O estádio é um lugar que precisa ser de todos

Ao longo da semana em Kiev, a sede da final da Champions League, foi bem comum cruzar com torcedores de todos os tipos nas ruas. Principalmente homens, principalmente brancos, é verdade. E isso era esperado para um país que tem uma população majoritariamente branca e para um evento que, pela cultura que ainda predomina na sociedade, é majoritariamente masculino.

Mas me chamou a atenção no dia da final em si a mistura de gêneros e idades entre as torcidas de Real Madrid e Liverpool que chegavam para ocupar as ruas de Kiev e para presenciar a história sendo feita pelos dois clubes em mais uma final inesquecível.

O público masculino, como era de se esperar, ainda era a grande maioria e isso ainda deve levar um tempo para mudar ou para “equalizar”. No entanto, havia meninas vindo com seus pais, meninos vindo com suas mães, casais de idosos no meio da multidão, mulheres que viajaram sozinhas para ver o jogo e fizeram jornadas épicas para conseguirem chegar até a capital ucraniana. Todos juntos, torcendo da mesma maneira, sem distinção.

Uma das meninas com quem conversei, toda vestida de Real Madrid, tinha 14 anos e já estava na sua segunda final de Champions League – que “sorte” a dela torcer para um time que chegou (e ganhou) a três finais nos últimos três anos. Fã de Marcelo e de Cristiano  Ronaldo, ela me contou sobre sua expectativa para o jogo ao lado do pai – e acertou em cheio o placar: 3 a 1 para o time espanhol.

Depois, já mais perto do estádio, encontrei Aline, uma inglesa de 56 anos que viajou sozinha até Kiev para ver a final. Torcedora fanática do Liverpool, ela esteve no estádio no primeiro título de Champions League conquistado pelo time inglês em 1976-1977 junto com a mãe. Agora, mesmo sem sua eterna companheira de futebol, ela não pensou duas vezes em viajar para Ucrânia para presenciar mais uma decisão.

“Eu frequento estádio desde que eu tinha 7 anos de idade, quando quase não tinham mulheres indo. Eu vim aqui sozinha e está sendo fantástico. Consegui um ingresso há uma semana e meia e decidi vir. Planejei a viagem sozinha, comprei o voo e está sendo maravilhoso. Eu fui à primeira final com a minha mãe eu tinha 14 anos. Eram duas mulheres juntas naquele dia. Hoje, infelizmente, ela não está mais aqui, mas a experiência está sendo fantástica”, disse.

Cruzei depois com um casal muito animado que chamava a atenção de todos pela irreverência. Pauline, torcedora do Liverpool de 61 anos, vinha pela primeira vez a uma decisão ao lado do marido, Chris, de 62, que estava em sua segunda final. Estavam entre os que gritavam mais alto na entrada do estádio. “Vamos ganhar hoje”, ela me disse.

Já na arquibancada, encontrei um casal com uma bebê recém-nascida pronta para assistir ao seu primeiro título do Real Madrid aos 3 meses de idade. Jacinta hoje não tem ideia do que presenciou no Estádio Olímpico de Kiev, mas daqui a alguns anos com certeza terá orgulho de dizer aos amigos que já presenciou uma conquista madridista bem de perto – quem sabe até presencie mais, dado o ritmo que o Real Madrid vem impondo nas últimas edições da Champions League e considerando que a final do ano que vem será na capital espanhola.

Por último, conversei com uma torcedora fanática do Liverpool que viveu uma epopeia levando o filho de 11 anos para ver sua primeira final de Champions no estádio. O menino nunca viu o Liverpool chegar à decisão em seu curto tempo de vida, e Tracy acreditou que essa seria uma grande oportunidade para ele vivenciar uma das melhores experiências que o futebol pode proporcionar. Eles pegaram, então, um avião até a Polônia, depois trem e ônibus até finalmente desembarcarem em Kiev já na tarde de sábado, algumas horas antes do jogo.

A vitória não veio, mas o espetáculo da torcida do Liverpool que eles presenciaram valeu a viagem, segundo Tracy. ”

“Não é só estar no estádio, é sobre toda a experiência, a jornada até aqui, o dia hoje. A torcida do Liverpool simplesmente domina a cidade, eles estavam por todos os lugares. Tudo o que você ouvia hoje eram só os torcedores do Liverpool”, disse Tracy orgulhosa. Ela virou fanática como a mãe e levou o filho agora para a mesma paixão. 

O menino chorou muito pela derrota e disse que “infelizmente, o time não tem os melhores jogadores do mundo”. Ao que a mãe logo rebateu: “Nós não temos os melhores jogadores do mundo, mas temos os melhores torcedores, filho. Não é verdade?”. Ele na hora concordou.

O futebol pode ser tudo isso junto e misturado.  Pode ter os torcedores fanáticos e as famílias compartilhando as arquibancadas. As mulheres sozinhas ou acompanhadas tendo seu espaço respeitado, assim como os mais velhos e as crianças. O estádio é um espaço que precisa ser de todos – e que, acima de tudo, PODE ser de todos sem perder o espetáculo, como aconteceu ontem emKiev.

O estádio estava cheio, teve o show da torcida do Liverpool cantando “You’ll never walk alone”, o incrível mosaico da torcida do Real Madrid com bandeirão para os campeões e, ao mesmo tempo, teve espaço para todos os gêneros e todas as idades, teve espaço também para pessoas com deficiência, com síndrome de down, e para todos eles curtirem (e participarem) juntos a experiência fantástica que só o futebol pode proporcionar.

É importante ressaltar, porém, que sob o aspecto da raça e do acesso a todas as classes sociais, a final da Champions League não é o melhor exemplo de inclusão. Os ingressos ainda são bem caros – o mais barato custa 70 euros – e não estão ao alcance de renda mais baixa. A inclusão de negros, ao menos em Kiev, também ficou bem aquém do que pode ser.

De qualquer forma, o futebol fica bem melhor quando é compartilhado assim, sem distinção. A arquibancada, afinal, é (ou deveria ser) lugar de todos.

*Renata Mendonça está em Kiev a convite da Lay’s

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