles acabam usando argumentos sem fundamentos, somente para barrar a participação da Maria”, contou Alex.
Não contente com a exclusão de Maria Clara, o diretor da escolinha Meninos da Vila começou a fazer uma campanha na internet para que ela possa jogar o campeonato no dia 09 de março. A campanha tem o apoio dos pais da garota e também dos familiares dos garotos que treinam com Maria Clara. “Tem muita gente nos ajudando e isso é muito bom. Vou fazer ela jogar, sim. Estarei lá no dia do campeonato com a minha jogadora”, afirmou Alex.
Carioca, tricolor e boleira desde criança
Maria Clara nasceu no Rio de Janeiro, sempre amou futebol e joga desde muito nova. “Desde pequena eu jogo. Lá no Rio, brincava com os meninos do meu prédio, com meu pai e meu padrinho”, contou a boleira às dibradoras.
O pai de Maria Clara, Marython Oliveira Balby, é maranhense, mas morou no Rio de Janeiro por 20 anos. “Minha empresa cresceu e abriu uma vaga para trabalhar em São Luiz e, diante do cenário atual do Rio, conversei com minha esposa e decidimos mudar para cá”, revelou às dibradoras.
A família está no Maranhão há um ano e Maria Clara sentiu diferença de oportunidades entre as duas cidades quando quis continuar fazendo aquilo que ama: jogar bola. “Aqui, quase não tem meninas jogando futebol, ela sempre é a única. No Rio, já estava mais avançado nesse sentido”, contou o pai.
Até dentro da própria escola a garota precisou ter uma autorização dos pais para jogar futebol. “Ela me contou que quando começou jogar futsal na escola, sentiu preconceito das próprias meninas. Teve uma que se aproximou e falou: ‘você é estranha, só fala de futebol com os meninos’. Eu disse para ela relaxar, que aqui as pessoas ainda tinham em mente que futebol é coisa de menino, mas que isso era bobeira, depois iria ficar normal. E aí, com o tempo, aceitaram, mas tive de assinar um termo de responsabilidade. Achei engraçado, mas assinei sem problemas, não quis dar muita confiança para isso. Em paralelo, fui procurando outro local para ela treinar”, contou Marython.
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Quando morava no Rio de Janeiro, Maria Clara sempre ia ao estádio para ver os jogos do Fluminense. “Sempre que eu ia ao Maracanã, meu time ganhava”, afirmou a jogadora às dibradoras que tem como ídolos os zagueiros Thiago Silva e Digão. “Ah, eu também gosto muito do Neymar, do Coutinho e do Pedrinho. E da Marta, claro!”, disse.
Segundo Marython, sua filha está tranquila e encarando numa boa o que está acontecendo, mas a ansiedade dela é grande. “Ela tá reagindo bem, mas fica perguntando a todo momento se o presidente (da Federação) já viu os apelos e se já deixou ela jogar.”
O pai também frisa que trata o assunto com leveza e que incentiva sua filha a não ligar para isso e seguir jogando. “Não tem nenhuma pressão. Falo que isso é um caso a parte. Digo pra ela continuar jogando futebol e que novos campeonatos virão. Ela buscou a vaga dela no time, hoje é zagueira titular e muito respeitada pelos meninos. Esse preconceito não vem deles, são apenas crianças”, revelou.
É claro que Maria Clara seguirá em frente, jogando e fazendo sua parte. Mas também é preciso que as Federações e Confederações não excluam uma criança da prática esportiva.
O futebol feminino precisa ser incentivado e acessível, essa é a maior causa do baixo interesse das meninas pelo esporte. Se ainda não há opções de locais para as meninas jogarem e se não há torneios femininos, não é justo simplesmente excluir uma criança que treina, que joga e que ama o esporte tanto quanto os meninos de um campeonato.
Os regulamentos dos campeonatos vetam a participação de garotas nos torneios pelo simples fato de serem garotas, sem ao menos entender que, nesta idade, não há disparidade física entre meninos e meninas, conforme estudos comprovam. Por isso, desde cedo, as garotas começam a enfrentar barreiras que irão acompanhá-las pelo resto da vida.
Não pode ser assim, não faz sentido esse tipo de segregação. Por isso, fica aqui o nosso apelo: DEIXEM MARIA CLARA JOGAR!
ATUALIZAÇÃO: A Federação Maranhense de Futebol 7 e a Confederação Brasileira de Futebol 7 (CBF7) emitiram seus posicionamentos no último domingo (24/2) sobre o caso de Maria Clara e, por fim, decidiram permitir a participação da garota no Campeonato Maranhense de de Futebol 7, na categoria sub-11.