*Por Juliana Lisboa, para a coluna ~dibres com dendê
No dia 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, o Bahia lançou mais uma ação de cunho social ao divulgar que o clube daria a opção para que torcedores e funcionários trans pudessem adotar o nome social. Ao fazer isso, o tricolor reforçou a ideia de que quer ser reconhecido como o clube mais popular, democrático e social do país: desde o ano passado, o Bahia tem apostado em projetos didáticos, como campanhas educativas, e práticos, como a criação de uma categoria do plano de sócios – de número limitado – para torcedores de baixa renda, chamado Bermuda e Camiseta.
Mas será que o discurso corresponde à prática?
Já está começando. Vale pontuar que o Bahia tem, sim um funcionário trans, Pietro Akin, contratado no final do ano passado. Além da ação nas redes sociais, o clube organizou um treinamento interno entre os funcionários com a ativista trans, graduanda em Direito e pesquisadora em Diálogos de Gênero e Sexualidade, Sellena Oliveira Ramos, para aproximar o tema da realidade do tricolor.
Segundo Sellena, o treinamento foi tranquilo, apesar de pouco movimentado. “A sala não estava muito cheia, para falar a verdade. Mas todo mundo que foi se mostrou interessado em aprender, ou, no mínimo, respeitou a minha fala”, disse. O respeito se manteve mesmo quando a palestra passeou por temas mais polêmicos, como o uso do banheiro por pessoas trans.
“Eu quis ser o mais didática possível, até levei uma plaquinha, e eles gostaram! O banheiro ainda é segregado por gênero. Mas será que é realmente ilícito você usar o banheiro com o qual você se identifica? Estamos em 2019 e ainda discutimos sobre banheiro, sobre as pessoas poderem fazer xixi, cocô, suas necessidades em paz. Eu entendo que o medo do abuso, do assédio, existe. Mas precisamos parar de associar mau-caratismo com gênero e orientação sexual, porque assédio pode acontecer em qualquer lugar por qualquer tipo de pessoa”, acrescentou.
Para Sellena, ações como essa do Bahia, que extrapolam o discurso de militância, ajudam a desconstruir uma cultura de preconceito que ainda está muito forte no futebol. Algo que o próprio Pietro, funcionário do clube, concorda, e acredita que pode ser o início de uma mudança na cultura do esporte.”Olha, é um avanço importante dentro de um meio tão machista e LGBTfóbico. Não vejo como um favor, nem nada disso. Respeito é algo básico! Não violentar alguém não deveria ser algo a ser aplaudido, mas ainda é. Sabemos que existe toda uma cultura que perpetua esse tipo de conservadorismo e o futebol concentra esses preconceitos de um jeito muito intenso. Então o Bahia agir dessa forma pioneira, servindo de exemplo para todos os outros, não somente no futebol, é algo que agrega, sim” disse.
Chama atenção que essa iniciativa venha justamente de um time do Nordeste, região brasileira onde o machismo e o conservadorismo ainda se refletem em hábitos e costumes. E essa não é a primeira vez que o clube se posiciona sobre bandeiras sociais.
De acordo com Tiago César, que faz parte do Núcleo de Ações Afirmativas (NAA) do Bahia, a ideia é que toda pauta vire um projeto interno dentro do clube. “No Novembro Negro, por exemplo, nós entregamos aos jogadores uma pequena biografia dos heróis e heroínas que eles estavam representando com as camisas. Isso foi bastante educativo, porque muitos deles nunca tinham ouvido falar dessas pessoas. E alguns se emocionaram profundamente.”
Tiago tem experiência no assunto: ele trabalha na gestão da Faculdade Baiana de Direito justamente com ações institucionais voltadas à diversidade de gênero no ambiente acadêmico. E foi graças a essas experiências que o NAA conseguiu chegar no seu primeiro funcionário trans: um torcedor do Bahia que atende a todos os pré-requisitos para trabalhar no clube – um deles, claro, é ser tricolor.
Sobre as medidas educativas, Tiago acredita que estão surtindo efeito e já vê a torcida mais consciente. “A gente percebeu, desde que começamos com as pautas afirmativas, as reações negativas diminuíram muito. Tanto que dessa última, que foi um tema já bastante vanguarda, tivemos poucas críticas”.
Tudo bem que o momento está bom para o Bahia: a torcida está feliz com as contratações e confiante das promessas e projetos da atual diretoria para o ano. “Mesmo assim, acho que o Bahia está dando um passo importante e inovador em relação a essas pautas porque está contemplando fatias da sua torcida que até então não se sentia representada, ou mesmo segura para torcer pelo time na arquibancada”, disse.
Se por um lado a torcida do Bahia está se mostrando mais acolhedora às minorias nas redes sociais, nas arquibancadas as coisas acontecem mais devagar, e a ausência da diversidade ainda é notada. Apesar de ser torcedora do Bahia, Sellena nunca foi à Fonte Nova em dia de jogo. O motivo? Medo.
“Tenho um irmão autista que é louco por futebol, pelo Bahia, e sempre pedia para que eu o levasse ao estádio. Mas eu nunca fiz por medo de transfobia, de sofrer algum tipo de preconceito institucional. Era um espaço distante da minha realidade”, lamenta. “Mas hoje eu vejo várias amigas minhas travestis ocupando esse espaço, alguns homens trans também, felizes em se sentirem livres para poderem acessar o estádio”, ponderou, deixando em aberto o dia em que vai à Fonte Nova como torcedora.
Para quem acha que essa aposta em pautas afirmativas não se traduz em identificação, é bom deixar a mente aberta. Agora que está trabalhando na loja do Esquadrão na Fonte Nova, um dos projetos que mais deu orgulho à torcida, Pietro começou a viver o esporte de outra forma, mais de perto. “Passo pelo estádio algumas vezes e está incrível (a caracterização da arena com símbolos do Bahia). É impossível passar por lá e não ficar admirado. Cada pedacinho daquilo ali transpira amor pelo futebol”, disse. “Não acompanhava e nem curtia futebol, estou começando a curtir agora”.