Não faz muito tempo que Alessandra Xavier desfilava o melhor do seu futebol nos campos do interior de São Paulo – quando havia campo para jogar, é verdade -, sonhando em um dia poder vestir a 10 de Marta na seleção brasileira. Como jogadora do XV de Piracicaba, ela vivia na pele as dificuldades da falta de estrutura e oportunidades do futebol feminino, mas não conseguia deixar de lado a paixão pela bola.
No Jornalismo, foi onde encontrou a profissão que a poderia manter mais próxima dos gramados, mesmo sem efetivamente estar neles. Estagiou na Globo, foi produtora por lá e também “vídeo-maker” do Globoesporte, mas a oportunidade que faria seus olhos brilharem ainda estava por vir: uma vaga no canal Desimpedidos, o maior canal brasileiro de futebol do Youtube (com mais de 6,9 milhões de inscritos).
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A chance, na verdade, não veio, mas foi criada por ela. Em 2017, o Desimpedidos abriu um processo seletivo online para selecionar o “muleke da base”, e Alê achou que não faria mal algum se tentasse a vaga como a “muleka da base”, afinal já foi-se o tempo em que futebol era coisa só para homens.
No vídeo, Alê já mostrava sua habilidade com a bola nos pés acertando o balde no ângulo do gol – algo que ela admite ter demorado um tempo pra conseguir. “Cara, eu fiz três tentativas que não deram certo. Aí na quarta, falei: é só mais essa, se não der, não deu. E aí consegui”, contou às dibradoras.
A ousadia da “muleka” no vídeo chamou a atenção dos selecionadores, que levaram Alê para ser finalista do processo ao lado de outros quatro homens. “Muita gente mandou vídeo, e eles escolheram 5 para participar da fase final. A última prova era gravar um programa deles, e eu fiquei com ‘Fred + 10’, mas eu não fui bem. Aí realmente eu não ganhei”, relatou.
Só que o vídeo de Alê – que, inclusive, tinha uma paródia da música “Você partiu meu coração”, de Nego do Borel, Anitta e Wesley Safadão, com a letra “Desimpedidos mais um homem não, posso acabar com esse problema…” – colocou uma pulga na orelha dos responsáveis pelo canal, que decidiram chamá-la logo depois do fim do processo seletivo. Assim, em maio de 2017, Alê se tornou a primeira mulher entre os apresentadores do Desimpedidos e ganhou a chance de viver coisas que ela nunca imaginaria. De certa forma, ali ela pode efetivamente realizar alguns dos sonhos que tinha como menina aspirante a jogadora de futebol.
“Eu gostava muito de trabalhar na Globo, mas querendo ou não com o Desimpedidos eu fico mais perto da bola. Eu posso jogar nos estádios, com os jogadores, isso é sensacional”, relata.
É bem verdade que, como apresentadora do Desimpedidos, ela já jogou em mais estádios “lendários” do que muita jogadora por aí. Já entraram para a lista, em menos de dois anos, Allianz Parque, Morumbi, Pacaembu, Mineirão, Arena Corinthians, Maracanã e até o Camp Nou, em Barcelona.
Sem contar as lendas do futebol com quem Alê já teve a chance de tabelar: Kaká (seu chefe no Desimpedidos), Cafú, Denilson, Caio Ribeiro, Djalminha – e teve até uma parceria com Ronaldinho Gaúcho naquele que foi seu gol mais comemorado da carreira. “A galera falou: pô, você pegou esquisito na bola, quase perdeu. Eu só falo: cara, você já fez um gol jogando com o Ronaldinho? Eu já”, brinca.
Essa foi outra ousadia que teve na sua jornada no Desimpedidos. Alê estava escalada para “cobrir” o jogo do Ronaldinho Gaúcho, em que Fred, o apresentador principal do canal, estaria em campo com ele. Mas calhou que Fred ficou doente no dia do jogo e não pode ir. “Ele me deu uma missão para o vídeo, que era chegar perto do Ronaldinho e conseguir autógrafo na camisa. Mas eu, como quem não quer nada, levei meu kit boleira para a gravação”, conta.
Ocorre que havia um uniforme personalizado para o Fred, e Alê acabou conseguindo entrar no vestiário com a pulseira designada para ele. A partir daí, chegou perto do Ronaldinho e garantiu a assinatura. “Aí eu falei: vou dificultar minha missão, vou tentar jogar com ele”. Ela não só conseguiu entrar em campo, como aproveitou a oportunidade e fez um gol.
“Quando eu ia entrar em campo, o cara falou que ainda não era a hora, aí eu disse: não, não, me falaram que é agora. Mentira, ninguém tinha me falado nada. Aí eu fui e a única bola que o cara tocou pra mim, o Ronaldinho estava do meu lado. Aí aproveitei e fiz o gol”, contou.
Paixão desde cedo
A relação da Alê com o futebol começou de uma maneira muito natural, incentivada pelo pai, que era goleiro de um time de várzea em Piracicaba. Ele levava a pequena junto para os jogos no sábado, e a menina era quem treinava o pai, chutando no gol. “Eu era bem pequena, tinha uns 4 anos e aí ficava brincando”, disse.
Mas o pai até que era exigente com a garota para ensiná-la os primeiros passos no futebol. “A primeira bola que eu ganhei foi quando meu pai apostou comigo: você não faz 50 embaixadinhas. Eu peguei a bola na loja e fiz. Aí ele teve que comprar para mim” – uma cena que hoje ela descreve aos risos.
A mãe até tentou persuadir Alê para trocar o futebol pelo balet, mas a garota acabou sendo expulsa da aula de dança. Não teve outra alternativa, e ela investiu na carreira até a maioridade. Quando chegou a hora de definir entre faculdade ou bola, pela falta de perspectiva que o futebol oferecia, Alê acabou optando pelo caminho universitário.
Só que essa conexão dela com o futebol feminino nunca ficou para trás e, hoje em dia, no trabalho com o Desimpedidos, Alê sempre tenta trazer o tema à tona nos vídeos.
“Eu sempre tento trazer o futebol feminino para dentro do canal para dar mais visibilidade e mostrar para a nossa audiência como a modalidade realmente é – como no caso do Desimpedidos em Campo, que mostramos jogo feminino que não aconteceu, meninas que precisam levar comida e almoçar no ônibus, times que foram formados dias antes dos jogos. Bastante gente comenta que o futebol feminino precisa de visibilidade e nós estamos dando. E devagar a gente vai fazendo com que as pessoas se acostumem e respeitem cada vez mais a modalidade”, afirmou.
‘Supercopa das minas’
Uma novidade interessante levada ao canal por Alê, após uma sugestão do também apresentador Chicungunha, foi a “Supercopa das minas”, um campeonato reunindo youtubers, jornalistas, jogadoras e ex-jogadoras. O formato é similar ao que acontece já tradicionalmente na Supercopa dos Desimpedidos, mas com o diferencial de contar apenas com mulheres.
“A gente queria que o nível técnico da Supercopa das Mina fosse melhor do que da Supercopa que já temos no canal. Antes de começar a convidar as meninas, decidimos fechar as participantes em youtubers, jornalistas, ex-jogadoras e jogadoras para conseguir alcançar o nível que esperávamos. E deu certo”, contou Alê.
Foram ao ar por enquanto dois episódios da Supercopa, sendo um deles a apresentação do torneio e o sorteio dos times, que contou com a participação das ex-jogadoras Aline Calandrini e Milene Domingues, e o outro o primeiro confronto: Bayern de Munique x Juventus.
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A repercussão por enquanto tem sido muito positiva, segundo Alê. “Os comentários nos vídeos têm sido muito positivos. Nossa audiência está gostando bastante. Para os dois vídeos publicados, conseguimos alcançar a aba “Em Alta” do Youtube, que é quando o seu vídeo recebe destaque dentro da plataforma por uma série de considerações especiais do YouTube. Estando no “Em Alta”, nosso vídeo pode atingir mais gente e, assim, mostrar mais ainda o conteúdo, que, no caso, é o futebol feminino”, explicou.
Se um dia Alê Xavier apostou no jornalismo esportivo inspirada pela apresentadora Glenda Kozlowski, ao vê-la falando de futebol no Esporte Espetacular, hoje é ela quem inspira milhões de meninas a buscarem seu espaço no esporte e/ou no jornalismo – seja na TV ou no Youtube.