Não, a seleção de Tite não voltou da Rússia com o hexacampeonato. Mas nesta segunda-feira, o Brasil conquistou um hexa que precisa ser muito comemorado, aplaudido e reverenciado. Que precisa ser, acima de tudo, lembrado – como raramente o nome dela é. Marta Vieira da Silva ganhou pela sexta vez o prêmio da Fifa de melhor jogadora do mundo.
Na temporada 2017/2018, Marta foi vice-artilheira da NWSL, a liga americana de futebol, e líder em assistências, tendo sido eleita a melhor do torneio nos últimos quatro meses. Pela seleção brasileira, ela liderou o time na conquista do heptacampeonato da Copa América, que garantiu a classificação do Brasil para a Copa do Mundo de 2019 e a Olimpíada de 2020. Mas o prêmio conquistado em Londres não é apenas o resultado de mais um ano da genialidade Marta em campo. Ele vem pelo conjunto da obra – e o conjunto da obra de Marta é simplesmente o melhor que o mundo já pode presenciar.
“É lógico que a gente muda depois de tantos anos no futebol. Mas não a essência. O jeito de jogar, os objetivos e desafios são os mesmos daquela garotinha que tinha 17 anos na primeira vez que foi indicada até agora. Acho que o diferencial é que hoje em dia talvez a gente pense um pouco mais, com mais experiência, nas jogadas. Nem sempre dá para ir lá no fundo todas as vezes que a gente recebe uma bola, já tem a dificuldade maior pelos anos que já passaram. Mas a vontade de querer estar sempre mostrando seu melhor, a ousadia de partir para cima é a mesma. Talvez um pouco mais de experiência agora por tantos anos dentro do futebol”, disse ela às dibradoras quando ainda era apenas indicada ao prêmio.
Congratulations, Marta 👑
Winner of #TheBest FIFA Women’s Player 2018 🏆#FIFAFootballAwards pic.twitter.com/aCxCn2TIFy— FIFA Women’s World Cup 🇫🇷 (@FIFAWWC) 24 de setembro de 2018
Normalmente, mede-se o tamanho de um feito pela dificuldade em atingi-lo. E esse de Marta é simplesmente inigualável. Ninguém nunca conseguiu manter tamanha regularidade. Não há Messi, nem Cristiano Ronaldo que superem o que Marta fez no futebol. Ambos têm cinco prêmios e têm se revezado no lugar mais alto do pódio. Mas ela já tinha cinco conquistados consecutivamente entre 2006 e 2010, quando podemos dizer que estava em seu auge. Hoje, aos 32 anos de idade e 8 anos depois do último troféu, confirmou de vez sua hegemonia. São 14 indicações, 6 prêmios, duas medalhas de prata em Olimpíadas, um vice na Copa do Mundo, títulos de Champions League, Libertadores, e números que só não são melhores porque muitos não são contabilizados.
Por exemplo, poderíamos citar aqui que Marta é a maior artilheira da história da seleção brasileira – entre homens e mulheres -, que ultrapassou Pelé no número de gols marcados com a amarelinha e que tem mais de 100 tentos colecionados na carreira com a equipe nacional. No entanto, infelizmente, não conseguimos dizer exatamente quantos gols a nossa eterna camisa 10 fez pelo Brasil. A CBF não tem esse registro – apesar de manter sempre atualizada a lista dos maiores artilheirOs nacionais, com Pelé na liderança. Por muito tempo, ninguém se importou em contabilizar os gols da seleção feminina.
É por essas e outras que o Brasil deve tanto à Marta. O país que, por muito tempo na infância, negou a ela o direito de jogar. “Futebol não é coisa para menina”, quantas vezes a menina não ouviu isso? Depois, viu seu primeiro clube (Vasco) fechar as portas para o futebol feminino e teve que buscar abrigo em Minas Gerais, onde ficou pouco tempo até ser acolhida por um país que realmente levava a modalidade a sério. Saiu daqui com 17 anos para a Suécia, onde finalmente entendeu que havia futuro para ela no futebol – só que infelizmente isso só acontecia bem longe de casa.
Em pouco tempo, a jogadora tímida de Dois Riachos foi crescendo em campo e levando o nome do Brasil ao mundo todo. Os dribles, a velocidade, a leveza que tinha com a bola nos pés impressionavam qualquer um que a visse jogar. Marta ganhou o mundo – mas não o seu próprio país. No Brasil, por muito tempo foi negligenciada, desvalorizada, e subestimada diante de todos os seus feitos. A derrota em uma decisão e o choro em frente às câmeras implorando por mais investimentos para o futebol feminino acabavam sendo motivo de chacota entre muitos. “Pronto, lá vem essas meninas do futebol para chorar de novo”. Ou “Mais um vice, não cansam de perder para os Estados Unidos”.
Como se soubessem o tanto que vocês suaram para estarem ali APESAR de tudo. Apesar da falta de investimento, da falta de estrutura, do preconceito, dos campeonatos que não existiam, do apoio que só vinha de fachada…apesar de tudo isso, vocês conquistaram duas medalhas de prata e chegaram a disputar o título do Mundial diante de seleções de países que levavam a sério a modalidade, ao contrário do Brasil.
Nem os cinco troféus de Marta como melhor jogadora do mundo foram suficientes para calar esse preconceito. E é triste saber que nem esse sexto prêmio irá fazer isso. Nem uma medalha de ouro na Olimpíada ou a conquista de uma Copa do Mundo serão capazes de mudar essa realidade – que depende muito mais de uma vontade coletiva em desenvolver o futebol feminino do que de um resultado individual.
Vamos tirar o peso das costas de Marta, que já fez muito recebendo quase nada em troca. O Brasil deu a ela o preconceito, a chacota, a proibição de jogar porque “era menina”; então ela foi ao mundo, conquistou os gramados e devolveu ao seu país seis troféus que deixam de vez seu nome na história.
Ao longo deste ano, passamos muito tempo falando de um hexa que não veio. Agora podemos falar de um que já virou realidade. O Brasil já é hexa em 2018, porque Marta é hexa. Está mais do que na hora de enchermos o peito para dizer: a melhor jogadora de todos os tempos é nossa. Seis vezes melhor do mundo, seis vezes Marta.