A Inglaterra inventou o futebol (masculino e feminino), mas até os ingleses admitem que o Brasil o “aperfeiçoou”. A habilidade do drible, a criatividade de fazer o inesperado, a irreverência de jogar por música sempre foram as características que nos fizeram “o país do futebol” – e que colocaram a seleção brasileira no topo (a masculina pentacampeã e a feminina sempre disputando título com os países que investiam no futebol feminino enquanto nada se fazia por aqui).
No entanto, no último sábado, não fossem as características dos uniformes, provavelmente pensaríamos que a Inglaterra era o Brasil, e o Brasil era a Inglaterra. Enquanto a seleção inglesa apresentava o time pra frente, criando e chegando ao gol brasileiro o tempo todo, o Brasil tentava se defender como podia e no ataque nada produzia. O amistoso disputado em Meadow Lane terminou em 1 a 0 para a Inglaterra, mas poderia ter sido bem mais. Já para a seleção brasileira, o zero do placar refletiu o que foi visto em campo: dificuldade defensiva e ofensividade nula.
É verdade que o Brasil perdeu Marta ainda no primeiro tempo, mas também é verdade que já passou da hora da seleção saber jogar sem ela. E independente do resultado, o que é importante ressaltar aqui é que não foi “só mais uma derrota” para uma seleção que já nos ultrapassou no ranking. Foi mais um jogo em que o Brasil se apresentou de maneira desorganizada e oferecendo pouquíssima resistência.
Se estivéssemos falando de um Brasil x Inglaterra no futebol feminino há 10 anos, provavelmente estaríamos comentando uma vitória por goleada da seleção brasileira. Mas o que aconteceu de lá para cá – aliás, mais precisamente nos últimos seis anos – foi uma goleada da Inglaterra em investimento e planejamento para a modalidade. Os resultados que estão aparecendo (e o fato de a seleção inglesa estar em 3º lugar no ranking da FIFA) são apenas consequência do trabalho feito de 2012 para cá.
E é por isso que defendemos aqui que há muito que o Brasil precisa aprender com a Inglaterra para evoluir no futebol feminino e voltar a fazer frente às principais seleções – já que, neste ano, o Brasil não conseguiu vencer nenhum dos times que estão acima dele no ranking da Fifa.
A virada inglesa
Foi no dia 31 de julho de 2012 que as coisas começaram a mudar no futebol feminino da terra da Rainha. E com um empurrãozinho do Brasil. Bastou uma vitória por 1 a 0 sobre a temida seleção brasileira na Olimpíada de Londres, diante de uma multidão de 70 mil de pessoas, para o país enxergar uma grande oportunidade de mudança ali.
Até que o renegado futebol feminino atrai audiência, perceberam eles – foram mais de 4 milhões de pessoas assistindo ao jogo no país só pela BBC One. Até que tem gente interessada nele, constataram – 70 mil pelo menos, nesse caso.
Esse foi o pontapé inicial para a revolução no futebol feminino britânico. Governo e federação (FA) se uniram e lançaram um plano chamado Game Changer (Mudança de Jogo, na tradução livre) com o objetivo de fazer o futebol feminino se tornar o 2º esporte mais popular do país em cinco anos – atualmente, futebol, críquete e rugby (todos masculinos) estavam à frente dele.
O plano era (é) ambicioso, mas a estratégia por trás dele também. A ideia é agir em três frentes: investir no desenvolvimento do futebol feminino entre as crianças; fortalecer a liga local e a seleção; e aumentar a base de torcedores.
De 2012 pra cá, a liga britânica (Women’s Super League), que tinha oito times até então, hoje tem duas divisões com 11 equipes. Três anos atrás, só quatro times de camisa britânicos tinham uma equipe feminina: Arsenal, Everton, Liverpool e Chelsea. Hoje, são pelo menos oito que vieram dos tradicionais clubes ingleses masculinos – os mesmos quatro de antes, além de Manchester City, Sunderland, Birmingham, Aston Villa, Millwall e Manchester United.
Além disso, a temporada que começou agora (2018-2019) da Women’s Super League (primeira divisão) é a primeira em que todos os times são considerados profissionais, com todas as atletas se dedicando exclusivamente ao futebol. E para coroar o bom trabalho que tem sido feito, no ano passado a final da FA Cup teve recorde de público em Londres, com 45 mil pessoas no estádio e mais de 2 milhões de pessoas assistindo ao jogo pela BBC.
Com um campeonato local mais forte e uma nova legião de torcedores, faltava então construir uma seleção forte. E para isso, a FA investiu em um grande centro de excelência para formar jogadoras (es) e técnicas (os) que, no futuro, poderão estar brilhando com o English Team. O St George Park, centro nacional de treinamento do futebol inglês, foi inaugurado em outubro de 2012. Ele custou 105 milhões de libras e abriga todas as seleções inglesas, masculinas e femininas de todas as categorias, com uma estrutura impecável.
Os resultados já começaram a aparecer. Em 2015, a Inglaterra chegou pela primeira vez à semifinal da Copa do Mundo, surpreendendo muita gente e derrubando seleções mais tradicionais no futebol feminino, como Noruega e o próprio Canadá, que jogava em casa. Antes disso, a seleção inglesa só havia participado de 3 Mundiais (1995, 2007 e 2011 – nas outras, não havia conseguido se classificar) e nunca conseguia passar das quartas (isso quando ainda não existiam as oitavas). Hoje, a Inglaterra já ocupa o terceiro lugar no ranking da Fifa, atrás apenas de Alemanha e Estados Unidos – enquanto o Brasil é apenas o oitavo (e só cai nessa lista).
Enquanto isso, no Brasil
Desde a Copa de 2015, quando o Brasil caiu nas oitavas de final para a Austrália, a seleção brasileira já teve duas trocas técnicas – na época, o comandante era o Vadão, que foi demitido em novembro de 2016 para a contratação de Emily Lima, que acabou por sua vez demitida 10 meses depois sem ter disputado nenhuma competição oficial (o menor tempo dado a um técnico de seleção feminina nas últimas décadas) para a volta de Vadão em outubro do ano passado.
Além das trocas técnicas, a CBF também acabou com a Copa do Brasil, uma competição que completava o calendário e dava chance de times menores terem mais jogos ao longo da temporada. Como evolução, houve a criação da segunda divisão do Campeonato Brasileiro e também as premiações agora oferecidas – até 2016, o campeão brasileiro de futebol feminino ganhava uma medalha e mais nada. Só que nesta última temporada, a competição perdeu o único patrocinador que tinha (a Caixa) e não é mais transmitida em nenhum canal (até ano passado, o SporTV passava algumas partidas).
Ao contrário do que aconteceu na Inglaterra, não houve um planejamento a longo prazo para o futebol feminino no Brasil. A seleção aqui sempre obteve resultados por conta do talento nato de suas craques, como foi com Sissi nos anos 1990 e é com Marta nos anos 2000. Mas, sem fomentar o surgimento de novas Sissis ou Martas, não haveria mesmo como estarmos em uma situação diferente dessa, vendo todos os países que investem minimamente na modalidade nos ultrapassando. Austrália já mostrou isso em todos os últimos amistosos em que nos venceu, a Inglaterra tem mostrado e a França, que é nossa próxima adversária e sede da próxima Copa, também já está na nossa frente, ocupando a quarta colocação do ranking.
E o pior é que agora, mesmo com os talentos que temos em campo, estamos demonstrando um futebol ainda pior do que na última Copa. Por enquanto, as perspectivas para o próximo Mundial não são nem um pouco animadoras.