*Por Renata Mendonça e Roberta Nina
Marta Vieira da Silva, aquela que é chamada por muitos de “a maior jogadora de futebol de todos os tempos”, completa nesta terça-feira 33 anos de idade. Tem gente que brinca no futebol com as datas de nascimento de ídolos de alguns clubes dizendo que “é Natal” quando se comemora o aniversário de alguém tão importante para a história do time – um comparativo com o aniversário de “Deus”. E não seria exagero dizer que o aniversário dessa camisa 10 da seleção brasileira é o Natal do futebol feminino no Brasil.
Não é que não tenham existido grandes jogadoras que vieram antes dela. Sissi, por exemplo, foi das maiores craques que os campos deste mundo já viram. Formiga foi e ainda é (para nossa sorte) um gênio do futebol, a que mais vimos atuar com a amarelinha. Mas é que Marta foi quem trouxe os holofotes a esse esporte para que hoje pudéssemos contar as histórias de quem veio antes e de quem virá depois dela. Antes dessa pequena craque de apenas 1,62m, pouco se ouvia falar sobre mulheres jogando futebol. Quase nada se sabia da existência de uma seleção feminina. O futebol feminino era praticamente invisível.
Aí veio aquela que hoje é conhecida como Rainha rabiscando os gramados com a bola no pé, driblando as adversárias e o preconceito, calando aqueles que diziam que “futebol não é coisa para menina”, conquistando títulos e o reconhecimento internacional tão merecido, que não poderia ser ignorado em sua terra de origem.
Marta colocou o futebol feminino no mapa. Ela virou a referência que tantas meninas buscavam para poderem sonhar com a bola. Quando elas ouvem o suspiro do preconceito tentando impedi-las de seguir com aquela frase típica: “Onde já se viu menina jogando futebol?”. A resposta já vem na ponta da língua: Marta. Marta. Marta. Marta. Marta. Marta. Com seis prêmios de melhor jogadora do mundo, ela é a maior vencedora da história do troféu – então quem aí teria coragem de dizer que mulher não sabe jogar bola?
“A Marta representa muito para mim, é uma inspiração. Ela é a melhor jogadora que eu já vi jogar. Quando eu crescer, quero ser igual a ela”, essas são as palavra da Natália, garota de 9 anos que acaba de ingressar na categoria sub-10 do Avaí alimentando o sonho de ser jogadora de futebol.
Mesmo com tão pouca idade, Nati já vivenciou bastante o preconceito que garotas sofrem por quererem jogar bola. Ela foi proibida de fazer peneira em um clube por ser menina, já foi proibida de jogar em campeonato por ser menina, mas persistiu até conseguir seu espaço com muita insistência (e mérito) no Avaí. Só que isso tem muito a ver também com as portas que já foram abertas por Marta lá atrás.
Ela que 20 anos atrás se via solitária em Dois Riachos, como a única menina a jogar no meio dos meninos, sofrendo com os comentários maldosos dos moradores e com o preconceito dos treinadores das equipes da região, que a proibiram de jogar um torneio com os meninos.
“Use isso para lutar, Marta. Lute para provar que todo mundo está errado – todo mundo que pensa que não há lugar para garotas no campo de futebol. Lute contra o preconceito. Lute contra a falta de apoio. Lute contra tudo isso – os meninos, as pessoas que dizem que você não pode. (…)E o futebol será a tua saída, o teu caminho para o sucesso, para felicidade. Não tem sido fácil, mas, acredite em mim, as coisas vão mudar”, foi como relatou a camisa 10 em uma carta escrita para si mesma aos 14 anos, a idade que tinha quando resolveu apostar no futebol, mesmo quando não havia qualquer perspectiva aparente nele (ao menos para as mulheres).
Marta não “tinha” referência no futebol feminino, simplesmente porque naquela época ninguém falava da modalidade. Ela subiu num ônibus para viajar por dias até o Rio de Janeiro alimentando um sonho que mais parecia utopia na época. Mulher ganhar a vida jogando bola era algo surreal naquele contexto em que mal havia um Campeonato Brasileiro decente para jogar. Hoje, ela tornou esse sonho uma possibilidade real para milhares e até milhões de meninas que se espalham pelos campos e quadras por aí.
Como é o caso de Laura Pigatin, uma garota que há 3 anos, quando tinha 12, foi impedida de jogar um torneio quando ele já estava em curso, porque a organização alegou que a competição era apenas para meninos. A garota insistiu, conseguiu autorização para jogar e hoje conseguiu seu espaço entre as mulheres e faz parte do elenco da Ferroviária no sub-17 feminino.
“A história de luta da Marta me faz continuar toda vez que encontro mais um obstáculo. Como o de não poder jogar algum campeonato pelo simples fato de ser menina. Nessas horas lembro que ela passou por tudo isso e venceu. E se tornou a maior jogadora de todos os tempos, então isso me incentiva a continuar”, disse às dibradoras.
O preconceito com o futebol feminino não acabou, mas Marta trouxe visibilidade e respeito para a modalidade. E se hoje existem tantas meninas querendo jogar e buscando isso cada vez mais cedo, ela tem muito a ver com isso. Surgem escolinhas de futebol só para garotas, clubes aceitando meninas cada vez mais cedo, e multiplicam-se as mini “dibradoras” quebrando as barreiras no futebol.
Como foi com Natália, a única menina entre os 800 jogadores de um campeonato em Santa Catarina. Com a Jujugol, que com 8 anos se tornou a primeira menina a disputar uma competição oficial da Federação de Futsal do Rio de Janeiro. Com a Laura, que superou a tentativa de barrá-la da competição; com a Maria Peck que foi a única menina a jogar na base do Nova Iguaçu; com a Luísa Fontes, hoje camisa 10 do Centro Olímpico e capitã do time, que já tem alguns títulos na carreira, mas tem outro objetivo, também inspirado em Marta: o de abrir portas para mais meninas no futebol.
Confira em nosso post no Instagram os depoimentos de jovens atletas que se inspiram na história da maior jogadora de todos os tempos.
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Por essas e outras, não são só os títulos que fazem de Marta a maior jogadora de todos os tempos. É, principalmente, o caminho que ela traçou para as mulheres no futebol. Se antes havia um abismo entre a menina e o sonho de jogar bola, hoje já existe uma ponte conectando uma à outra – e é preciso agradecer Marta por isso. A mulher que uniu a luta das que a precederam e levou o futebol para além das fronteiras do preconceito. Há 33 anos, ela nascia predestinada para mudar de vez a história desse esporte. Parabéns, Marta! Sua persistência multiplicou sonhos e fez da bola um futuro possível também para as meninas.