*Por Roberta Nina e Renata Mendonça
A seleção neozelandesa de futebol feminino pode não ser a melhor do mundo dentro de campo, mas fora dele tem demonstrado cada vez mais a sua força no cenário mundial.
Com a 20ª colocação no ranking da Fifa, a Nova Zelândia ainda não é uma das candidatas a ganhar uma Copa do Mundo, por exemplo, só que considerando o caminho que o país tem trilhado na modalidade, não seria uma surpresa se, daqui a alguns anos, as neozelandesas comemorassem a conquista desse troféu.
Isso porque as jogadoras estão demonstrando uma união absoluta para conseguir reconhecimento para a modalidade em território nacional. Começou com uma reivindicação por equiparação de pagamentos com a seleção masculina – que foi atendida em maio deste ano. Agora, um protesto das próprias jogadoras resultou até na mudança do comando técnico da equipe nacional.
Foi nesta terça-feira que a Nova Zelândia anunciou que o treinador Andreas Heraf havia deixado o comando da seleção feminina.
O técnico estava afastado do cargo desde junho quando a Confederação Neozelandesa de Futebol (NZF) recebeu a denúncia por meio de cartas feitas por 13 atletas, que alegavam bullying, intimidações e uma “cultura do medo” implementada pelo então treinador. As denúncias sobre seu comportamento surgiram em março deste ano. Ele era uma das figuras mais poderosas do esporte, como diretor técnico nacional da NZF e treinador da seleção feminina de futebol, também conhecida como Ferns.
As atletas, então, se negaram a entrar em campo caso o dirigente permanecesse no cargo.
Diante dessa postura irrevogável delas, que não aceitavam de modo algum o retorno do técnico, Deryck Shaw, presidente da NZF (Confederação Neozelandesa de Futebol), disse que concordou com a saída de Heraf e que aguarda uma investigação sobre as ações do técnico.
Heraf é um ex-jogador e técnico austríaco e nunca havia trabalhado com futebol feminino antes. Ele chegou à Nova Zelândia para ser diretor de futebol na Confederação Neozelandese e logo assumiu o comando da seleção feminina. Sua postura gerou polêmica recentemente, em junho, por causa de uma fala dele após um amistoso contra o Japão. O técnico havia sido questionado por conta da postura defensiva que sua seleção teve na partida e chegou a afirmar à época que “existe uma grande diferença de qualidade entre a Nova Zelândia e o Japão. A seleção neozelandesa nunca terá a qualidade das japonesas”.
Essa foi a gota d’água para as jogadoras escreverem uma carta de protesto contra o treinador pedindo sua saída para a Confederação do país. Ele foi, então, afastado para uma “investigação interna”, segundo justificou a entidade e, depois disso, as atletas voltaram a se posicionar, dizendo que se ele voltasse ao comando, elas não vestiriam mais a camisa da Nova Zelândia – 13 jogadoras da equipe prometeram aposentadoria se Heraf retornasse ao cargo.
Assim, na última terça-feira, a Confederação Neozelandesa de Futebol confirmou a saída do treinador, que também deixa o cargo de diretor de futebol da entidade.
Essa não foi a primeira conquista que as jogadoras da Nova Zelândia conseguiram por meio dessa união de reivindicações. Em maio deste ano, as atletas celebraram a equiparação dos pagamentos destinados ao futebol no país. Antes disso, os jogadores da seleção recebiam mais por diária, por premiação de campeonato, por direitos de imagem e também só viajavam de primeira classe. Mas uma negociação histórica entre as atletas e a Confederação terminou com sucesso neste ano, confirmando que a partir de 2018, elas também viajariam no avião na primeira classe e também teriam os mesmos pagamentos de direitos que os homens têm.
A atacante da seleção neozelandesa Sarah Gregorius afirmou na época que esse era um reconhecimento importante à conquista das mulheres na modalidade. “Não importa quem você seja, nem o gênero, quando você veste a camisa da Nova Zelândia, você deveria receber o mesmo tratamento e respeito”, disse.
União faz a força
O movimento das jogadoras neozelandesas mostra a importância de um posicionamento conjunto de atletas para reivindicar seus direitos. Pela união delas, foi possível conseguir melhorias históricas para o futebol feminino do país – como a equiparação dos pagamentos.
Cansadas do assédio moral e da “cultura do medo” implementada pelo treinador, elas também não se calaram e protestaram até serem ouvidas pela confederação. São os (as) atletas os donos do espetáculo do esporte e, justamente por isso, eles deveriam entender a força que têm para conseguirem mudar sua própria realidade.
No caso do Brasil, recentemente houve uma movimentação inicial nesse sentido no futebol feminino, quando as jogadoras assinaram um abaixo-assinado protestando contra a demissão de Emily Lima como treinadora da seleção após apenas dez meses de trabalho, sem nenhuma competição oficial disputada – coisa que não aconteceu com nenhum de seus antecessores.
No entanto, acabou ficando só nisso. A CBF não acatou o posicionamento delas e manteve a demissão. Algumas atletas chegaram a anunciar aposentadoria por conta dos desmandos da confederação, mas depois desistiram.
E as ex-atletas também tentaram mudanças montando uma comissão para fazer reivindicações na CBF, mas a própria confederação encerrou o trabalho do grupo depois de alguns meses.
É raro ver qualquer movimentação de atletas reivindicando melhorias no esporte em qualquer modalidade no Brasil. Não à toa, as confederações seguem comandadas pelos mesmos dirigentes há décadas, alguns deles acusados de inúmeros escândalos de corrupção e, mesmo assim, mantidos nos cargos. Enquanto isso, o esporte definha, perde recursos e sobrevive aos trancos e barrancos, sem qualquer planejamento de desenvolvimento de base.
O futebol feminino, em específico, por muito tempo foi ignorado na CBF, sem qualquer investimento e com as tradicionais diferenciações entre seleção masculina e feminina – eles tinham academia e campo exclusivos, enquanto elas treinavam com uma estrutura secundária porque aqueles espaços “eram só para a seleção principal (masculina)”. Os pagamentos de diárias eram diferentes, mesmo que as duas equipes servissem a mesma seleção.
Hoje muita coisa mudou e há mais investimento na seleção feminina, mas talvez uma união das atletas em protestos como os realizados pelas neozelandesas poderiam trazer o desenvolvimento que elas tanto esperam para a modalidade. É clichê, mas é verdade que, no esporte, a união sempre fez a força – o exemplo da Nova Zelândia não nos deixa mentir.