A Itália pode não ter se classificado para a Copa do Mundo da Rússia, mas a seleção feminina do país já garantiu a vaga para a Copa da França no ano que vem com uma campanha quase perfeita.
Após 20 anos sem conseguir se classificar para o Mundial feminino (a última vez que as italianas estiveram na competição foi em 1999), a Itália vive um momento de transformação no futebol feminino. Com grandes investimentos recentes de alguns dos principais times de camisa, como Juventus, Roma, Fiorentina e Milan, o país conseguiu um feito histórico nas eliminatórias europeias garantindo a classificação com uma campanha de 7 vitórias em 8 jogos.
A vaga não veio à toa. É consequência de um trabalho que tem sido muito bem feito na Itália pela evolução da modalidade – e que conta muito com a participação dos times tradicionais do país, que viram no futebol feminino uma nova oportunidade de negócio.
A Juventus, maior campeã italiana com 34 títulos da Série A (a primeira divisão da Itália), decidiu investir no futebol feminino na última temporada criando um time do zero em 2017. O clube estava disposto a oferecer toda a estrutura que o time masculino usa às jogadoras e entrou apostando nesse novo mercado com muito planejamento. Resultado? O primeiro título da Série A feminina já veio na primeira temporada da Juventus no torneio.
#ItalyPortugal 🇮🇹🇵🇹
Milena #Bertolini‘s #Azzurre won 3⃣-0⃣ to wrap up #WWC2019 qualification with a perfect record!
Mission accomplished! ✅
👏 BRILLIANT STUFF GIRLS! 🇮🇹#VivoAzzurro pic.twitter.com/1o70L2COWW
— Italy (@azzurri) June 8, 2018
“A chegada da Juventus deu um empurrão enorme para toda essa transformação. Nós falamos mais sobre futebol feminino nos últimos seis meses desde a chegada da Juventus do que nos últimos 10 anos”, afirmou à AFP Milena Bertolini, técnica da seleção italiana (responsável pela classificação da equipe nacional para a Copa do ano que vem), sobre o impacto da chegada do clube de Turim investindo no futebol delas.
O diretor de futebol feminino da Juve, Stefano Braghin, também reforça que os planos do time para a modalidade são ambiciosos. O dinheiro, obviamente, não está vindo neste início do próprio futebol feminino, já que é primeiro preciso investir, para depois ter retorno. Mas o clube separou uma parte do lucro advindo do sucesso do time masculino para aproveitar aquilo que eles consideram uma oportunidade de negócio.
“Nós temos um orçamento suficiente para alcançar o objetivo traçado pelo clube: se tornar um time de calibre internacional no futebol feminino. Uma menina que torce para a Juventus agora tem a possibilidade de também vestir a camisa do clube jogando aqui. Abre-se uma possibilidade para paixões que antes eram sufocadas”, afirmou o dirigente.
Para estrear diretamente na primeira divisão, a Juventus comprou um time que já tinha a vaga – o Cuneo, e montou a equipe que se tornaria campeã italiana já na sua estreia na temporada.
O sucesso do time de Turim despertou também o interesse dos rivais investirem no futebol feminino. Os casos mais recentes são Milan e Roma, que também estrearão nesta temporada com uma equipe de mulheres.
No último dia 15 de junho, quando a seleção feminina da Itália já havia confirmado a classificação para a Copa do Mundo, a Roma fez seu anúncio oficial no site: “Temos o orgulho de anunciar que o clube terá um time competindo na Série A feminina nesta temporada. O clube acredita que toda criança merece a mesma oportunidade: que meninas e meninos precisam ter a mesma chance de sonhar em um dia entrar em campo vestindo as famosas cores da Roma”, dizia a nota publicada no site oficial.
“Tenho muita satisfação de anunciar que nesta temporada nós teremos um time masculino e um time feminino em campo. Temos muitas meninas na escolinha do clube e o anúncio de hoje significa que elas terão mais oportunidades de se desenvolver e quem sabe um dia poderão jogar futebol profissionalmente por esse clube”, afirmou o presidente Jom Pallotta.
O Milan também fez o anúncio no mesmo mês, algo ainda mais bombástico dado que o time de Milão nunca havia tido uma equipe feminina em toda a sua história. O clube comprou o Brescia, outro time que já tinha a vaga na Série A, e agora oferecerá toda a sua estrutura e investimento para a equipe deslanchar.
“O Milan anuncia que a partir da temporada 2018/2019, o clube irá participar pela primeira vez na história da Série A feminina com a compra do ACF Brescia. Isso mostra que o Milan está dando um passo a mais no projeto da Federação Italiana de desenvolver o futebol feminino no país”, afirmou o clube em comunicado.
Os planos da equipe também são ambiciosos e o objetivo é conseguir uma vaga para disputar a Champions League nos próximos anos. O time está sendo montado também pensando em trazer jogadoras estrangeiras – Thaisa, meio-campista da seleção brasileira, é uma das possíveis contratações a serem confirmadas.
Há até mesmo um embate judicial acontecendo neste mês para ver quem será responsável por organizar as competições do futebol feminino: se a liga amadora, como é hoje, ou a liga profissional dos clubes.
Com tudo isso, a Itália mostra que está disposta a transformar a realidade do futebol feminino no país. A classificação para a Copa do Mundo é uma conquista que pode alavancar ainda mais os investimentos dos clubes na modalidade. E a entrada de times de camisa nesse projeto é essencial para atrair mais público e despertar interesse de marcas e mídia para esse novo negócio.
Assim, o país mostra que é possível transformar um ciclo vicioso em um ciclo virtuoso. A velha ladainha de “futebol feminino é chato” ou “ninguém quer ver futebol feminino” começa a cair por terra quando um projeto de verdade é pensado por todas as áreas juntas: a federação italiana criando um plano para a seleção evoluir e se classificar para a Copa, os clubes investindo em estrutura e enxergando a modalidade como uma oportunidade de negócio – e não mera obrigação, como muitas vezes acontece no Brasil -, e a consequência disso é natural: mais empresas investindo no futebol feminino e acreditando em seu potencial.
Como bem disse a torcedora da Juve nesse vídeo, “futebol é futebol. See você gosta de futebol, não tem essa de homem ou mulher, é tudo futebol”.