Conselho da Federação às nadadoras inglesas: como parecer magra na piscina

(Foto: REUTERS/Stefan Wermuth)

O que você precisa para ser uma boa nadadora? Bom fôlego? Boa técnica? Resistência física? Ou o bíquini/maiô certo que não vai te fazer parecer gorda na piscina? Dentre todos os conselhos possíveis que a Federação Inglesa de Natação (Swim England) poderia dar para suas atletas, ela escolheu o último e manteve em seu site um guia dos trajes corretos para cada tipo de corpo das mulheres que quisessem praticar o esporte – nada relacionado ao desempenho delas na modalidade, mas sim à aparência física embaixo d’água.

O título do artigo era “Escolhendo o traje certo para mulheres de acordo com a forma de seu corpo”. No texto, uma série de conselhos sobre como “disfarçar” a barriguinha, os chamados “pneus” que insistem em balançar embaixo d’água, ou sobre como resolver “a praga das mulheres” – o corpo em formato de pêra.

“Se o seu corpo é pequeno em proporção com as suas pernas, você vai querer um maiô que dá a impressão mais reta dele”, dizia o texto.

“O formato de pêra por muito tempo foi uma praga para as mulheres, mas não precisa mais ser. Nesse caso, tente usar um top mais atraente e uma cor escura na parte de baixo. Esse tipo de maiô vai chamar a atenção para suas melhores características”.

“Em geral, você vai querer um maiô em cores mais escuras se for ‘plus size’, já que essas cores irão minimizar o efeito”, era o que se lia em outro trecho.

Os conselhos estéticos dados pela Federação de Natação da Inglaterra foram percebidos por Simone Webb, uma britânica que procurou o site em busca de dicas para começar a nadar. Ela usou sua conta no Twitter para mostrar a indignação com o texto nesta terça-feira.

“Eu estava pensando em voltar a nadar (eu nadava quando era criança, mas há anos parei) e fui procurar informações no site da Swim England. Encontrei essa página que supostamente seria para ajudar as mulheres a encontrarem um traje ideal para o esporte, o que faria você pensar que o texto traria muitas informações úteis. Mas em vez disso, o artigo fala em ‘escolher o melhor maiô dependendo da forma de seu corpo. Não tem a ver com desempenho técnico ou conforto. Em vez disso, a ênfase é na aparência da mulher”, observou ela, antes de mencionar algumas frases do texto.

Foto: Reuters

A própria Swim England reconheceu que o texto era inadequado e pediu desculpas por tê-lo mantido no site desde 2010. “Nós nos orgulhamos pelos nossos valores de inclusão e respeito a todos. Hoje mais cedo chegou até nós que um dos artigos antigos da nossa página que desrespeitava tudo isso. Ele não reflete nossos valores e nós o tiramos do ar imediatamente. Obrigada a todos que nos alertaram sobre isso. #Desculpa”, afirmou a entidade por meio do Twitter.

O texto publicado no site da Federação Inglesa de Natação oito anos atrás reflete um pensamento muito comum às mulheres – e à sociedade em geral – sobre a importância que elas precisavam dar à aparência. O artigo do maior órgão esportivo da modalidade na Inglaterra passava a ideia de que era mais importante “parecer magra” na piscina, do que ser uma boa nadadora.

 

Nós fomos educadas a ter uma preocupação sem igual com a nossa aparência. E em tudo o que fazemos, somos avaliadas primeiro pela nossa “beleza”, e só depois pela nossa competência. Quem se importa se a mulher for a mais rápida na prova embaixo d’água, quando ela deixa transparecer seus “pneus” pelo maiô? Mais do que uma boa nadadora – e antes disso até -, o que ela precisa ser é: bonita. Magra. Aqueles adjetivos com os quais sonhamos desde pequenas porque foi o que nos ensinaram a almejar, a beleza.

Nota-se que não há, nem nunca houve, no site da Federação Inglesa de Natação, um artigo sobre quais sungas os homens deveriam usar para esconderem seus quilinhos a mais. Porque essa não é uma preocupação deles, é nossa. Não é nossa por opção, mas por imposição que tivemos que aceitar desde muito cedo. E, infelizmente, hoje em dia são raras as mulheres que se olham no espelho e se sentem satisfeitas e felizes com tudo o que veem nele. A pressão pela “perfeição” é imensa.

 

Só que é exatamente o esporte que nos ajuda a nos libertar disso. O esporte nos traz a autoestima que não conseguimos encontrar sozinhas. Nos traz confiança, personalidade. Nos faz gostar de sermos quem somos de verdade. Ele nos faz reconhecer nossos corpos, lutar contra nossas fragilidades, enfrentar os desafios que se apresentam no caminho. E, por tudo isso, ele não pode ser mais um aprisionador. O esporte é, por essência, um libertador.

Por isso, mulheres que nadam, que correm, que dançam, que jogam: escolham o traje com o qual se sentirem mais confortáveis: seja ele um biquíni ou uma burca. Sejam livres para terem o corpo que quiserem e vestirem a roupa que escolherem. Mas não deixem de escolher um esporte – esse, sim, vai ajudá-las a descobrir o verdadeiro sentido da palavra liberdade.

Que bom que a Federação Inglesa entendeu o recado. É como diz aquela velha e reformulada frase: Como fazer para ter um corpo de praia? 1. Tenha um corpo. 2. Vá à praia.

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