Há quatro anos, também vivíamos às vésperas de mais uma Copa do Mundo, que seria realizada no Brasil e havia toda uma expectativa pela conquista do hexa em casa. Há quatro anos, o ex-jogador e ídolo colorado Fernandão se preparava para fazer uma cobertura esportiva do Mundial pelo canal SporTV como comentarista da casa. Não deu tempo. Um acidente fatal e inesperado no dia 07 de junho de 2014 fez com que os planos do ex-jogador não se concretizassem. O acidente de helicóptero vitimou o atleta, na época com 35 anos, e mais quatro amigos que voltavam de Aruanã, no interior de Goiás.
E foi ali, defendendo o Goiás Esporte Clube que Fernandão começou sua carreira como jogador de futebol, entre 1995 a 2001. Depois, passou quatro anos na França, onde defendeu o Olympique de Marseille e o Tolouse, mas foi vestindo a camisa do Internacional de Porto Alegre que o craque fez história.
Capitão colorado entre 2004 e 2008, Fernandão foi um dos grandes responsáveis pelas maiores conquistas da história do clube gaúcho: a Libertadores da América de 2006 e o Mundial de Clubes do mesmo ano. Ainda defendeu o Al-Gharafa, do Qtar e o São Paulo Futebol Clube, o último time em que jogou profissionalmente.
Em meio a tantas lembranças pela proximidade de mais uma Copa do Mundo, sua filha mais velha, Thayná Rodrigues, de 19 anos, tenta trilhar o mesmo caminho que o pai faria depois de aposentado. “Fiz até um post no meu Instagram por conta da data e deu muita repercussão, dizendo que era Copa do Mundo de novo e que, realmente, haviam se passado quatro anos da morte do meu pai. Escrevi que ele não pode comentar os jogos da Copa, mas que, no futuro, eu espero conseguir fazer o meu trabalho e o trabalho dele com o jornalismo esportivo”, nos contou a filha mais velha do ex-jogador.
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Thayná é fruto de um relacionamento de Fernandão com Vera Batista, um namoro que durou cerca de quatro anos em Goiânia. Na época em que Thayná nasceu, seu pai estava começando a jogar profissionalmente no Goiás. “Minha relação com meu pai seguia aquela linha de pais separados. Eu ficava com ele por 15 dias nas férias de junho e por um mês no final do ano”, contou às dibradoras.
Como nasceu em 1998, Thayna se recorda com dificuldade da época em que seu pai jogou na França, entre 2001 e 2004. “Fui para a França umas cinco vezes. Ia com ele ou com meus avós (pais de Fernandão). Lembro de ir a alguns estádios, mas bem vagamente”, relata.
Além de Thayná, Fernandão teve outros filhos, um casal de gêmeos (Enzo e Eloá) com Fernanda Bizzotto Costa, com quem viveu por 14 anos até a sua morte. A filha mais velha conta que sempre conviveu muito bem com a madrasta e com os irmãos, mas depois do falecimento do pai, alguns atritos os afastaram. “Depois da morte dele, por questões de brigas, meus irmãos se afastaram de mim. Faz uns três anos que não encontro com eles. Por coisa boba, nem digo que era por herança, foi por coisa besta mesmo e aí separou tudo. Sempre fomos muito unidos, meu pai fez tudo pra unir a gente quando ele era vivo”, relatou.
Thayná conta que chegou a morar com o pai, a madrasta e os irmãos por seis meses em Porto Alegre, na época em que ele virou dirigente. “Pensávamos em ir morar fora e estudar. Eu tinha 12 anos e estava tudo certo, meus irmãos também já estavam matriculados em escolas por lá, mas o a proposta para ele se tornar dirigente do Inter mudou tudo”.
A influência do pai
Frequentar treinos e estádios com o pai era prática comum para Thayná. “Desde pequena, ele sempre me levou para acompanhá-lo nos estádios. Ele me influenciou, não no sentido de me obrigar, porque eu gostava mesmo de futebol e de ir com ele nos treinos. Quando morei em Porto Alegre, eu também o acompanhava”, disse a filha.
Além de torcer pelo Internacional por conta do pai, Thayná sempre gostou de assistir futebol e também de jogar. “Em Goiânia o futebol feminino é pouco incentivado. Para eu conseguir jogar, tinha que ser em time misto porque não havia tantas meninas para fazer um time. Fiz escolinha de futebol em Porto Alegre também. Hoje eu pratico como diversão, reunindo um grupo de amigas e só”.
Cursando o terceiro período de jornalismo na capital goiana, Thayná já começa a dar seus primeiros passos na carreira de jornalista. “Minha faculdade não aceita estágio antes do sexto período, mas já comecei a fazer alguns trabalhos em veículos locais”, contou a estudante que já fez algumas participações na PUC TV Goiás (afiliada da TV Aparecida).
Thayná sente muita falta do pai e o classifica como seu maior apoiador. “Nós sempre conversamos muito e ele sempre me apoiava em todas as minhas decisões. Ele sabia que eu queria fazer jornalismo esportivo e fui por esse caminho muito por influência dele. Então é meio que uma sementinha dele que ficou aqui.”
A estudante pensa na possibilidade de criar um canal no YouTube para falar de futebol, mas quer produzir algo diferente, sair do óbvio. “Se ele estivesse aqui, com certeza iria ligar pra ele e pedir sua opinião. Com certeza ele iria me apoiar e ficar bastante empolgado. Depois que ele morreu, parece que eu não tenho mais ninguém pra conversar e me ajudar a colocar as ideias em prática”, relata.
‘Tenho a sensação, às vezes, que faz uns 10 anos que meu pai morreu e depois parece que foi semana passada’
Na época do acidente, Thayná tinha 15 anos e estava em casa com sua mãe quando tudo aconteceu. “A última vez que nos falamos foi no aniversário dele, em março. Fazia quase dois meses que a gente não se falava por conta da correria, eu estudando e ele com a empresa dele, viajando, quase não parava em Goiânia”, lembrou.
O interfone de sua casa tocou às 4h da manhã do dia 07 de junho de 2014. Era sua avó paterna aos prantos. “Minha mãe desceu pra falar com ela e, quando voltou, me disse: ‘filha, você vai ter que ser forte, estou levando sua avó no hospital porque a pressão dela está muito alta e a diabetes está alterada. Você toma um banho e quando eu voltar, te levo para o hospital comigo’. Achei tudo estranho e pedi pra ela me explicar direito o que havia acontecido. Foi aí que ela me contou que o helicóptero do meu pai tinha caído”, descreve Thayná que também relembra que a primeira reação dela foi perguntar pelos irmãos, já que o pai costumava viajar de helicóptero com os filhos e a esposa.
Como tudo aconteceu de madrugada, a filha de Fernandão demorou para ter notícias concretas sobre o acidente. “O telefone não parava de tocar em casa, fui para a internet buscar informações em portais esportivos e não achava nada. Sabe aquela sensação que você quer encontrar uma notícia e ao mesmo tempo você não quer encontrar nada? Eu estava assim”.
E foi por volta das 7h da manhã, quando foi visitar a avó no hospital, que Thayná soube o que tinha acontecido. “Tinha acabado de chegar no hospital quando vi o Plantão da Globo no ar confirmando a morte do jogador Fernandão. E ali eu já sabia que, dali em diante, ia mudar tudo”.
A garota conta que chorou um pouco, mas acabou se contendo por conta do estado de saúde da avó. Lembra que “caiu a ficha” quando chegou na Serrinha (estádio do Goiás). “Quando o corpo dele chegou, eu desabei”.
O legado
É inegável o legado de Fernandão dentro de campo, especialmente vestindo a camisa vermelha do Internacional de Porto Alegre. Ali no clube gaúcho, o capitão comandou o time na conquista dos títulos mais expressivos, como Libertadores da América e o Mundial de Clubes.
“Sempre lembro daquela final contra o Barcelona. Eu estava assistindo em Goiás, com meus amigos e meus avós. Vejo imagens daquele jogo e posso lembrar de cada jogada. Quase no final da partida, aconteceu uma falta perigosa e o Ronaldinho ia bater. Todos nós fizemos uma promessa naquele momento para ele errar aquela cobrança. Tivemos que acender uma vela na igreja de Trindade (cidade próxima de Goiânia) para agradecer depois. Meu pai era capitão daquele time e me marcou demais como tudo aconteceu”, descreve.
Thayná sabia da fama do pai, mas depois que ele faleceu, ela entendeu o tamanho real do ídolo. “Sabia que meu pai era muito querido e tinha fãs, mas depois que ele faleceu, eu fui ter noção do quanto. Acho que nem ele sabia o quanto era querido.”
Entre tantas mensagens de conforto e relatos de fãs que ouviu, uma história a marcou. No dia da inauguração da estátua que homenageia Fernandão no Beira-Rio, uma moça procurou Thayná para contar a importância que o craque colorado teve em sua vida. “A mulher segurou meu braço e disse que meu pai havia realizado o sonho de seu filho e que ela era muito grata a ele. E aí me contou que o filho era cadeirante, tinha muitos problemas de saúde e era torcedor colorado fanático. Ela levou o filho ao estádio num momento em que ele estava muito mal de saúde e, ali dentro, meu pai o viu na arquibancada e o levou para o gramado. Meu pai deu camisa do Inter pra ele, os jogadores autografaram, tiraram fotos e a mãe me contou que o filho ficou muito feliz, passou uma semana inteira falando com alegria sobre o Inter e sobre o Fernandão. Três meses depois, o filho dela faleceu e ali, naquele momento de homenagem ao meu pai, ela me contou essa história.”
Fora dos gramados, a filha recorda dos bons momentos que teve com o pai na fazenda que ele tinha em Goiás, no município de Palmeiras. Além do futebol, assim como Fernandão, Thayná tem paixão por cavalos. “Lembro muito das férias com meu pai na fazenda. Era o momento em que ele se desligava do futebol e virava o pai. A gente andava a cavalo, tirava o leite da vaca juntos. Ele amava cavalos e isso também passou pra mim. Brinco que nasci dentro de um estádio e em cima de um cavalo. Já fiz equitação e eu adoro andar a cavalo.”
‘Quero fazer o meu trabalho e o dele cobrindo uma Copa do Mundo’
É inevitável passar por essa época sem se lembrar da oportunidade que o pai estava prestes a realizar como comentarista de futebol durante o Mundial de 2014. “Ele chegou a narrar três jogos do Brasileirão antes da Copa como uma preparação para a função de comentarista que iria fazer. Só que cerca de quatro dias antes de começar a competição ele sofreu o acidente”, cita Thayná.
Além de sonhar com uma carreira no jornalismo esportivo, a estudante conta que passa por muitas provações por ser mulher e entender de futebol e, por outro motivo também: ser filha do Fernandão. “Na faculdade mesmo, se tem algum grupo de meninos falando de futebol e eu entro no papo, eles ficam me olhando com uma cara de ‘quem é você?’. Eles estranham depois quando percebem que eu, uma mulher, entendo de futebol. E quando descobrem que sou filha do Fernandão, aí o papo muda para ‘lógico que ela sabe de futebol, o pai dela é o Fernandão’. E aí eu tenho que dizer ‘não, gente, eu poderia também ser filha do Fernandão e não gostar de futebol’.
Como referência feminina na área esportiva, Thayná tem Fernanda Gentil como inspiração. “Acho o jornalismo que ela faz muito massa porque foge do padrão, daquela coisa monótona de só apenas comunicar. Ela erra, ela faz graça do próprio erro e interage demais. Faz a gente se sentir próxima dela. Morro de vontade de ser amiga dela!”, revela.
Os sonhos interrompidos de ir para fora do Brasil para estudar ainda não foram descartados. Thayná pensa sim em aprender outras línguas e ter mais independência futuramente. “Já falo inglês, mas acho legal viver a experiência de morar fora, sair da barra da saia do pai e da mãe.”
Na hora de finalizar o papo, pergunto para Thayná:
– Então, na Copa do Mundo em 2022, você estará lá trabalhando, é isso?
Ela sorri do outro lado da linha e responde “amém”. Conclui dizendo que não importa em qual Copa vai acontecer, mas ela irá lutar por seu objetivo. “Daqui quatro anos, oito anos, não importa em qual Copa seja. Vou tentar até o final.”
Que assim seja. Por ela e pelo seu capitão!