‘Quando precisei, ninguém me deu a mão’, diz Rafaela Silva

Foto: Geraldo Bubniak/AGB
*Por Juliana Lisboa
Ouro olímpico na Rio-2016, a judoca Rafaela Silva era uma das convidadas mais aguardadas do Fórum Mulheres no Esporte, que aconteceu em Salvador, na última semana

Ela, que retornou de lesão e está se preparando para o Grand Prix da China, teve menos a falar sobre o que vem pela frente do que da trajetória que a levou até o lugar mais alto do pódio no Rio de Janeiro. Nascida e criada na Cidade de Deus, uma das comunidades mais violentas do Rio de Janeiro, ela se tornou a única brasileira a ter uma tríplice coroa: ouro no Mundial Junior, Mundial Sênior e nos Jogos Olímpicos.

O evento até atrasou por conta da quantidade de gente tirando foto com ela e jornalistas querendo uma palavrinha antes do bate-papo (inclusive eu). Nem precisou: Rafaela foi muito franca no depoimento dela e abordou todos os assuntos que todo mundo queria saber.

A discriminação que Rafaela sofreu por ter nascido mulher começou logo na infância. Por ela, nem teria se tornado judoca. “Quando meu pai falou que no projeto social na frente da nossa casa tinha opção de futebol e judô para crianças, eu queria futebol. Eu adorava futebol, era meu esporte preferido, assim como o de todo mundo. Mas só tinha futebol para meninos, e eu não pude participar. Aí, eu e minha irmã fomos matriculadas no judô”, contou.

Ela só começou a levar o judô mais à sério quando viu que a irmã estava se destacando. E quando seu treinador, o professor Geraldo Bernardes, que foi técnico da seleção brasileira, disse que ela poderia entrar para a elite do país. Até então, isso era alienígena pra ela, que cresceu acreditando que esporte de alto rendimento não era coisa pra gente pobre.

Além disso, Rafaela encarava o judô mais como uma forma de descontração do que uma carreira. Ainda assim, ela comprou a ideia de Bernardes e começou a se preparar para as grandes competições. Os resultados vieram rápido.

Foto: Fernando Maia/UOL
Foi campeã Panamericana, da Copa do Mundo, do Mundial Junior, do Grand Prix, quarta colocada no ranking mundial em 2011 e conseguiu classificação para sua primeira Olimpíada, em Londres, como uma das favoritas. Quando foi desclassificada na segunda luta, veio a segunda discriminação: a racial. E ela pensou em desistir.

“Muitas pessoas falaram que lugar de macaco era na jaula, não numa Olimpíada. Que eu era uma vergonha pra minha família, que pagavam impostos pra eu roubar, que era pra eu voltar rastejando de Londres. E quando eu voltei eu disse que não queria mais praticar esportes. Fiquei alguns meses longe. Até que eu cheguei em casa e minha irmã disse que tinha uma coach (Nell Salgado) que me deu acompanhamento psicológico. Voltei a competir em abril de 2013”.

E o resultado desse ciclo olímpico todo mundo já conhece. Rafaela ajudou a mudar os padrões da própria vida (comprando a casa para os pais e montando seu patrimônio) e os do judô brasileiro. Hoje, a seleção feminina já conquista mais pódios que a masculina em campeonatos de grande porte e tem metade do investimento que a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) recebe. Os patrocínios não são mais tão escassos, embora a vida de atleta continue sendo sinônimo de superação.

Para que mais Rafaelas continuem aparecendo, a medalhista olímpica fez um apelo. “É fácil apoiar um atleta quando ele já está no topo, mas quando o atleta mais precisa, como no meu caso, ninguém além do meu treinador e da minha família me estendeu a mão. Ninguém veio me dizer que eu era boa, que eu podia ganhar uma medalha”, afirmou.

“Se eu tivesse parado em Londres, eu não estaria aqui, falando sobre o movimento feminino no esporte. Quando eu cheguei na seleção, a equipe masculina tinha todo o investimento, enquanto a feminina, que não tinha tantos resultados, não recebia. Era difícil a gente crescer. Eu tive gente que investiu em mim, como meu treinador. Se não tivesse, eu não chegaria onde cheguei hoje”, finalizou.

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