Quando seu time passa de fase em uma competição eletrizante como a Copa Libertadores, a euforia que vem com a classificação é inevitável – e muitas vezes vem acompanhada por pesquisas e mais pesquisas pela internet na ideia de acompanhar aquela loucura fora de casa. Você pesquisa passagem, hospedagem, ingresso, faz as contas, pensa em como conseguir uma folga no trabalho. E, se você é mulher, acaba pensando e repensando algumas vezes se deveria mesmo fazer isso.
Se no Brasil, a decisão de ir a um jogo sozinha já é um desafio – eu mesma quando fui a primeira vez sem companhia passei o dia todo me remoendo e questionando se não iria me arrepender, sempre pensando no assédio que iria sofrer, nas coisas que que iria ouvir, na violência que poderia enfrentar.
Os números já mostram um pouco dessa realidade. Em pesquisa realizada com suas torcedoras, o São Paulo constatou que 59% delas já sofreram assédio nas arquibancadas e 74% não se sentem seguras para ir ao estádio – 73% já viram mulheres passando por situações constrangedoras ou de violência na arquibancada. O Bahia também fez uma pesquisa parecida que descobriu que mais de 42% das suas torcedoras já viram alguma situação de assédio com outras mulheres no estádio – e outras 43% nunca foram sozinhas a um jogo (a maioria delas, por medo). E qualquer torcedora de qualquer time do Brasil pode confirmar que, se uma pesquisa assim fosse feita em seus clubes, o resultado não seria diferente.
Imagine, então, em um jogo de Libertadores, fora de casa, em um lugar desconhecido, e um ambiente ainda mais hostil? Imagine essa situação em um lugar como a Bombonera, em Buenos Aires, por exemplo? Pois é, há um tempo ficamos imaginando isso – e agora estamos indo viver essa experiência para poder contá-la.
A ideia surgiu junto com o Uol Esporte há mais ou menos um mês e esperamos as definições das quartas-de-final para decidir para onde viajaríamos e de qual time seria a torcedora que acompanharíamos. E quando se confirmou que haveria um cruzamento Boca Juniors e Cruzeiro, escolhemos que esse seria o cenário mais interessante de se acompanhar. Um jogo num ambiente que é hostil até para homens da torcida visitante e que exigiria ainda mais cuidado para as mulheres que ousassem estar ali.
Passamos, então, a buscar quem seria a torcedora personagem principal dessa história. E, qual não foi a nossa surpresa quando percebemos o quão difícil seria encontrar uma delas. Primeiro porque a viagem para Buenos Aires seria cara e poucas torcedoras, entre as que estavam dispostas a ir, tinham condições de arcar com os custos dela. Segundo por todas as questões de segurança que mencionamos acima.
Pedindo ajuda a amigos de Belo Horizonte, encontramos a Joanna, que viajou com o marido e um grupo de amigos para essa aventura. Fanática pelo Cruzeiro, ela sempre foi a todos os jogos e agora queria levar a filha de 9 meses recém-completados pra viver essa experiência. No entanto, diante das dificuldades e do receio com a menina em um jogo num estádio que não conheciam, Joanna e o marido acabaram desistindo da ideia.
Depois, achamos Bruna, outra cruzeirense apaixonada que não poderia estar mais feliz com esse jogo contra o Boca: ela se mudou recentemente para a Argentina e poderia ver o jogo in loco. Bruna já montou a “caravana” cruzeirense na capital e irá para o estádio em um ônibus com os torcedores (e as torcedoras) que toparam a aventura. Estaremos com ela nessa.
E, finalmente, no último domingo recebemos a notícia tão esperada: a amiga de uma amiga, que é ligada a torcidas organizadas, falou sobre Samanta, diretora da Torcida Jovem do Cruzeiro e integrante também da FanatiCruzeiro. Ela havia acabado de decidir se juntar à caravana que partiria de BH às 6h da manhã na segunda rumo a Buenos Aires.
A viagem foi feita de ônibus e durou 2 dias. O ônibus saiu de Belo Horizonte na segunda-feira às 8h e só chegou a Buenos Aires na quarta, dia do jogo, pela manhã. Foram duas paradas no primeiro dia de viagem e apenas uma no segundo. Samanta estava ali com mais outras três mulheres, passando alguns perrengues em uma caravana lotada de homens.
“A viagem por si só já é um desafio para a gente, como mulher. Fizemos uma parada para tomar banho. Somos só quatro mulheres aqui e a gente está com uma dificuldade pela quantidade de homens e aí tem muitas bebidas, isso dificulta nosso acesso ao banheiro. Então tem muitos pormenores. Mas é uma satisfação grande estar aqui”, afirmou a torcedora.
Infelizmente, o ambiente do futebol ainda muitas vezes se faz bastante hostil para as mulheres. Mas elas persistem. Resistem. E vão ocupando um espaço que é delas também por direito.
No voo que viemos de São Paulo a Buenos Aires, havia muitos torcedores cruzeirenses – infelizmente, nenhuma mulher. Na hora do pouso, mesmo sem estarem em grupos e mesmo não sentando perto, alguns deles entoaram um grito da torcida e os outros acompanharam. O futebol, afinal, não é nada mais do que isso: pessoas de todas as classes, todas as cores, todas as idades – e todos os gêneros – se conectando pela paixão que as une. As mulheres não deveriam ficam de fora disso – que bom que, aos poucos, estão também aparecendo aí.
O resto da história você poderá acompanhar ao longo dos próximos dias no blog das dibradoras.