Mulheres descobrem paixão pelo automobilismo em grupo de ‘karteiras’ em SP

Foto: Karteiras/Click Pix

Muita gente não sabe, mas o automobilismo é um dos poucos esportes em que as competições são mistas, ou seja, não há (ou não precisa haver) diferenciação por gênero para competir. No entanto, ainda é bastante raro encontrar mulheres correndo nas mais diversas categorias da modalidade.

Não é difícil entender por que isso acontece. Por algum tempo, mulheres não podiam dirigir, e até hoje elas são obrigadas a conviver com a eterna piada sem sentido “mulher no volante, perigo constante”. Carro nunca foi “coisa de mulher” e, também por isso, elas nunca foram muito bem-vindas nos esportes ligados a ele.

Mas desde 2017, um grupo de mulheres em São Paulo tenta mudar essa realidade. O Karteiras nasceu há quase dois anos do interesse de algumas esposas, que acompanhavam seus maridos em competições amadoras de kart, e tiveram curiosidade de experimentar os motores na pista. A partir daí, “nasceram” várias pilotos apaixonadas pelo esporte que se permitiram conhecer ao acaso.

“A gente encontrou bastante gente que tem potencial. Sentimos que ainda tem essa barreira, elas acham que é muito masculino, é um ambiente muito masculino, mas a gente tem direito de ocupar também”, contou às dibradoras Karina Ueno, uma das organizadoras do grid das Karteiras. Ela ajudava na mesma função no “Karteiros”, um grupo de homens que correm periodicamente em São Paulo. Jhonny, responsável pela organização das etapas masculinas, perguntou à Karina se ela não tinha vontade de correr e, a partir daí, surgiu a ideia de criar baterias femininas.

Foto: Arquivo Pessoal

“Nós marcamos uma bateria, chamamos algumas interessadas, amiga da amiga e tal, para treinar. E cada piloto do Karteiros foi coo um padrinho para essas mulheres. Marcamos em Interlagos, uma pista mais plana, 2 ou 3 treinos com as meninas que tinham interesse. E cada um ficou responsável por um grupo, para ensinar onde tinha que frear, acelerar, etc. Isso foi ano passado, aí esse ano a gente não fez mais porque o nível aumentou, as meninas já andam há algum tempo, participam de campeonatos. Então organizamos um grid mensal para elas competirem”, completou Karina.

Hoje, o Karteiras reúne desde mulheres iniciantes, que descobriram recentemente uma paixão pelo automobilismo e estão evoluindo na modalidade, até outras que são mais “veteranas” e competem com os homens. É o caso de Miriam Schivel, de 32 anos, que começou a correr em 2009 por causa do marido e hoje é uma das grandes incentivadoras da participação de mais mulheres no Karteiras.

“Eu comecei com 23 anos, não conhecia nada de automobilismo. Aí me casei, meu marido andava de Kart, e eu comecei a acompanhar umas corridas dele. Aí ele me falou pra eu sentar no carro e ver se eu gostava. E me apaixonei pelo esporte. Corria uma vez por mês em um campeonato só com mulheres. Eu largava em último, não chegava nem entre as 10 primeiras”, conta.

Miriam começou a competir em 2009 e hoje disputa corridas com os homens (Foto: Wellington Silva)

Mas aos poucos ela foi entendendo melhor o esporte e se envolvendo com ele. Miriam chegou a emagrecer 20 kg porque percebeu a importância do preparo físico para o bom desempenho no kart. Hoje, virou uma estrategista das pistas, estuda os traçados, os adversários, por onde vai conseguir ultrapassá-los, e impõe seu respeito com os homens nas competições.

“Eu me divirto, mas minha dedicação é quase profissional. Eu emagreci 20kg pra ter nível de competição de igual pra igual com os meninos. Aprendi a impor meu respeito. Eles costumam dizer que quando você baixa a viseira, é de igual para igual, não tem homem ou mulher. Mas quando eles vêem que sou eu, eles pensam: não quero ser ultrapassado por uma mulher”, relata.

“Eu ouço vira e mexe deles: ‘olha, ali você poderia ter aliviado um pouco na ultrapassagem e tal’. Aí eu rebato: mas você não faria o mesmo? E eles dizem: ‘ah, mas é diferente’. Só que não é diferente né, a gente está ali para competir”.

Com a experiência que adquiriu nos últimos anos pilotando, Miriam virou referência para as pilotos do Karteiras e tenta passar para elas um pouco do seu conhecimento. Muitas mulheres começam no automobilismo ainda com receios de acelerar e de “se entregar” mesmo para o esporte e, por isso, ela ressalta a importância de se ter um grid apenas feminino, para criar um ambiente mais “confortável” para as meninas se soltarem.

“Como é um esporte masculino, as meninas ficam com medo. E quando tem o feminino, ela acaba se soltando mais, gostando. Você ajuda as meninas que não têm experiência, faz o traçado, e tal. Eu não estou disputando campeonato no Karteiras esse ano, mas estou como apoio para elas, ajudando na pista. No meu começo, eu não tive essa ajuda, eu era super introspectiva, tive vergonha e tal, e isso faz muita falta dentro da pista”, afirmou.

Miriam entre os pilotos (Foto: Arquivo Pessoal)

Em dois anos de existência, o Karteiras reúne cerca de 15 a 20 mulheres por etapa – são 10 ao longo do ano – de todas as idades, desde adolescentes, até mulheres mais velhas e mães. A “madrinha” do grupo é a piloto Bia Figueiredo, uma das raras representantes femininas no automobilismo brasileiro e que hoje compete na Stock Car. Ela é uma das grandes incentivadoras para que mais mulheres tomem gosto pela modalidade e arrisquem algumas aceleradas na pista.

“A gente divide o grid entre graduadas, que andam há mais tempo, e a light, que tem gente que nunca andou e está andando pela primeira vez ou está andando há pouco tempo. A largada é única. A gente pede pras meninas graduadas terem cuidado com as novatas, então às vezes as mais velhas acabam ensinando coisas para as mais novas”, contou Karina, organizadora do grid. A última etapa de 2018 acontecerá na última semana deste mês.

Para Miriam, o automobilismo transformou sua vida, seus hábitos e sua forma de se relacionar com o esporte. Hoje, ela leva o kart como prioridade e quer ver mais mulheres se dando a chance de experimentar essa aventura.

Bia Figueiredo é “madrinha” das Karteiras (Foto: Click Pix)

“Esse esporte me mudou completamente. Eu aprendi a ter foco, é um esporte que precisa de muita concentração. Hoje eu fico o tempo todo pensando na estratégia, fazendo conta, estudando o traçado, a ultrapassagem. E esse esporte me trouxe um conhecimento muito maior de mim mesma. Quando eu casei, eu não praticava esporte nenhum, hoje eu me encontrei no automobilismo”, disse.

“Eu acho que tem que ter divulgação e mostrar que o esporte não é só de homem. Mostrar para as mulheres que não é um bicho de sete cabeças. Com seu próprio carro na rua, a mulher já é inferiorizada. Então nesse caso um campeonato que só tem meninas incentiva muito.Elas têm que se jogar, se permitir. Ir um nível a mais do que seu medo.”

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