Pabllo Vittar no São Paulo? Como uma contratação mostrou o pior do futebol

Foto: Divulgação SPFC

Nos últimos dias, os rumores (confirmados nesta quarta-feira) da contratação do atacante do Atlético Paranaense Pablo pelo São Paulo geraram diversos memes por parte de torcedores rivais na internet. A “graça” da vez era dizer que, na verdade, o Tricolor paulista estaria contratando a cantora drag queen e homossexual Pabllo Vittar como reforço para 2019.

Sigo lendo esses comentários nas redes sociais e procurando a graça. “São Paulo acaba de fechar com Pablo. Pabllo Vittar será apresentado ainda nesta semana no Morumbi após exame de próstata”, dizia um deles. “Pabllo Vittar no São Paulo, vai dar muito certo”, foi outro. “Pabllo Vittar é a cara do São Paulo”, resumiu mais um.

Vamos tentar entender a lógica do que tanta gente acredita ser engraçado. Pabllo Vittar já disse preferir ser chamada com artigo feminino “a cantora” (porque sua personagem quando se apresenta nos palcos é uma drag queen) e se define sexualmente como “menino gay, que faz drag e se relaciona com homens gays“. O São Paulo é um clube de futebol que os rivais insistem em alcunhar “bambi”, como se isso fosse depreciativo. Sendo assim, o clube “dos bambis” estaria contratando um “cantor gay” como reforço para 2019, ou seja, nada poderia ser tão engraçado, não é mesmo?

Aí quando a gente diz que isso não é piada, que isso é preconceituoso e é ultrapassado, vão dizer que o futebol está ficando chato. Chato, na verdade, é ter de explicar por que isso não cabe mais em 2018 – quase 2019, por assim dizer.

Primeiramente, é preciso pontuar que orientação sexual não diz respeito a ninguém além de você mesmo (a). Se Pabllo Vittar é gay, se seu vizinho é gay, sua colega de trabalho, o time de futebol do seu prédio ou mesmo se o São Paulo Futebol Clube tiver algum jogador ou funcionário gay, isso não deveria ser motivo de preocupação para você, para mim, ou qualquer outra pessoa. Da mesma maneira que não rotulamos um cantor, jogador, clube como “hétero”, não deveríamos rotulá-los como gays.

Para além disso, ser homossexual não é ofensa. Não existe “xingar” alguém de gay, pura e simplesmente porque isso não é xingamento, não é ofensivo, não é depreciativo – e também não é engraçado. Ser gay ou ser hétero é apenas a orientação sexual de uma pessoa, mais uma característica que ela tem, e não algo que a faz melhor ou pior do que ninguém.

O futebol por muito tempo foi racista (com clubes proibindo atletas negros de vestirem suas camisas nas primeiras décadas do século XX) e ainda guarda resquícios disso; por muito tempo foi e continua sendo machista (mulheres foram proibidas de jogar de 1941 a 1979 e até hoje são vetadas de certas funções em torcidas organizadas); e hoje é predominantemente homofóbico. Os gritos de “bicha” tão fortemente repetidos nas arquibancadas paulistas no momento em que o goleiro bate o tiro de meta não nos deixam mentir. No futebol, ser homossexual é proibido.

Isso fica evidente quando se conversa com torcedores gays ou torcedoras lésbicas que afirmam não ter coragem de beijar um namorado(a) ou entrar de mãos dadas no estádio por medo da represália que podem sofrer. No futebol, a homofobia sempre foi liberada e foi a forma encontrada para as torcidas se “ofenderem” umas às outras. Lembro quando a torcida do Corinthians levou purpurina no Morumbi para “fazer piada” com os são-paulinos. Esses que também chegaram à Arena Corinthians um dia com uma faixa “Gayvotas da Fiel”.

Você pode escolher rir disso tudo, mas não percebe o quão prejudicial essas “piadas” podem ser para perpetuar um preconceito que já mata tanta gente no Brasil – aliás, este é o país que mais mata por homofobia no mundo – em 2017, foram 445 mortes de pessoas LGBT motivadas por homofobia, uma a cada 19 horas. Se você não se choca com isso, tente inverter os papéis: imagine viver em um mundo em que ser hétero pode custar sua vida; onde beijar sua namorada em público pode gerar uma agressão por parte de alguém que você sequer conhece.

E, no futebol, essa realidade é ainda mais obscura. Para se ter uma ideia de como esse preconceito ainda é forte dentro de campo, é só pensar que não existe nenhum jogador brasileiro que fale sobre isso. Dá para pensar que num universo tão grande de atletas, não exista nenhum homossexual? Seria um tanto quanto ingênuo acreditar nisso nos dias de hoje. Só que mesmo que eles existam, no futebol são obrigados a se esconder. Quem se lembra da repercussão do simples selinho de Sheik quando o atacante vivia seu auge no Corinthians pode imaginar o que aconteceria se algum jogador de algum grande clube brasileiro resolvesse falar abertamente sobre homossexualidade.

É por tudo isso que não dá mais para reproduzir e rir de memes falando de Pabllo Vittar no São Paulo. Não dá mais para tratar a homossexualidade como ofensa ou como piada no futebol. Aliás, a prova de que “piadas” assim são completamente sem graça é que, se você contar para uma criança, ela vai ficar sem entender nada. A pureza delas não consegue enxergar nossa maldade no julgamento da orientação sexual de alguém.

O futebol precisa parar de abrir passagem para o preconceito. Já é 2019, precisamos evoluir.

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