O Campeonato Brasileiro começou no último final de semana e, na partida entre Corinthians (atual campeão) e Fluminense na Arena Corinthians, em São Paulo, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) organizou uma festa oficial de abertura para dar início a um dos campeonatos mais disputados do mundo.
Até aí, nada mais justo. Os grandes campeonatos internacionais fazem de seus jogos grandes eventos – quem já viu um jogo de Champions League logo entende o que eu estou falando. Na hora que aquela bandeira sacode no círculo do gramado ao som do hino mais arrepiante do planeta (quem nunca arrepiou com aquele “The Chaaaaampions”?), a energia do estádio se transforma. Todo esse “espetáculo” faz parte daquilo que tornou a Champions o maior campeonato de futebol entre clubes do mundo.
Mas aí a festa organizada pela CBF foi de iniciativa “interessante” para um clichê ultrapassado. No início, as chamadas Matrioshkas, aquelas bonecas gigantes da Rússia que representam “família, felicidade e boa sorte”, segundo a cultura do país”, entraram para dar o clima de Copa do Mundo, que começa em Moscou daqui dois meses. Uma apresentação de dançarinas e dançarinos fechou o tom russo da festa para depois impor ao evento o estilo bem brasileiro com que estamos acostumados.
Foi aí que vieram Marcos, Belutti e, claro, elas, as cheerleaders que a CBF contratou para fazerem parte deste momento. Camisetas dos 20 times da Série A e minishorts a postos para fazer a graça do público masculino fã de futebol. É 2018, mas os padrões da CBF para uma festa de abertura do Brasileirão parecem exatamente os mesmos de 20 anos atrás. Está mais do que na hora de a gente evoluir das tradicionais “cheerleaders” para dar à mulher um papel de maior protagonismo no futebol – papel este que ela já conquistou, aliás.
No início deste ano, a Fórmula 1 anunciou, por exemplo, que excluiria as “grid girls” do campeonato de 2018. A justificativa para isso foi “mudar práticas para que elas ficassem condizentes com as normas da sociedade moderna e com os valores da marca”. Sim, a sociedade está evoluindo, nada mais justo do que antigas práticas evoluírem também.
“Ao longo do último ano, analisamos uma série de áreas que achamos necessário atualizar de modo a estar mais em sintonia com nossa visão para este esporte fantástico. Embora a prática de empregar grid girls tenha sido um elemento básico de GPS de Fórmula 1 por décadas, nós sentimos que isso não estava de acordo com os valores da nossa marca e claramente está em desacordo com as normas da sociedade moderna. Nós não acreditamos que a prática é apropriada ou relevante para a Fórmula 1 e seus fãs, antigos e novos, em todo o mundo”, disse o gerente de operações comerciais da Fórmula 1, Sean Bratches.
Houve muita gente que reclamou, sim, incluindo as próprias grid girls, que reforçaram o valor de seu trabalho. Mas a Fórmula 1 entendeu que o papel da mulher no automobilismo tem que ser maior do que vestir uma roupa justa e ser o “enfeite” ao lado dos carros e pilotos. E não voltou atrás da decisão. Evoluiu, por assim dizer.
Está na hora de a CBF também fazer o mesmo. Será que faz sentido ter uma abertura de campeonato em que as mulheres ocupam apenas o papel de dançarinas com roupas curtas para entreter os homens? Vejam, as mulheres já dividem as arquibancadas, já dividem os gramados, inclusive, já dividem os microfones na reportagem, e estão conquistando cada vez mais espaço dentro do futebol – à revelia daqueles que ainda insistem em repetir que “isso é coisa para homem”. Então seria justo valorizar a presença delas de maneira adequada.
Por exemplo: o Campeonato Brasileiro de futebol feminino também está para começar – será na próxima semana, no dia 25 de abril. E ele é organizado pela mesma CBF. Por que, então, a entidade não aproveitou a oportunidade (e a visibilidade) desta festa de abertura do masculino para promover seu campeonato feminino também?
Poderia ter levado as atletas, uma representante de cada um dos 16 times da Série A1 e dos 29 da Série A2? E aproveitado para anunciar que o primeiro jogo do Corinthians no Brasileiro feminino também será ali, na Arena Corinthians, a primeira vez que as jogadoras do clube terão a oportunidade de jogar literalmente em casa. Eram quase 30 mil os corintianos ali que poderiam, de repente, se interessar em voltar à arena para prestigiar as mulheres também.
São tantas as oportunidades perdidas em uma simples festa de abertura que acabou apenas reproduzindo clichês e reforçando aquele papel ultrapassado que por muito tempo foi relegado às mulheres no futebol: o de enfeite, “adorno” para entreter o público masculino. Só que elas já superaram isso e hoje ocupam todos os espaços possíveis nessa área. Superaram uma proibição de 40 anos que tornou “crime” a prática do futebol feminino. Superaram e superam todos os dias o assédio dentro do estádio, o preconceito daqueles que insistem em perguntar “o que é impedimento” quando veem uma mulher falando de futebol, entre tantos outros obstáculos.
Se a CBF não entendeu isso, ela não entendeu nada mesmo.
(Importante: essa não é uma crítica às cheerleaders, que têm todo o direito de exercerem a profissão e a função que quiserem – e faz parte do nosso papel defender o direito delas de fazerem isso sem julgamentos e sem assédios. A crítica aqui é para os comandantes do futebol brasileiro que resumem o papel da mulher no esporte apenas a isso, sem reconhecer o protagonismo delas na arquibancada, nos gramados e nos microfones).