*Por Roberta Nina e Renata Mendonça
A seleção brasileira de futebol feminino encerrou suas atividades de 2018 com mais motivos para se preocupar do que pra comemorar.
É verdade que a classificação para a Copa do Mundo veio com o título da Copa América, mas dada a facilidade da disputa deste torneio, é preciso entender que, no contexto mundial, ele significa pouco.
Fora isso, o Brasil acumulou cinco derrotas em sete jogos disputados contra equipes top 10 do ranking da Fifa. E, para além dos resultados, a seleção apresentou atuações preocupantes, sem demonstrar qualquer poder de reação dentro de campo. Contra os Estados Unidos, por exemplo, a seleção finalizou 7 vezes (só uma no gol) contra 21 do time americano (8 no gol). Claro que o adversário tem um tratamento muito melhor dado à base da modalidade, mas isso sempre foi uma realidade – só que antigamente, nosso talento fazia frente a isso. Hoje, nós não perdemos no talento, mas a organização em campo inexiste.
Isso ficou visível também contra a Inglaterra, que dominou completamente o amistoso contra o Brasil com 23 finalizações delas contra 11 nossas – a seleção mal conseguia esboçar reação em campo e o 1 a 0 para as inglesas ficou barato.
Diante disso, não há como defender a permanência de Vadão no comando técnico para mais uma Copa do Mundo. Principalmente pelo que o Brasil tem mostrado em campo, pela desorganização tática e pela queda de rendimento desde que ele assumiu o cargo.
Brasil virou ‘freguês’ de seleções europeias e até da Austrália
Vadão assumiu a seleção pela primeira vez em abril de 2014, com o desafio de jogar a Copa América daquele ano, disputada em setembro.
No primeiro ano sob seu comando, o Brasil caiu de quarto colocado no ranking (em 2013) para a oitava posição. Apesar de ter perdido poucos jogos em 18 partidas oficiais – apenas dois em 2015 e quatro em 2016 – com Vadão o Brasil foi eliminado das principais competições (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) de maneira precoce e sem demonstrar bom futebol. Terminou o ciclo olímpico com mais uma queda no ranking e foi parar nono lugar.
Desde que retornou ao comando da seleção feminina (novembro de 2017), Vadão comandou a equipe em 13 jogos. Foram sete jogos oficiais pela Copa América e seis amistosos, todos contra seleções que ocupam o Top 10 do Ranking da FIFA: Estados Unidos, Inglaterra, França, Austrália, Canadá e Japão.
O Brasil venceu dois jogos: o Japão por 2×1 e o Canadá por 1×0 – em um jogo não homologado pela FIFA – com gol aos 42 minutos do segundo tempo.
Por não estar tão bem colocado no ranking, o Brasil não será cabeça-de-chave durante o sorteio para definição dos grupos da Copa do Mundo de 2019, na França. E o que isso pode acarretar para a seleção feminina? Uma trágica eliminação precoce do torneio.
Serão 24 seleções participantes, divididas em seis grupos com quatro equipes. Com isso, o Brasil estará no mesmo grupo de seleções fortíssimas, que podem ser Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Canadá e Austrália.
O sorteio da competição será no dia 8 de dezembro e já pode dizer muito sobre o futuro da seleção no torneio.
Com o objetivo de preparar melhor as atletas e entrosar a equipe para as duas competições, foi durante a gestão de Vadão que a CBF implantou, pela primeira vez, a seleção permanente. Com isso, algumas jogadoras foram “contratadas” pela Confederação Brasileira de Futebol por um ano e meio para que o time se tornasse uma equipe mais competitiva.
O Brasil foi eliminado nas oitavas-de-final da Copa do Mundo para a Austrália pelo placar de 1×0, e deu adeus ao pódio olímpico após perder para a Suécia na semifinal (nos pênaltis) e para o Canadá durante a disputa pela medalha de bronze, em casa.
Para a CBF, a seleção permanente foi um projeto que deu certo, afinal, foi uma vitrine para as atletas e elas puderam ser vendidas para o exterior. “Só tenho que agradecer ao presidente. Ele me deu tudo que pedi e precisei para melhorar a seleção. A gente melhorou a seleção. Antes tínhamos duas no exterior agora temos 20”, afirmou Vadão em entrevista ao GloboEsporte.com na época de sua demissão.
De janeiro de 2015 até agosto de 2016, algumas das principais atletas do país contaram com o salário e estrutura oferecida pela CBF. Se por um lado a ideia era fortalecer a seleção em curto prazo para os torneios, por outro lado os clubes e os campeonatos acabaram enfraquecidos pela ausência de nomes como Formiga, Andressinha, Bruna Benites, Raquel, Darlene, Mônica, Érika e Poliana.
Não se espante se ouvir notícias de que a seleção permanente pode voltar. Estamos às vésperas de mais um Mundial e ainda se fala sobre a implantação do mesmo projeto, que não contribui em nada para o desenvolvimento da modalidade no Brasil (pelo contrário).
Pouco tempo de treinamento e desfalques
As justificativas para os resultados ruins sempre giram em torno de falta de tempo de preparação e os desfalques em campo. Mas será que a seleção já não deveria ter um padrão de jogo implementado independentemente das peças que estão em campo? Afinal, desfalques todo mundo sempre terá – a própria Le Sommer, principal atacante francesa, não jogou na derrota brasileira por 3 a 1 para as anfitriãs do Mundial de 2019.
“O Torneio das Nações já estava programado para acontecer, foi fechado antes de eu chegar por dois anos esse compromisso nos EUA. É um compromisso que, para nós, brasileiros, é sempre um risco, porque a nossa cultura é a cultura da vitória. Esse torneio não é data Fifa, então você não pode levar todas as atletas. Dessas atletas mais experientes que nós costumamos levar, 8 delas nós não pudemos contar. então nós experimentamos outras atletas, jogadoras um pouco mais jovens, fizemos uma mescla para fazer esse torneio”, afirmou em entrevista às dibradoras em setembro deste ano (você pode conferir aqui).
Mas o fato é que nenhuma seleção no mundo tem tempo para treinar no futebol. A não ser antes de competições grandes como o Mundial, que aí há uma programação para liberação de atletas com antecedência. Em qualquer outra ocasião, Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, França, Japão e qualquer outro time que a seleção enfrente, estará na mesma circunstância: se apresentará num dia, treinará no outro, jogará no outro. Então como outras seleções podem apresentar evoluções enquanto a nossa só retrocede no desempenho em campo?
Sem pressão da imprensa
Como a maioria dos grandes veículos (TV aberta e fechada, rádio, jornais e sites) não cobre o dia a dia do futebol feminino e da seleção brasileira, é muito raro ver um treinador que ocupa essa posição sofrer alguma pressão.
Ninguém contesta uma escalação ou o esquema tático adotado por um treinador de futebol feminino. As pessoas não têm acesso às informações sobre os jogos, como o histórico das equipes e das jogadoras, placares, artilharias, pré-jogos e pós-jogos ou até mesmo as estatísticas detalhadas dos amistosos da seleção.
Não há conhecimento sobre a modalidade, sobre os campeonatos existentes e sobre as atletas (de clubes do Brasil, do exterior e de seleções) por culpa de grande parte da mídia.
Quando a seleção brasileira feminina não consegue alcançar um bom resultado, os desinformados de plantão surgem para criticar o jogo delas e desmerecer o esporte pelo simples fato de ser praticado por mulheres. O tal do “futebol feminino é chato”, dito por pessoas que nunca gastaram 5 minutos para ver um jogo de futebol feminino. Talvez se tivessem a oportunidade de acompanhar a modalidade com afinco (seja pelos veículos de comunicação ou pelos clubes que torcem), poderiam ter outra percepção sobre ela.
E com a mídia cobrando, o cenário poderia ser muito diferente. Quando Dunga teve sua segunda chance na seleção masculina e acumulou vexames, a permanência dele ficou insustentável, justamente porque todo programa esportivo, todo site, todo jornal estava reforçando as merecidas críticas à equipe comandada pelo ex-capitão. Assim como é hoje insustentável a permanência de Vadão na seleção feminina – mas infelizmente, ele não sente essa pressão, já que não é cobrado pela mídia.
Mas no próximo ano, quando a Copa do Mundo chegar e o Brasil for eliminado de forma precoce, os críticos aparecerão – tardiamente, diga-se – para dizer que a seleção “decepcionou”. Mas não dá para decepcionar quando as expectativas no time de Vadão deveriam ser nulas, ao menos para quem tem acompanhado o que ela tem mostrado em campo.
Seria tão importante e justo se as mulheres tivessem a oportunidade de serem valorizadas pela mídia, pelos patrocinadores, clubes e torcida. Ainda mais quando se trata de futebol que é o esporte mais difundido e acessível para todos. É uma grande pena ver que só o futebol masculino é consumido e debatido no país.
A conclusão disso tudo é simples: estamos a quase 200 dias para o início da Copa do Mundo Feminina e é bem provável que as chances do Brasil jogar em alto nível sejam poucas (dado o que tem apresentado até aqui).
Sonhar com o título está fora de cogitação, subir ao pódio também não é tarefa fácil, mas gostaríamos de ver a seleção feminina entrosada, jogando um bom futebol, com boas peças de reposição e um comando firme e com ideias novas no banco de reservas.
Neste cenário de “expectativa x realidade”, é desanimador imaginar a seleção feminina eliminada mais uma vez em um Mundial, sem esboçar perigo para as adversárias e demonstrar evolução na maneira de jogar. E, ao que parece, veremos cenas de um filme antigo a partir de junho de 2019.