Aos 36 anos, Rosana se torna centroavante e vive fase goleadora no Santos

(Foto: Bianca Prado Tibério)

Vinte e dois anos de carreira, quatro Mundiais e quatro Jogos Olímpicos disputados defendendo a seleção brasileira. Passagens por clubes de respeito, como PSG e Lyon na França, Avaldsnes na Noruega, Neulengbach SV na Áustria, Sky Blue e North Carolina nos Estados Unidos. No Brasil, atuou pelo São Paulo, Corinthians, Internacional e São José. Aos 36 anos, Rosana continua na ativa e se reinventando na modalidade.

Depois de passar por diversos clubes e adquirir experiência nacional e internacional, a atual jogadora do Santos Futebol Clube vive um novo desafio na carreira e, pela primeira vez na vida está desempenhando o papel de ser a principal referência do ataque no time da Vila Belmiro.

Rosana defende o Santos desde abril deste ano (Foto: Santos FC)

“A princípio, pensei que fosse contribuir como meia-atacante, mas estou jogando como centroavante! Nunca joguei nessa posição, mas agora eu aprendi que a gente morre de fome se não fizer gols”, contou Rosana em entrevista exclusiva às dibradoras.

E os números mostram que ela está claramente dando conta do recado. Na temporada de 2018, Rosana entrou em campo 26 vezes e tem 15 gols – isso sem citar as dez assistências. Rosana chegou em abril no Santos por um pedido da treinadora Emily Lima. Depois de muito tempo atuando fora do país, a jogadora tinha como objetivo estar mais perto da família.

“A Sole (argentina e ex-atacante do Santos que se transferiu para a China no início de 2018) tinha saído e a Emily precisava de uma centroavante dentro do sistema que ia propor. Ela e a comissão conversaram comigo. E por conta do meu físico, do lance de ter explosão, bom cabeceio, ela percebeu essas qualidades em mim e me colocou nessa função”, disse.

(Foto: Instagram/@pegazevedo)

Para Emily, a temporada da Rosana é muito positiva. “Ela tinha sido minha atleta por pouco tempo no São José e por pouco tempo na seleção brasileira. Nem todas as convocações que fiz, nós achamos interessante convocá-la por conta do perfil das equipes que iríamos enfrentar. Mas essa temporada é muito positiva pra ela, que tem 36 anos e é vice-artilheira do campeonato nacional com 11 gols, é algo muito bom. Até ela pode estar se surpreendendo devido à idade e por conta do posicionamento que tá jogando hoje em dia”, declarou Emily às dibradoras.

É claro que para ser a referência no ataque santista não foi fácil para a atleta. A adaptação levou tempo e o entendimento do jogo precisou ser outro. “Estranho, né? A vida inteira joguei de frente pro gol e agora estou de costas pro gol. Pra mim foi uma mudança muito radical, já havia jogado em todas as posições, menos de centroavante”, disse.

Emily Lima chegou ao Santos FC em janeiro deste ano (Foto: Instagram/@pegazevedo)

Em conversas com Rosana, a treinadora pediu para que ela tentasse, mas dizia que daria certo e se encaixaria com a postura do time da Vila. A adaptação aconteceu aos poucos e Rosana passou a entender que tocaria menos na bola, mas precisava ser mais efetiva. “Continuo me reinventando, me adaptando, mas hoje já muito melhor e conseguindo pegar uns macetes”, afirmou.

E mais uma vez, os números estão aí para provar. Pelo campeonato Paulista – que começou em março – Rosana marcou 4 gols em 12 jogos. Já pelo Campeonato Brasileiro que começou um mês depois, são 14 jogos com 11 gols marcados – apenas dois gols a menos que Danyelle do Flamengo, a artilheira da competição.

O sucesso dentro de campo não é por acaso. Rosana sempre foi uma atleta de alto nível e que conduziu sua carreira com muita atenção. A preocupação com a alimentação sempre foi constante e os treinamentos nunca pararam, nem mesmo nas férias. A jogadora disse que sempre teve esse cuidado para que pudesse chegar bem nesse momento da carreira e continuar colhendo os frutos.

(Foto: Instagram/@pegazevedo)

“Eu ainda estou bem, se pegar meus testes, eu tenho boas referências, principalmente de força e velocidade, que é o que se mais perde durante a carreira com o passar dos anos”, relatou. “O que pesa mais pra mim é a recuperação que fica muito mais lenta. Com 20 anos, eu podia jogar duas vezes por dia e estava pronta pro terceiro. Hoje em dia jogo um e opa… aí já penso em recuperar bem pro próximo”

Apesar de ser alta e forte, Emily foi a primeira treinadora que enxergou potencial em Rosana para que ela atuasse como centroavante. No momento da contratação, a técnica revela que os planos para a jogadora não era fazer a função de uma camisa 9, mas sim a de segunda atacante – função que a atleta já desempenhava.

Emily Lima e Guilherme Giudice (Foto: Instagram/@pegazevedo)

“Eu e o Guilherme (Giudice, assistente técnico) vínhamos buscando alguém para suprir a ausência da Sole e no mercado brasileiro não tinha uma jogadora assim, de área. E fomos conversando durante os treinamentos e jogos sobre isso. E a Rosana tem tudo de centroavante: tem força, bom cabeceio, boa finalização e é rápida. Falamos com ela e ela foi se adaptando, ganhando confiança é artilheira do Brasileiro. Isso é interessante pra ela, para nós e para o Santos”, afirmou Emily.

Futebol feminino no Santos

Um dos fatores que fez Rosana aceitar a proposta e defender o time da Vila Belmiro foi contar com toda estrutura e apoio que o clube oferece às jogadoras. “É um time que nos dá uma segurança muito maior do que os outros. A gente sabe que estando lá, temos respaldo, carteira assinada, contrato, estrutura melhor que outras equipes, mas sempre tem alguma coisa que precisamos evoluir, olhando o contexto geral”, citou.

Sereias da Vila (Foto: Instagram/@pegazevedo)

As Sereias da Vila seguem muito bem nas duas principais competições do futebol feminino que acontecem ao mesmo tempo. Pelo Paulista, é líder do Grupo 3 e depois de dois confrontos, já podem avançar para a semifinal da competição. No Brasileiro, a equipe enfrentará a Ferroviária no dia 12 de setembro (quarta-feira, às 19h), em Araraquara, pelo primeiro jogo das quartas-de final.

E não para por aí. O clube  – que é o atual campeão do Brasileirão Feminino – disputará a Libertadores da América entre os dias 18 de novembro e 02 de dezembro em Manaus. Com isso, Rosana terá a chance de conquistar essa taça pela terceira vez (já venceu o torneio em 2014 pelo São José e em 2016 quando fazia parte do Audax/Corinthians).

Santos campeão brasileiro em 2017 (Foto: dibradoras)

“Estamos num caminho muito bom, o time já criou uma identidade dentro do perfil que a Emily traçou e agora começamos a colher os frutos. Temos feito boas partidas e é possível identificar bem as nossas tomadas decisões dentro de campo. A Emily enxerga bem o jogo e tem um perfil muito interessante para começar a mudar o futebol feminino brasileiro”, afirmou.

Cobrança na marcação, treinamentos intensos e identidade mais ofensiva, essa última característica é própria do Santos, seja no masculino ou no feminino. A união da filosofia do clube e da treinadora fizeram um bom encaixe, segundo Rosana.

Seleção brasileira

Após a demissão de Emily Lima do comando da seleção principal de futebol feminino, em setembro de 2017, cinco atletas pediram dispensa da CBF: Cristiane, Fran, Maurine, Andréia Rosa e a própria Rosana. Hoje, quase um ano após o ocorrido, apenas a atacante Cristiane voltou atrás em sua decisão.

Boa tarde pessoal! Foram 18 anos representando a seleção brasileira com muito orgulho e amor! Hoje, assim como a Cristiane e a Franciele, torno público o desejo de não defender mais as cores da selecao brasileira. Diante das circunstâncias e adversidades dos últimos acontecimentos, sinto que as atletas não têm voz, e querer expor um ponto de vista, mexe com a vaidade e ego de muitos. Muito se pede para que as atletas se manifestem e reivindiquem. E sim, acho que deveríamos fazer isso, mesmo depois de uma tentativa fracassada como no pedido de permanência da comissão da Emily. Mas em contrapartida, entendo que muitas meninas ali, junto com os seus familiares têm um sonho. E protestando algo, têm medo que esse sonho seja abortando abruptamente, por não saberem a força que teriam juntas. Sempre me posicionei, por vezes, somente internamente, outras em público. Me posicionava, porque sempre pensava no que eu poderia ganhar e não perder. Sim. Sofri retaliação, e o sonho ficou no modo abstrato. Mas deixei de ser conivente com o “errado”! E é por isso, que estou abdicando mais uma vez de um sonho. Não temos força e nem voz. E isso, um dia cansa! Fica aqui o meu desejo para que pessoas que amam e tratam a modalidade com carinho e respeito, ocupem cargos de expressão dentro do futebol feminino brasileiro, e que as atletas ganhem corpo e voz, na briga incessante pela modalidade. Um grande abraço a todos!!!

Uma publicação compartilhada por Rosana Augusto (@rosanaugusto) em

O coordenador de futebol feminino na CBF, Marco Aurélio Cunha, foi quem se pronunciou em nome da entidade na época da demissão da treinadora e dispensa das atletas. Em uma das entrevistas, chegou a afirmar que a decisão das jogadoras em não defender mais a seleção aconteceu por conta de fadiga e frustração, levando em conta os longos anos de uma “cultura que é sofrida e acomodada” (você pode ler a matéria aqui).

Rosana reforça que sua dispensa da seleção não aconteceu simplesmente pela saída da Emily, mas sim pelo fato de que as atletas não são ouvidas pela entidade máxima do futebol há muito tempo.

“É algo que a gente vem lutando há muito tempo, inclusive lutamos pela união da classe, para que melhorasse o cenário do futebol feminino brasileiro, não só pela seleção”, disse. “Foi uma decisão onde eu não tomei partido de alguém. Eu apenas não acreditava que haveria uma mudança da forma que eu gostaria. Foi uma decisão minha.”

Cristiane e Rosana atuaram juntas pela seleção durante anos (Foto: REUTERS/FABIAN BIMMER)

Emily Lima acredita na mesma teoria e reforça também a necessidade de união entre as jogadoras. “Não vejo essas meninas terem parado (de defender a seleção) pela minha saída. Mas sim por, mais uma vez, não serem ouvidas pelo  presidente, ou diretoria ou a coordenação. Elas nunca foram ouvidas dentro da CBF. É sempre uma briga pedir alguma coisa lá”, nos disse.

“A gente vê Dinamarca, Estados Unidos, Noruega e até própria Alemanha se unindo para pedir as coisas e mudar o cenário para todo mundo, não só para uma ou duas, que é como acontece no Brasil. E é isso que a gente precisa mudar no nosso país. Mas acredito que Fran, Maurine, Andréia e a própria Rosana, juntas, ainda poderiam somar muito à seleção brasileira”, reforçou.

Quando questionada se sente falta da seleção ou se voltaria a vestir a camisa verde e amarela, Rosana é categórica. “Representei essa camisa com muito amor por muitos anos. Nunca parei pra pensar nisso (de sentir falta). Antes de tomar uma decisão, eu vejo tudo que ela pode me acarretar. Torço muito por quem está lá e que torço para que eleve o nível do futebol da seleção e do futebol brasileiro dentro de um cenário mundial. Sobre uma possível volta, nunca parei pra pensar e nem fui questionada sobre. Tenho meus princípios, mas quem sabe se houvesse uma melhora dentro do que eu acredito para o futebol brasileiro, quem sabe. Mas no momento, não penso nisso”.

Sobre a renovação da seleção brasileira por meio da equipe sub-20, que disputou o Mundial da categoria recentemente, Rosana vê muito potencial nessa geração. Três jogadoras da equipe santista estiveram na França defendendo o Brasil (a goleira Nicole e as volantes Angelina e Carol) que acabou eliminado ainda na primeira fase do torneio.

Equipe brasileira no Mundial Sub-20 na França (Foto: Reprodução/CBF)

“Acompanhei pouco por conta dos treinamentos, mas o pouco que vi, eu gostei bastante. Vi um padrão de jogo na seleção e peças interessantes que futuramente tem condições de galgar um lugar na seleção”, afirmou Rosana, mas sem deixar de citar os problemas que existem na formação das atletas.

“Somos super cobradas, só que a gente não tem base. Temos uma seleção, mas qual o campeonato de base que se tem para essas meninas ganharam mais experiência e chegarem no Mundial mais bem preparadas? Assisti ao primeiro tempo do jogo contra o México e, quando voltei do treino e vi que o Brasil tinha perdido, eu falei: como assim? A gente estava muito bem, dominando o jogo e o que aconteceu? Precisamos analisar qual o fator primordial que fez para que isso acontecesse. Futebol é dinâmico e cheio de detalhes, não dá pra colocar a culpa em alguém, ainda mais em meninas que são novas e pouco experientes.”

Transição de carreira

Sobre os próximos passos, Rosana afirma que irá avaliar se continuará jogando somente no final da temporada. “Tudo depende de como vou estar. Tenho planos em vista e penso em montar um fut-funcional e trazer para São Paulo um projeto que eu já tenho no Rio que é o CETRAF (Centro de Treinamento de Alta Performance), um projeto voltado para o alto rendimento.”

Também não descarta atuar na parte de gestão e no comando técnico de clubes. “O meio do futebol tem muitas vertentes, então estou estudando um pouco de tudo.”

Rosana já é especializada em Gestão Técnica do Futebol, já participou de diversos cursos na Universidade do Futebol – desde metodologia de treinamento até modelo de jogo e tática no futebol – além de ter concluído, em 2013, especialização em treinamentos de base pela UEFA e a Licença B da CBF em 2017.

“Venho estudando ao longo da carreira. O que vai definir o meu futuro, são os convites que vou receber. Posso atuar como treinadora, gestora e até mesmo ter meu próprio negócio”, revela.

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